Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Informação deseducativa

O jornal de Vitória A Tribuna, de domingo 23 de abril de 2006, apresentava uma capa hilária. Competindo com uma foto grande de quatro homens bem-sucedidos em busca de relacionamento sério (segundo a legenda) estavam as seguintes manchetes: ‘Trabalhador inventa doença para se aposentar mais cedo’, com letras grandes, na parte superior da página, e ‘Políticos descumprem leis no dia-a-dia’, mais abaixo, num box colorido. A impressão era que, da base ao topo, o reinado era dos fora-da-lei.

Alguns chegam a cortar dedos e comer sal para aumentar a pressão

Trabalhador inventa doença para aposentar mais cedo

Descoberto pela reportagem de A Tribuna, o esquema vai ser investigado pelo Ministério Público Federal, já que há a possibilidade de existir uma gangue atuando em conjunto. A gerente regional do INSS, Aparecida da Cunha, garante que a previdência está de olho nos atravessadores junto com a Polícia Federal.

O assunto é a ocorrência de fraudes para obtenção de aposentadoria por invalidez e a existência de atravessadores que ajudam os trabalhadores a conseguir benefícios. Para dar a notícia, o jornal utilizou duas páginas da editoria de economia. Os equívocos começam na chamada da capa: ‘Trabalhador inventa doença para aposentar mais cedo’.

A palavra trabalhador acessa no imaginário coletivo a idéia do operário, pessoa de bem, do individuo que compõe a grande maioria da população brasileira. A frase bastante generalista forma um enorme contraste com a realidade exposta na matéria: ‘Existem os casos de pessoas que forjam doenças para tentar aposentadoria há muitos anos, No entanto, isso foi bastante reduzido nos últimos anos’. Mesmo sendo exceção, a fraude ganha status de regra, e oito casos contados por médicos e peritos são descritos num grande box ilustrativo que ocupa meia página. Os casos expostos de forma quase didática fazem parecer que as fraudes são mais comuns do que se imagina. Além disso, as descrições não acompanham a informação de que certas atitudes tomadas para burlar a perícia, como ingerir grandes quantidades de sal, por exemplo, podem ser extremamente prejudiciais à saúde.

Confessionário

O outro assunto abordado é a existência de uma gangue que agiliza a concessão de aposentadorias no Espírito Santo. O esquema, descoberto pelo jornal, é descrito de forma tão espetaculosa, que perde o caráter de denuncia. Um grande boxe traz na integra a entrevista da repórter com uma atravessadora. A impressão é de que a jornalista se empolga tanto com o furo, que esquece do objetivo de publicá-lo, e passa a se gabar do fato de seu jornal ter feito a descoberta. Um outro ponto é que, num país onde a burocracia reina no setor público, a informação sobre facilidades de concessão de benefícios do governo deve ser dada de forma inteligente e cautelosa, evitando que as ações fraudulentas sejam incentivadas. Para tanto é importante a presença de fontes respeitadas e de um desfecho que condene o erro.

A supervalorização do erro também aconteceu na matéria que tratava do descumprimento da lei por políticos e órgãos públicos. Os exemplos de infrações são muito bem ilustrados no decorrer da matéria, que ocupa três páginas da editoria de política. São casos de compra de produtos piratas, infrações de transito, fumo em lugares proibidos (Câmara Municipal, por exemplo), calçadas irregulares de prédios públicos, entre outros, com uso de fotos e depoimentos de políticos sobre as infrações que já cometeram. Aqueles que nada declararam foram flagrados pela equipe de reportagem fazendo algo de errado. Nem o presidente da República escapou: uma cópia pirata do filme Dois filhos de Francisco tinha sido utilizada dois meses antes da estréia do filme em sessão no Aerolula.

A cada relato, a informação de que tal ação era contrária à lei. A matéria virou um confessionário de pecados, devidamente perdoados, já que não é relatada nenhuma punição (salvo as multas de trânsito). Talvez, com isso o leitor aprenda que ‘se eles podem, por que não eu?’.

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Estudante de Jornalismo da Ufes, pesquisadora do CNPq (projeto Estudos do Jornalismo Brasileiro), integrante da Renoi