Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalismo com ar de retaliação

Não havia entendido o motivo que levou Rogério Ceni a se recusar a responder pergunta de um repórter da Folha de S.Paulo na coletiva de imprensa logo após o jogo contra o Chivas, pela Libertadores, na quarta-feira (2/8). Dei uma breve vasculhada na internet, mas nada encontrei que pudesse explicar o comportamento – a única coisa de que me lembrava era uma coluna assinada por Marcos Augusto Gonçalves na Folha, intitulada ‘O presepeiro do Morumbi’, mas isso em 2004.

Dois dias depois da coletiva, na sexta-feira, a Folha estampava manchete principal em seu caderno de Esporte: ‘Após nova noite de herói, Rogério liberta sua cólera‘ (para assinantes). A matéria falava sobre o fato de Rogério Ceni ter entrado em atrito com o apresentador Milton Neves, em entrevista à Rádio Bandeirantes (links aqui e aqui), logo após o jogo, e também com a comentarista Milly Lacombe, no programa Arena Sportv, no dia seguinte. O texto citava a recusa de Rogério em responder à pergunta da Folha na coletiva. Segundo o jornal, o motivo seria o fato de a Folha ter publicado que o goleiro vendia camisas no São Paulo. Fui novamente à internet, e encontrei: ‘Comerciante, Rogério lucra sem pagar aluguel‘ (para assinantes), datada de 2 de maio deste ano.

Interpelação ao vivo

No sábado, 5 de agosto, a Folha voltou a fazer referência a Rogério Ceni na manchete ‘Nem fominha tricolor foge de repouso forçado‘ (para assinantes), na qual fominha se refere ao goleiro, por querer participar de todos os jogos do São Paulo, mesmo nos que são escalados apenas os reservas.

Pode ser coincidência, mas o que me parece é que a Folha resolveu cobrar revanche do goleiro são-paulino. O que mais evidencia essa constatação é o texto da matéria sobre a cólera de Rogério, que, na minha opinião, distorce um pouco o episódio do Arena Sportv.

No dia seguinte ao jogo contra o Chivas, Rogério entrou, por telefone, ao vivo no programa para interpelar a comentarista Milly Lacombe, por ela ter dito que o goleiro havia falsificado assinatura, em 2001, de um documento que continha proposta do clube inglês Arsenal por seu passe. Rogério fez questão de dizer mais de uma vez que se manifestava apenas por ter sido acusado de falsificação. Milly Lacombe afirmara, pouco antes, que Rogério havia falsificado a assinatura. E isso a Folha não deixou claro.

Acerto de desavenças

No texto da matéria da Folha:

(…) Na tarde de ontem, o alvo da ira de Rogério foi Milly Lacombe, comentarista da emissora Sportv. No programa ‘Arena Sportv’, ela lembrou que, em 2001, o goleiro apresentou ao São Paulo uma suposta proposta do Arsenal, da Inglaterra. Lacombe lembrou que houve uma acusação de que existiu dúvida sobre o documento. ‘Aceito críticas pelo que faço. Mas eu tenho família, minha filha, e não aceito essa acusação de forjar assinatura. Você vai ter que provar’, afirmou ele, que fez contato telefônico. A jornalista negou ter feito a acusação, mas o goleiro mal a deixava se expressar. Constrangido, o apresentador Cléber Machado pedia calma a Rogério, que desligou o telefone no ar. A lembrança da proposta do Arsenal irritou Rogério porque quase provocou sua saída do São Paulo (…)

Segundo a Folha, o que irritou Rogério foi a lembrança da proposta do Arsenal. Rogério disse que foi a acusação de forjar assinatura. Conclui-se que a Folha deduziu a explicação para a irritação do goleiro, o que nem sempre é adequado.

Essa sensação de retaliação da Folha não me parece saudável. Na minha concepção, o bom jornalismo, em tese, deveria prezar a isenção, independentemente da situação. Em hipótese alguma poderia servir como instrumento para acertar desavenças entre duas partes. Considero a Folha de S.Paulo o melhor e o mais isento jornal deste país, sou leitor assíduo, mas tal episódio me deixou um pouco decepcionado. Principalmente por eu ser são-paulino e fã inveterado de Rogério Ceni.

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Estudante de Jornalismo, 20 anos, Rio Claro, SP