Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Guálter George

‘A pergunta foi lançada de maneira provocativa à Redação, no comentário do dia 4 último: O POVO está em campanha contra a secretária da Cultura, Cláudia Leitão? A dúvida nascera diante de alguns procedimentos questionáveis detectados na postura crítica do jornal quanto à gestão atual da Secult, que enfrenta dificuldades aparentes graves para se demonstrar eficiente. Há dois momentos que me parecem particularmente emblemáticos, como indicativos de que a postura editorial poderia contemplar algo mais do que apenas uma atitude de cobrança, que seria normal, por uma política pública capaz de gerar mais resultados para o setor cultural cearense. Primeiro foi, na edição do dia 26 de março, a coluna Vertical que trouxe uma forte crítica ao que se definiu como ‘descaso’ da Secretaria com o Centro Cultural Dragão do Mar, âncora da cultura cearense etc etc. Uma abordagem que considero marcada por ‘achismos’, baseada numa insatisfação de artistas e intelectuais que não se sabe quais sejam, lá, pelo menos, não se aponta qualquer deles. O passo seguinte viria na coluna Política do dia 4 de abril passado, na qual se anunciava a abertura de uma ampla análise sobre a paralisia do governo Lúcio Alcântara. Qual a pasta escolhida para abrir a série? A de Cultura, claro. Pior ainda é se constatar hoje, 14 dias depois, que a série ficou por ali mesmo. Nenhum outro setor do governo Lúcio foi analisado mais com aquele mesmo nível de aprofundamento.

Longo, denso, consubstanciado

Coube à editora-executiva do núcleo de Comportamento, Ana Cláudia Peres, tomar as dores da Redação quanto à idéia de que possa estar havendo uma campanha do O POVO contra Cláudia Leitão, hipótese diretamente levantada na pergunta feita no comentário interno e que permanecia sem resposta até então. Em texto encaminhado no final da tarde da última quinta-feira, longo, denso, consubstanciado em datas, a jornalista rebate a idéia de que exista qualquer sentimento de perseguição pessoal no material até hoje publicado pelo jornal. Mostra, por exemplo, que a própria Cláudia Leitão tem sido presença permanente no Vida & Arte, como fonte, nas várias pautas cumpridas a pretexto de pôr em prática o que a editora afirma ser um ‘exercício de crítica à gestão da atual secretária, fazendo algo mais do que jornalismo declaratório e jogando luzes sobre as políticas públicas voltadas para a Cultura no atual cenário do Estado’. É difícil ir contra a tese, especialmente porque, já disse, o texto vem fundamentado em datas, pautas cumpridas e outros detalhes de tudo que o caderno já publicou em quinze meses do atual governo. Difícil é, mas imagino possível, a partir de quando se ‘joga luzes’ sobre o jornal, pedindo emprestado o termo, para além do seu caderno de Cultura.

Há uma crise além da cultura

Digamos que o Vida & Arte cumpre o seu papel nas abordagens críticas que apresentam Cláudia Leitão como uma secretária de ‘fóruns’, do ‘dizer’ mais do que do ‘fazer’, mesmo que, da minha parte, resista em aceitar facilmente como aspecto somente negativo o investimento forte declarado na promoção de eventos e debates. Assim também se faz Cultura, mesmo que não seja apenas assim. O erro do jornal existe quando, e recorro aos exemplos das duas colunas já citadas como respaldo ao meu pensamento, há resistência em vincular a crise de realizações na Secult à crise de realizações de todo o governo Lúcio Alcântara. Não é correto se tratar a questão apresentando as duas instâncias como independentes, estanques, quando a realidade é o contrário. Uma está inserida dentro da outra. Há uma paralisia na administração e ela é visível em qualquer área para qual nos voltemos, inclusive a cultural. Este é um aspecto que não se pode perder de vista, a não ser que exista um interesse de fazê-lo. Por isso a pergunta inserida naquele comentário interno e que hoje trago à coluna externa, até pelo fato de O POVO ter sido respondido, direta e indiretamente, através de entrevista da secretária Cláudia Leitão ao caderno de Cultura do Diário do Nordeste, publicada na última quarta-feira, dia 14.

A entrevista que não fizemos

O assunto dá pano pra manga. A Redação, através da editora Ana Cláudia, considera que a entrevista pouco avançou no grande debate que se trava no Ceará sobre a política cultural do momento, as que antecederam e as que estão por vir. Entendo o contrário e vi muitos elementos importantes no material publicado pelo Diário do Nordeste, ressentimentos manifestos de Cláudia Leitão à parte. Por exemplo, o passivo de R$ 6 milhões que ela disse ter encontrado, valor que representa muito para uma Secretaria que, em 2003, cumpriu orçamento de R$ 5 milhões. A confirmar tais números, que fui buscar na mesma entrevista publicada pelo DN, não há como deixar de relativizar a crise de realizações no setor cultural. Criatividade – também pra ela – tem limite, afinal. Como nós, que dedicamos tantas matérias à crise de gestão no setor, conforme o relato pormenorizado que me encaminhou a editora do caderno, deixamos que a tal dívida nunca tivesse vindo à discussão? Ela teria que ser colocada no caldeirão, inclusive como forma de lhe garantir o peso justo, considerando que, com certeza, não é apenas por isso que a coisa não andou, ou andou devagar. Avalio, inclusive, que as matérias que vieram a seguir, na forma de repercussão, mostram que a entrevista sacudiu o meio e poderia ter sido mais um tento nosso no debate que imagino voltado ao esforço de tirar a Cultura cearense da paralisia, com ou sem a atual secretária. Aliás, conforme me avisa o mesmo texto encaminhado por Ana Cláudia, a pauta de hoje do Vida & Arte é, exatamente, uma reflexão profunda sobre os cinco anos do Dragão do Mar. Espero que jogue luzes sobre a situação do equipamento, que desde quando surgiu, para alguns, passou a ser confundido com a própria política cultural.

Uma pergunta sem insinuação

Com a coluna já fechada tomei conhecimento de que também o diretor-executivo de Redação Arlen Medina se manifestara sobre o assunto, no final da tarde de sexta-feira passada. Ele também nega direcionamento editorial, defende que as colunas têm direito de ‘analisar a política cultural implementada’ e ‘que não são peças estranhas ao jornal’ e, em tom mais duro, diz que não aceita o que considera ‘insinuação de que O POVO seja colocado como meio de campanha para desestabilizar a secretária e a política cultural do governo do Estado’. Primeiro, ele me tranqüiliza ao informar que inexiste orientação para que se trate a questão, fora do Vida & Arte, procurando isolar a crise na área cultural do contexto da crise de governo. Depois, reafirma às colunas um direito que não nego, que é o de tratar de maneira analítica todo assunto que seu editor considere relevante, ao mesmo tempo em que dá mais gás à questão levantada quando lembra que elas fazem parte do corpo do jornal, perspectiva, exatamente, que gerou a minha indagação. O que discuti, em circunstâncias pontuais e apontadas, foi a forma como isto se deu nos casos envolvendo a Secult e sua atual comandante. Terceiro, quanto à parte mais incisiva de sua manifestação, ela menciona uma insinuação que inexiste. Fiz, na verdade, uma indagação direta, clara, nascida em dúvidas que, inclusive, encerro esta etapa da discussão mantendo em boa parte.’