Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Jornalismo de celebridades, para quê?

No carnaval, o mundo pára. Ou, o Brasil pára. Pelo menos essa é a impressão que deixa transparecer a mídia. A preocupação nos quatro dias de festa é a roupa com que a madrinha da bateria desfilou, quem cometeu a pior gafe nos camarotes e a chuva que atrapalhou a entrada de uma escola na Sapucaia. O resto do país é o resto do país.

O cotidiano da grande mídia, que já é limitado, em sua maioria, ao Rio de Janeiro e a São Paulo, fixa o noticiário apenas naquilo que acontece no sambódromo. Vez ou outra se abre uma licença para mostrar a Bahia ou Pernambuco, mas a pauta é a mesma: carnaval. O curioso é que até as editorias que têm possibilidade de ter assuntos variados, como internacional, voltam-se exclusivamente para a festa. Parece que a disputa não é por audiência, mas para saber qual o limite de saturação do público.

Do chapéu da porta-bandeira que caiu na frente dos jurados até os foliões-malas, tudo é notícia. O bom repórter, até a quarta-feira de cinzas, não é aquele que sabe usar as regras básicas do jornalismo, como apuração e verificação, mas quem publica a informação que vai provocar o maior estardalhaço. A alma coletiva da folia de Momo não deixa escapar nem mesmo a isenção jornalística. Não importa o que acontece e como as coisas estejam, tudo é muito lindo. Ou você já viu alguma reportagem de carnaval dizer que a festa é ruim?

Quem vai casar, quem vai descasar…

O jornalismo, que neste caso deveria ser diversional, torna-se tosco e previsível. Os textos repletos de clichês não exprimem nenhuma criatividade. Repórteres, editores e produtores parecem ser vítimas de uma febre de consenso. A efemeridade das notícias leva a questionar a própria validade deste tipo de jornalismo. Vale aqui lembrar o texto do jornalista José Sérgio Rocha publicado no Comunique-se:

‘Um dia vamos acordar desconhecendo o sentido de tudo, como se a humanidade inteira estivesse mergulhada em Alzheimer. Não estou me referindo ao sentido da vida, de onde viemos, para onde vamos, essas dúvidas existenciais e profundas. Refiro-me ao sentido mais banal das coisas (…) mude de canal que você vai ver, a cada zapeada na TV aberta, um programa mais imbecil do que o outro e todos com formatos de um jornalismo me-engana-que-eu-gosto. Num deles, o apresentador Nelson Rubens assume que aumenta, mas não inventa. Em outro, um costureiro de vestidos de noivas com a cabeleira mais tingida do que as asas da graúna dá notas para as roupas que estão vestindo as pessoas que passeiam pela Avenida Paulista, devidamente abordadas por um `repórter´ que atende pelo nome de Feliz. Cansado de tanta mistura – jornalismo com fofoca, política com religião –, você desliga a máquina de fazer doido. (…) A primeira página lá no alto anuncia que alguém seqüestrou um bebê e descobre que a criminosa é a Renata Sorrah, que faz o papel de vilã numa novela. Outras notícias bem menos importantes – tragédias verdadeiras, manobras rasteiras da política, casos de corrupção – ocupam o espaço menos nobre da capa do matutino’.

Ao estudar jornalismo, é comum um discurso grandiloqüente sobre os nobres valores sociais da profissão. A impressão que se tem é que os jornais somente se vão ocupar de escândalos, tragédias e denúncias. Porém, o que se vê nesses últimos anos é o crescimento do chamado jornalismo de celebridade. Apesar de já fazer parte da sociedade americana e britânica há muito tempo, no Brasil a internet tem sido a principal responsável pela disseminação das notícias dos famosos. Nos maiores portais há canais especialmente para mostrar quem vai se casar, quem não vai continuar mais casado e a última briga do BBB. Para se ter uma idéia, enquanto este artigo era escrito, das cinco notícias mais lidas no G1, três eram sobre celebridades.

Pouca atenção às coisas boas

Há também sites especializados neste tipo de cobertura. No ofuxico, por exemplo, os destaques da página são os astros internacionais que devem ofuscar as estrelas brasileiras durante o carnaval, o vestido largo de Adriane Galisteu e a participação de Cláudia Leitte em um baile.

Para Chris Atkins, diretor do filme Starsucker, ‘todo mundo é natural e fortemente atraído pela fama’. Para ele, essa vulnerabilidade do público é o principal motivo que faz proliferar as notícias sobre o mundo das celebridades. O documentário de Atkins mostra que não haveria um interesse das empresas de comunicação em lidar melhor com os fatos que envolvem os famosos, mas apenas em reproduzir o que chega à redação.

De olho na audiência, os veículos não se cansam de publicar o que os astros fazem. Em uma pesquisa de 2007 do Centro PEW de Pesquisas para a População e a Imprensa, 40% dos americanos acreditam que a mídia dedica muito espaço para as celebridades. Além disso, ‘um em cada dez americanos diz que a mídia não dá atenção suficiente para as coisas boas que estão acontecendo no país, incluindo os resultados positivos e boas ações feitas por cidadãos comuns. Os números indicam que a mídia dedica muito pouca atenção à guerra do Iraque (9%) e aos cuidados de saúde (8%)’, cita o levantamento.

Sinônimo de ‘calhau’

No caso brasileiro, o Comunique-se, em uma reportagem sobre o assunto, mostra que a ‘o jornalismo de celebridades é uma vertente da profissão que possui um dos maiores públicos. (…) O fato é que essa atividade, tantas vezes encarada com preconceito por colegas jornalistas, possui audiência cativa e movimenta um mercado cada vez maior e mais dinâmico em nosso país’, afirma a reportagem.

No entanto, no interior do Brasil, informação sobre artistas é sinônimo de ‘calhau’, pelo menos em jornal impresso. Basta perceber que, na maioria das vezes, as notinhas são recortes do que já foi publicado na internet. Não há nada de novo. Ao observar os três diários de Montes Claros, no norte de Minas Gerais, essa realidade fica evidente. Em média, os periódicos da cidade têm entre 12 e 16 páginas. O espaço dedicado a colunistas sociais, resumos de novelas, horóscopos e histórias de celebridades, todos os dias, é suficiente para produzir um outro jornal de 12 páginas.

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Jornalista, especialista em jornalismo político, professor, escritor, Montes Claros, MG