Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luta contra a corrupção transcende as disputas salariais

Em 11 de junho de 2011, em sua coluna no Estado de S.Paulo, José de Souza Martins compara a situação dos bombeiros no Rio de Janeiro com a situação de Antonio Palocci em Brasília. A análise do professor Souza Martins talvez peque pela distância a que se encontra do estado do Rio de Janeiro. E certamente o mesmo se dá com diversas outras análises feitas por colunistas ou comentários postados pelo público participante de blogs, fóruns e outras áreas da internetosfera por não vivenciarem certas entranhas da atual política carioca.

De agora em diante, chamarei de grande mídia os grandes veículos de comunicação no estado do Rio de Janeiro, muitos com projeção nacional, seja no meio impresso, televisivo ou internet. A individualização de cada caso tem questões jurídicas que dificultam sua explicitação. Um pouco de consulta ao Google rapidamente encontrará as situações mencionadas através da mídia pulverizada, mas também efetiva, produzida pela rede.

O governo Cabral segue o governo Garotinho, ambos com prontuários policiais dignos dos maiores vilões da humanidade. No governo Garotinho, a grande mídia atacou-o como pode, mas, por motivos ainda obscuros, protege o governo Cabral a ponto de demitir jornalistas que falaram mal de seu governo. A despolitização (produzida pela grande mídia calada) dos que não acompanham de perto a política estadual contrasta com embates carnais entre atores políticos de diversas naturezas, incluindo funcionários públicos no limite dos baixos salários, atentados contra jornalistas que denunciam o caos e crimes de corrupção mesclados com os crimes associados à violência social endêmica do estado.

Politizaram os bombeiros

Na análise do professor José de Souza Martins, ele atribui o sucesso da eleição e reeleição do Cabral ao lulismo. O governo Cabral foi obra do lulismo sim, mas não só. Sua reeleição deveu-se também ao patrocínio pela grande mídia. O lulismo garantiu que “a esquerda petista” não só ficasse calada mas também fizesse campanha pró-Cabral, travando o único mecanismo efetivo de denúncias que burlasse o silêncio da mídia. Por sua vez, o apoio da imprensa mostrando o “lado bom das estatísticas” e sonegando a corrupção governamental, garantiu o apoio “da classe média de direita” que, por falta de informações detalhadas, aprovou políticas públicas de baixa efetividade e alta visibilidade (e.g. UPP e UPA).

Os conceitos de “esquerda petista” e “classe média de direita” são obviamente criticáveis do ponto de vista ideológico, mas referem-se a grupos sociais facilmente identificáveis, mesmo com uma rotulagem certamente distorcida e caricata ao excesso. A associação lulismo + grande mídia garantiu os valores estratosféricos de votos, mas a corrosão social também foi no mesmo nível.

O resultado foi inesperado. A população se uniu a um movimento de funcionários públicos, ainda que militares, que foram transformados em marionetes, jogadas de um lado para o outro dentro da estrutura do governo estadual, para exibição eleitoreira de resultados. Por que subordinar os bombeiros a uma Secretaria de Saúde civil e com tradição política? Tentaram subjugar militarmente a saúde, um dos grandes calcanhares de aquiles de qualquer governo de estado, pela altíssima qualificação e força política dos técnicos. O efeito foi reverso: politizaram os bombeiros!

Informação e participação política

Ainda há uma estrutura governamental corroída pela corrupção em praticamente todos os pontos. Da caça ao tesouro na invasão do Alemão, às denúncias de superfaturamento em diversas Secretarias de Estado, há a exposição do modelo frágil, mantido mais pela alienação promovida pela imprensa do que forças políticas reais.

Os bombeiros mostraram que Yes, we can! Mas a luta contra a corrupção transcende as disputas salarias pontuais e chega às estruturas dos tribunais de contas e auditorias oficiais. Se não houverem mecanismos de defesa social que garantam informação e participação política além dos oferecidos pelos oligopólios da imprensa, que eu designei de grande mídia, os avanços serão lentos e traumáticos, como foi a luta dos bombeiros.

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[Pedro Guimarães é médico, Rio de Janeiro, RJ]