Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Post’ garante a Bezos chance de deixar sua marca no jornalismo

Jeff Bezos, o fundador da Amazon.com, parece estar realizando o sonho há muito acalentado de deixar sua marca no jornalismo. Bezos está comprando o Washington Post por US$ 250 milhões sob um negócio saído do nada que reflete não só o declínio econômico do jornalismo, mas o deslocamento de poder da mídia tradicional para o Vale do Silício. A venda coloca um dos mais famosos jornais dos Estados Unidos – ao qual se atribui a revelação do escândalo do Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, há quase 40 anos – nas mãos de um empresário que ascendeu nos últimos 20 anos ao estrelato do mundo empresarial.

Para Bezos, um bilionário conhecido por criar uma das empresas mais inovadoras – e agitadoras – da internet, a questão é que tipo de dono de jornal ele será. Bezos, de 49 anos, transformou o modo como as pessoas leem livros ao lançar o leitor eletrônico Kindle, em 2007, deflagrando uma migração para as publicações digitais. Ele logo voltou sua atenção para o jornalismo. Em 2009, lançou uma versão do Kindle com tela maior, concebida para ser uma nova plataforma para a assinatura de jornais. Mas o produto nunca decolou.

O interesse de Bezos pelo jornalismo, no entanto, perdurou. Em 2011, ele lançou o Kindle Singles, um meio de jornalistas publicarem artigos longos e vendê-los por menos de US$ 2 o exemplar digital. Neste ano, investiu no Business Insider, um site americano de notícias sobre tecnologia e negócios.

A Times Co. vendeu o Boston Globe

Pessoas próximas de Bezos dizem que ele lê jornais todos os dias no seu Kindle e é um leitor de livros voraz, que discute obras sobre liderança com executivos. Segundo um perfil de sua esposa, a escritora MacKenzie Bezos, publicado na revista Vogue, ele às vezes banca o papel de editor, supostamente fazendo anotações detalhadas sobre os manuscritos dela. Um porta-voz da Amazon não quis comentar o assunto e disse que Bezos não estava disponível para uma entrevista. As ações da empresa fecharam, ontem, com queda de 0,08% na bolsa Nasdaq, a US$ 300,75.

A aquisição do jornal “cai na interseção entre duas coisas que o apaixonam”, disse David Risher, um ex-executivo da Amazon que dirige uma organização sem fins lucrativos voltada à leitura, a Worldreader, para a qual Bezos contribui pessoalmente. “Ele adora ler.”

A venda revelada anteontem ocorre em um momento em que muitos jornais estão penando para sobreviver. A receita com anúncios impressos caiu 55% entre 2007 e 2012, segundo a Associação Americana de Jornais, à medida que anunciantes e leitores migram para a internet. Alguns jornais foram forçados a cortar custos e, em alguns casos, entrar com pedido de recuperação judicial. No fim de semana passado, a New York Times Co. vendeu o Boston Globe por US$ 70 milhões, tendo pago US$ 1,1 bilhão em 1993.

A necessidade de economizar

A internet está “transformando quase todo elemento do setor de notícias”, disse Bezos numa carta aos empregados do Washington Post. “Não há um mapa, e traçar o caminho à frente não será fácil. Vamos precisar inventar, o que significa que precisaremos experimentar”, escreveu ele. Embora Bezos tenha dito à Washington Post Co. que se manteria afastado do dia-a-dia das operações, pessoas que trabalharam na Amazon dizem que ele deixa a sua marca em cada grande projeto lá. Mudanças significativas de pessoal e na estratégia geralmente exigem o seu aval, disseram elas.

A Post Co. vai mudar de nome depois da venda, mas o nome novo ainda não foi revelado. A companhia, que manterá os negócios que tem nos setores de educação e televisão, também vai conservar seus imóveis e alguns ativos jornalísticos, inclusive o site Slate.com e a revista Foreign Policy. A circulação diária dos jornais da empresa caiu de 769 mil exemplares em 2002 para 472 mil em 2012. A receita da divisão de jornais recuou 31% no mesmo período, para US$ 582 milhões, segundo documentos públicos. Enquanto isso, o lucro operacional despencou de US$ 109 milhões em 2002, para um prejuízo de US$ 53,7 milhões em 2012.

Na Amazon, Bezos instituiu o foco no serviço aos clientes e nos preços baixos. Executivos da Amazon viajam na classe econômica e algumas das mesas na sede da empresa, em Seattle, são feitas de portas recicladas para lembrar os empregados da necessidade de economizar.

Pensamento de longo prazo

Bezos trabalhou no setor de serviços financeiros em Nova York depois de se formar na Universidade de Princeton, mas deixou o emprego em 1994 e se mudou para a região de Seattle, onde começou a Amazon, trabalhando numa garagem. A empresa vendia inicialmente livros impressos, CDs e DVDs, mas depois se diversificou e virou um concorrente do Wal-Mart Stores, vendendo artigos de banheiro, móveis e eletrônicos, inclusive o leitor de livros eletrônicos Kindle e os tablets que ela mesmo faz. A empresa passou anos sem dar lucro, mas decolou nos anos 2000 à medida que as pessoas se adaptaram à ideia de compras online.

Bezos também ganhou reputação de ser um tanto excêntrico. Assim como o falecido fundador da Apple, Steve Jobs, Bezos quase sempre usa a mesma combinação de roupa: jeans azul, camisa azul clara e blazer escuro. Uma coisa que seus variados e às vezes esotéricos investimentos têm em comum é o foco no longo prazo. Bezos é dono de uma empresa de viagem espacial, a Blue Origin, que está tentando desenvolver um modo de transportar astronautas para uma estação espacial internacional.

Seu projeto mais peculiar pode ser encontrado no fundo de uma montanha numa propriedade que ele tem no Texas, onde um grupo que ele financiou com pelo menos US$ 42 milhões está construindo um relógio de 60 metros de diâmetro, chamado de “O Relógio de 10 mil anos”, feito para durar, e marcar, todo esse tempo.

“A razão de eu estar fazendo isso é porque é um símbolo do pensamento de longo prazo e da ideia da responsabilidade de longo prazo”, Bezos disse numa entrevista de 2011. “Nós humanos nos tornamos tão sofisticados tecnologicamente que, de certas maneiras, colocamos nós mesmos em perigo. Será cada vez mais importante que a humanidade, no decorrer do tempo, tenha uma visão de longo prazo do seu futuro.”

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Greg Bensinger, William Launder e Stu Woo, do Wall Street Journal