Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo cultural não valoriza tradições

A cobertura feita pela grande mídia brasileira dos eventos culturais e folclóricos carece de maior profundidade e análise. A diversidade cultural de um país como o Brasil, que agrega em seu território a cultura de tanto povos e suas diversas culturas, é incompatível com o que habitualmente é exposto nas emissoras de rádio e televisão, nas editorias de cultura dos jornais impressos e nos sites informativos da internet. O jornalismo cultural, especialização profissional caracterizada por reportar eventos e fatos relacionados à cultura global, nacional e local e suas manifestações, está cada vez mais resumido ao entretenimento e as notícias sobre celebridades. Falta densidade e reflexão sobre os movimentos culturais e seus principais atores, tal como é proposto na definição do próprio jornalismo cultural.

Há muito tempo, diversos estudiosos da mídia alertaram sobre o risco que a globalização cultural, favorecida pelos meios de comunicação de massa, representava para as culturas tradicionais. Esta corrente de pensamento julgava que todo o aparato da chamada indústria cultural (jornais, revistas, cinema, rádio e televisão) seria capaz de suplantar a tradição e o folclore de um povo, transformando o mundo em um massa homogênea apta e educada a consumir os mesmos produtos da mídia. A tese do imperialismo cultural defendia a idéia de que o american way of life seria uma espécie de rolo compressor a massacrar as culturas autóctones dos países subdesenvolvidos.

Aprofundamento e contextualização

Posteriormente, com os estudos sobre recepção, outros pesquisadores perceberam as peculiaridades existentes no processo de recepção das informações, reconhecendo que cada indivíduo absorve diferentemente o conteúdo transmitido, de acordo com as suas idiossincrasias, relacionadas ao meio cultural em que este indivíduo está inserido.

Contudo, voltando para a cobertura de eventos folclóricos e culturais feita pela grande mídia brasileira, a idéia de estandardização não se esgota. Tal cobertura, está direcionada muito mais para uma pasteurização e uma simplificação de tais eventos do que para um aprofundamento maior.

O que se evidencia na cobertura feita pelos meios de comunicação brasileiros é a reapropriação de uma cultura local e o empacotamento deste conteúdo dentro de uma forma pré-determinada, o que acaba por homogeneizar os eventos. Não há aprofundamento ou contextualização dos assuntos abordados. O agendamento habitual dos veículos de comunicação, ou seja, pautar temas vinculados às tradições culturais apenas nos períodos demarcados dentro do calendário das festas mais conhecidas, recobre o que é de mais substancial dentro daquela tradição, o universo de significados que os eventos culturais e folclóricos representam para uma determinada comunidade ou região.

Um exame mais detalhado

Há exemplos significativos deste tipo de simplificação na cobertura de eventos culturais. A cobertura feita das festas de carnaval no Brasil é marcada pela divulgação da grande quantidade de turistas estrangeiros que chegam ao Brasil, pelos desfiles das pessoas famosas nas escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo e pelos trios elétricos que se tornaram grandes empresas do ramo de entretenimento. Os carnavais do nordeste do país também são caracterizados como grandes eventos regionais e o destino de muitos turistas brasileiros e estrangeiros.

As festas de São João nas cidades de Campina Grande, no estado da Paraíba, e de Caruaru, em Pernambuco, são exemplos de festas que atualmente fazem parte do calendário turístico e comercial – isso porque convergem para si muita publicidade e muitos lucros. O festival folclórico de Parintins, no estado do Amazonas, que celebra o boi-bumbá, já é hoje a maior festa da região e também atrai um grande público. Já festas como a Folia de Reis e a malhação do Judas, que acontecem em muitas regiões do país, a Procissão do Fogaréu na cidade de Goiás e as Cavalhadas de Pirenópolis, embora sejam divulgadas, são pontuais e efêmeras na mídia, assim como muitas outras.

A cultura do sul do país também não recebe uma divulgação apropriada, o tradicionalismo gaúcho por exemplo, se apresenta muito mais como uma manifestação regional ou restrita aos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) do Rio Grande do Sul e espalhados pelo país, do que um complexo cultural legítimo que mereça um exame mais detalhado da mídia nacional. Assim como acontece com as festas de maior divulgação, inexiste uma contextualização apropriada em relação ao evento.

Celebridades e entretenimento

Todas estas festas culturais e folclóricas têm a sua importância para a manutenção da identidade do povo brasileiro. Contudo, ao se reduzir a cultura ao simples entretenimento e resumir esta a alguns eventos pontuais, está se vulgarizando a nossa identidade cultural. Ou seja, toda a essência tradicional, que liga o presente ao passado de um povo é perdida ou, pelo menos, diminuída. Algo que está extremamente relacionado ao agendamento previsível feito pelo jornalismo cultural da grande mídia, que possui a tendência a reproduzir sazonalmente os mesmos temas e as mesmas manifestações folclóricas.

Um tipo de jornalismo cultural que também não contempla o aprofundamento e a análise dentro da amplitude do tema referente à cultura brasileira e que se restringe à divulgação de celebridades instantâneas e da programação de lazer e entretenimento. Com certeza, não é apenas isso que se espera de um jornalismo cultural.

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Jornalista