Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Justificativas pouco aceitáveis

As eleições de 2010 foram marcadas por acusações de todos os lados. Mas diferente do candidato José Serra, ao ser questionada pelos escândalos de tráfico de influência na Casa Civil, Dilma Rousseff reconhecia os problemas e respondia, muito bem ao meu ver, que repudiava as atitudes de sua ex-assessora e que as providências legais já tinham sido tomadas.

Por outro lado, quando acusado, José Serra se esquivava e se contorcia com grande habilidade. Pude observar também a grande imprensa saindo em sua defesa (ou para colocar panos quentes) rapidamente no dia seguinte. Ou durante toda a semana seguinte, se necessário. Sobre o assunto privatização, que deveria ser amplamente debatido, li argumentos absurdamente incoerentes na mesma tentativa de defender a posição do candidato. Não sei se por afinidade ao tucano ou por interesses próprios.

Na Folha de S.Paulo do dia 16/10/2010, João Guilherme Sabino Ometto afirma categoricamente que a privatização é uma evolução da economia. Afirmação simplista e fantasiosa. Ele também dá a entender que falta agilidade a uma empresa estatal. Mesmo fazendo esforço, não consigo enxergar nenhuma relação causa-efeito entre ‘ser estatal’ e ‘não ser ágil’. Digo ao senhor Ometto que já presenciei um servidor público cobrando comprometimento de um consultor privado.

Deturpação de argumentos

Ometto diz que não há mais espaço para distorções num mundo que precisa desenvolver novos processos menos poluentes, garantir segurança alimentar e reverter mudanças climáticas. Oras, com vontade e um pouco de competência, é possível que brasileiros estudem gestão nas melhores universidades do planeta e tragam para o país as melhores técnicas de gestão e de produção adaptando-as à nossa realidade. Aliás, pensando na sustentabilidade, vejo mais chance de isso acontecer quando há a presença do governo do que quando há a sua ausência. Pois nessa última situação, as decisões são guiadas pelo lucro.

No dia 01/11/2010, nesse mesmo jornal, em um dos piores artigos que já li, o deputado federal Paulo Bornhausen (DEM-SC), certamente tomado pelo ódio da derrota, disse que a privatização é um instrumento da economia moderna e que a crise de 2008 promoveu necessidade de fortalecimento da globalização da economia. Oras, foi justamente com uma ação contrária às práticas dos engravatados economistas modernos que o Brasil pôde sair tão cedo dessa crise. Para quem não se lembra, o presidente Lula recebeu uma enxurrada de críticas, inclusive do tucano José Serra, por ter praticado a desoneração de impostos e incentivado o consumo, ao invés de colocar o pé no freio fazendo a economia parar.

E foi justamente a dependência da economia mundial que fez muitos países quebrassem. Se FHC e José Serra tivessem sido eleitos em 2002 e continuado a privatização em ‘alta velocidade’ (como foi dito à Veja em 1995 pela ex-candidato José Serra), o impacto da crise teria sido muito maior. Pois com mais empresas privatizadas, além de as demissões terem sido maiores para reduzir custos, mais dinheiro teria saído do país na crise para cobrir buracos estrangeiros.

Outra deturpação encontrada nos argumentos favoráveis à privatização é que a Vale aumentou seu valor em cem vezes após ser privatizada. A afirmação é verdadeira, mas não existe nenhuma relação causa-efeito entre privatizar e aumentar seu valor de mercado.

Contrários ao interesse nacional

E um dos mitos mais repetidos pelos privatistas é que, graças à privatização do setor de telefonia, o país passou a ter telefone barato e hoje quase todos podem ter um celular. É verdade que antes da privatização o valor da aquisição da linha era bastante alto. Mas os privatistas omitem o fato de que o valor do minuto praticado no Brasil é um dos mais caros do mundo. Como engenheiro elétrico, também posso afirmar que não existe nenhuma relação entre a privatização e a difusão de aparelhos celulares pelo país. E sim, com o momento tecnológico mundial.

Após ver a resposta do governador Roberto Requião, publicada na internet no dia 04/11/2006, a uma reportagem exibida na Globo em que Pedro Bial insinua que o porto de Paranaguá deveria ser privatizado, não consigo chegar a outra conclusão que não a de que os autores desses argumentos distorcidos possuem interesses contrários ao interesse nacional.

Aguardo ansiosamente o lançamento do livro de Amaury sobre os segredos das privatizações do governo tucano.

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Jornalismo partidário

Quanto mais leio, mais fico indignado com a deturpação da informação que vem da patética grande imprensa.

As eleições deste ano fizeram brotar em mim as seguintes reflexões: ‘Será que eles se sentem ameaçados quando o governo pretende levar internet banda larga a todos? Será que os enormes avanços na educação (apesar de ainda insuficientes) que o governo Lula fez ameaçam a credibilidade e os interesses econômicos desta patética mídia nativa?’ Vejo que a resposta é: ‘Certamente.’

Acredito que a educação é um processo irreversível. E também não é segredo que quanto mais a população progride e tem acesso à educação e outras fontes de informação, ela será menos manipulável.

A tendência é que jornais que hoje atuam como partido político percam a credibilidade. E capas como ‘PT é partido da morte’ (Estado de S.Paulo, 24/10/2010) sejam repudiadas e vistas como falta de profissionalismo jornalístico pela maioria. Jogo de imagens para provar uma agressão fictícia também perderão a sua força e serão motivo de chacotas por todo o país. Embora as eleições provassem que esse poder manipulador está reduzindo, fico muito triste ao constatar que esse tipo de jornalismo fantasioso ainda mantém uma forte influência no Brasil. Inclusive sobre pessoas bem formadas e esclarecidas. Outra possível consequência, já constatada em outros países, é que à medida que a população avança na educação, ela tende a se distanciar do fanatismo religioso e, como já visto em alguns países, até da religião. E isso também ataca os interesses de alguns setores da igreja.

Um sentimento de alívio

Acompanhando de perto as eleições de 2010, observei toda a direita conservadora e retrógrada se unindo de maneira nunca vista na nossa jovem democracia. Na minha modesta opinião, foi uma ação feroz e covarde na tentativa golpista de voltar ao poder. Parece que há um imenso rancor desse setor que sempre mandou e desmandou no país, pelo poder ou pela influência econômica. Pois um governo liderado por um partido de ‘pobres e ignorantes’ (como é convenientemente propagandeado por muitos) ficará para a história.

Num comentário repugnante, e certamente tomado pelo ódio da derrota, o deputado federal Paulo Bornhausen (DEM-SC) escreveu o seguinte na Folha do dia 01/11/2010: ‘Lula será julgado pela história e ficará na memória do país apenas pelo mal que fez à moral, às instituições, à formação dos jovens, à política e à República.’ Cabe lembrar que não é o que a maioria dos eleitores deste deputado acha.

Apesar de toda torcida contra de Bornhausen e outros, o presidente, que foi desrespeitosamente chamado por muitos de ‘analfabeto’, ficará para a história mundial, a presidente eleita já entrou para a história por ser a primeira mulher a presidir o país e o Partido dos Trabalhadores está se fortalecendo pela sua própria competência.

Além da indignação, eu fico com um sentimento de alívio por ter entendido tão claramente o quão patéticos são certos jornais e revistas. (Áquila N. Chaves)

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Engenheiro, São Paulo, SP