Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Leitura sob medida para modelos

Será que finalmente teremos novidades no noticiário sobre as Semanas de Moda no Brasil? Será que em vez de encher páginas e páginas com textos cifrados em que palavras em inglês tomam o lugar de seus sinônimos em português (apenas por uma questão de estilo) os jornalistas da área de moda vão começar a falar sério?


Pelo menos parece que a própria organização do evento (e não a imprensa, que deveria tomar a iniciativa) está chamando a atenção para outros aspectos do desfile.


Algumas notícias nos jornais são sintomáticas:




‘Depois de ter anunciado que só maiores de 16 anos poderão desfilar em sua passarela e que é necessário atestado médico para trabalhar, a São Paulo Fashion Week divulgou o lançamento de uma cartilha com dicas de alimentação saudável para modelos. `Consultamos as agências para saber o que poderíamos fazer e decidimos criar um estilo de linguagem para atingir em cheio as modelos. Tem que ser sedutor e simples´, diz Paulo Borges, organizador da semana de moda.’ (Adriana Dias Lopes, O Estado de S.Paulo, 16/1/2007)


‘A São Paulo Fashion Week organizou, na sexta-feira, uma reunião com as assessorias de imprensa das grifes participantes do evento. Entre outros assuntos, pediu que tomassem cuidado com os repórteres para que as polêmicas sobre magreza e transtornos alimentares não desviassem o foco dos desfiles. Comentários sobre o assunto devem ser evitados e as dúvidas deverão ser encaminhadas a outra assessoria de imprensa, contratada exclusivamente para tratar do tema. Gisele Najjar, assessora de imprensa da SPFW, nega a recomendação – confirmada pela coluna por três participantes do encontro.’ (Mônica Bergamo, Folha de S.Paulo, 16/01/2007)


‘`Precisamos conscientizar e também reeducar´, diz Borges, que se inflama quando perguntado se a campanha não é uma jogada de marketing da SPFW. `Se nós não estivéssemos fazendo nada, o que você perguntaria? Nosso projeto não é apenas pontual, vai assumir uma responsabilidade de longo prazo com a sociedade. Sou eu que pergunto: e a imprensa, o que ela está fazendo quanto a esse problema?´’ (Alcino Leite Neto e Vivian Whiteman, Folha de S.Paulo, 16/1/2007)


A imprensa (não a ‘especializada’ da moda) tem feito seu papel, ao noticiar os casos de anorexia, embora sem a ênfase e o serviço que seria de se esperar. Mas, agora, a própria ação dos organizadores da São Paulo Fashion Week pode levar as especializadas da moda para um caminho mais jornalístico. Será?


Primeiro passo


As jovens leitoras (e espectadoras) vão se dar contas de que nem só de glamour se faz um evento desses?


Em vez de ficar sabendo apenas que o fio de coco é a novidade do momento, que as saias da próxima temporada vão ser muito curtas e que a grande sensação é a magérrima modelo ucraniana, as leitoras vão descobrir que a Semana de Moda é um evento que movimenta dinheiro, muito dinheiro, e que as modelos trabalham duro, se alimentam mal e, apesar da fama, são pessoas com problemas reais?


Ou será que a imprensa vai continuar bajulando os poderosos estilistas e suas lindas modelos, mostrando apenas o lado ‘fashion’ do evento?


A nota da colunista Mônica Bergamo e a entrevista com o organizador da semana em São Paulo – e a cobrança que ele faz (‘a imprensa, o que ela está fazendo quanto a esse problema?’) – podem ser um sinal de que alguma coisa mudou. Vamos esperar que os organizadores da Semana de Moda de São Paulo tenham motivo para ter medo e que a imprensa insista, e insista muito, no tema da ‘magreza’.


Será o primeiro passo para a mídia sair da mediocridade que tradicionalmente domina o noticiário sobre os eventos de moda e uma forma de prestar um melhor serviço aos leitores.

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Jornalista