Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Jornalistas & Cia

MEMÓRIA
Ruy Fernando Barboza

Para a biografia do jangada

‘Sou testemunha de dois fatos que dizem um tanto desse personagem fascinante que era Marco Aurélio Guimarães, o Jangada, respeitado nas favelas, morros, periferias e meios intelectuais de Sampa e do Rio como sambista, carnavalesco, jornalista, raivoso, encrenqueiro, solidário e amigo, morto nas vésperas do Carnaval de 2008, e que de 1988 pra cá era, quem diria, jornalista de Economia!

Em 1972, Hélio Fernandes publicou na Tribuna da Imprensa uma nota me chamando de vendido ao imperialismo por causa de um trecho de duas linhas (de uma reportagem de doze páginas, sobre o comportamento do brasileiro depois o país passou a ser mais urbano que rural) da Revista Realidade em que eu me referia ao crescimento da cidade de Macapá com a exploração do manganês pela empresa Icomi, do grupo Antunes. Jangada, na redação de placar, que ficava no mesmo andar, leu a nota e, sabendo que recentemente eu tinha sido preso por ser filiado a uma organização de esquerda, a Ação Popular, e tendo trabalhado (ele) algum tempo na Tribuna da Imprensa, veio me convidar para, juntos, irmos ao Rio, denunciar uma série de coisas do Helio Fernandes e, juntos, darmos uma surra nele! Ele estava exaltadíssimo, muito mais do que eu, e insistiu na idéia por vários dias. Eu não quis fazer nada, e nem mesmo protestei contra a nota, a pedido dos meus amigos de esquerda, que consideraram ser politicamente incorreto, na época, fazer qualquer carga contra o Helio e a Tribuna. Mas adorei a brutal solidariedade do Jangada.

O segundo fato: em 1980, minha mulher, Maria Elisa, quis levar produtos naturais, orgânicos e integrais para as feiras livres de São Paulo. Manteve em várias feiras, durante um bom tempo, uma barraca com esses produtos. Em várias dessas feiras, o Jangada era conhecido como o Limão. Temporariamente desempregado e se dedicando à Musica, aumentava o orçamento doméstico comprando montes de limões no atacado e indo vender nas feiras, sem barraca nem registro, apenas para faturar algum. Maria Elisa, pouco iniciada na vida de feirante, viu um sujeito roubando a carteira de uma dona de casa e deu um grito, avisando a mulher. A mulher gritou também, o homem avançou pra cima da Maria Elisa, e o Jangada se interpôs, dizendo ´Calma aí, queridão, ela é novata aqui e não sabe das coisas, mas é minha amiga. Está tudo bem, todo mundo amigo, deixa que eu resolvo´. O ladrão se aquietou e seguiu em frente no seu trabalho. Enquanto o Jangada ensinava à Maria Elisa que feirante não denuncia ladrão de feira, senão tem a barraca destruída. Por mais que veja, fica quietinho e cuida da sua vida. ´Tem que miguelar!´, concluiu, e foi voltando ao seu posto, anunciando ´Olha o limão, patroa!´. [Colunista da revista Claudia]’

 

 

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