Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Informação e interesses: a serviço de quem?

Como não poderia ser diferente, a saída do poder do líder cubano Fidel Castro é hoje (19/02/2008) o tema de maior destaque das imprensas nacional e estrangeira.

Numa constatável contradição à idéia norte-americana difundida pelo mundo de que o ‘chefete da ilhinha’ não incomodara ninguém, por total inexpressão econômica de seu país e por seu jurássico ideário político, o que se assiste, no dia de hoje, é a uma farta cobertura da imprensa em relação à renúncia de Fidel.

Que a atenção dispensada pelos noticiários ao fato acima já dá ensejo a um detido estudo ninguém duvida. Porém, para que não se perca o fio condutor da presente análise, é imprescindível que seja retomado o foco de como a imprensa – no uso do fato – opera a distância entre a notícia e o dado real marcado pela história.

Se os interesses defendidos por uma imprensa que prefere a superficialidade noticiosa à possibilidade de esclarecer já são há muito conhecidos, o que se nos mostra oportuno é, a cada nova torrente informativa, fazer o exercício de separação do real e da ficção intencional, do fato e de sua expressão a repercutir.

Notícias como: ‘renuncia o ditador cubano’; ‘o regime de opressão fica mais fraco’; ‘começo do fim da ditadura em Cuba’, dentre outras, não perpassam da fina camada da superficialidade do fato. Dizer sem informar é não-comunicação. Comunicação requer, grosso modo, agentes emissor e receptor, canais e códigos. Comunicar sem o conhecimento de causa por parte do receptor é induzir, é viciar seu entendimento.

Passeia-se pelos canais de TV e se folheia alguns jornais e nota-se que nada é dito sobre a história da Cuba anterior à revolução socialista. História que interessa enormemente à maioria dos países da América Latina, por se referir essencialmente a ‘modelos’ de exploração e a tentativas de libertação.

O governo revolucionário

Não se viu nas TVs nem nos jornais que Cuba foi o último país latino-americano a se libertar da Espanha, o que só conseguiu em 1898. Três anos após sua libertação, Cuba se viu refém da política do big stick (grande porrete, no popular) levada a efeito pelo presidente dos Estados Unidos, Roosevelt.

Esse Bush do início do século passado conseguira interferir na política cubana a ponto de fazer emendar a Constituição daquele país, garantindo a franca possibilidade de invasões norte-americanas e a entrega aos EUA de uma área de quase 120 km² (a Baía de Guantánamo, ainda hoje base norte-americana).

Os governos ditatoriais de Geraldo Machado e de Fulgencio Batista, este último de 1934 a 1958, entregaram o país aos interesses mais escusos norte-americanos e transformaram Cuba num lugar atrasado, de uma economia monocultora, marcado pelo analfabetismo, pelo desemprego, pela mendicância, pela fome e pela prostituição. Os melhores lugares da ilha eram os cassinos e as ‘casas de festas’, freqüentados principalmente por empresários dos EUA.

Com o agravar da crise cubana, grupos revolucionários passaram a querer reverter o quadro de exploração e miséria. Dentre esses grupos, o que mais prosperou foi o que tinha à sua frente Fidel Castro, Camilo Cienfuengos e Che Guevara. Em dezembro de 1958, Fulgencio – como o próprio nome curiosamente sugere –, derrotado pela revolução cubana, fugiu para a República Dominicana.

O governo revolucionário de Cuba passou a adotar, logo de início, medidas como reforma agrária, nacionalização das refinarias de açúcar e das indústrias em geral que, em quase sua totalidade, eram de domínio norte-americano. Tudo isso era diametralmente oposto aos ‘tradicionais interesses dos EUA’.

Exemplos excludentes e opressores

O incômodo que aquela ilha representava aos norte-americanos fez com que o presidente Kennedy enviasse, infrutiferamente, tropas para invadi-la a partir da Baía dos Porcos. Era 1961.

Resumindo a história, até pelo fato de os norte-americanos não terem logrado o sucesso pretendido em nenhum de seus atentados contra Fidel, o cerco econômico e político a Cuba tornava-se cada vez mais intenso. Em 1996, por exemplo, os EUA – pregadores eternos da democracia e da liberdade – aprovaram, no Congresso, a proposta Helms-Burton, que previa sanções aos indivíduos e às empresas de qualquer parte do mundo que mantivessem quaisquer negócios com Cuba. Os estadunidenses desde há muito pretendem um ordenamento mundial, desde que dirigido a seu favor.

Diante da história, que nem é tão longínqua assim, percebe-se que o fato da saída de Fidel Castro do poder deveria ser tratado com a importância política e social que representa, pois se algumas experiências ditatoriais trouxeram com elas elementos de exceção e força, certos exemplos democráticos se revelam excludentes e opressores.

Liberdade e dignidade

Da mesma forma que há os que limitam a liberdade no interior de um país, existem os que querem impor ‘democraticamente’ sua visão de ‘liberdade’, a qual ostentam, concentrando-a em uma estátua, aos povos, e o fazem de forma truculenta e por meio de bombas e soldados.

Como não parece possível vida digna em ambiente de exploração, nem vida livre em atmosfera de igualdade imposta, ao invés de confundir, é hora de se buscar entender.

Certamente, a imprensa, que tanto cobra o cumprimento dos papéis sociais, poderia não perder a oportunidade de informar, de fomentar o debate sobre os direitos à liberdade e à dignidade, a partir de uma abordagem mais comprometida com a história e menos dependente dos interesses de ocasião.

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Estudante de Direito, Ipojuca, PE