Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mais bola e mais Sêneca

Esta semana o ‘gesto obsceno’ do Ronaldo se tornou um fenômeno jornalístico. Na quinta-feira (25/03/2010), apesar de ter jogado mal na noite anterior, o volumoso atacante corintiano conseguiu chamar tanta atenção dos jornalistas quanto o caso Nardoni.

O tom da cobertura foi bastante comedido: ‘Ronaldo não conseguiu conter a sua irritação’ (ver aqui), ‘Para aumentar a confusão, o Fenômeno, cercado por seguranças, mostrou discretamente o dedo médio de uma das mãos para a torcida’ (ver aqui).

A comunicação não verbal é ou pode ser tão eficiente quanto a verbal. O dedo fálico do Ronaldo é semelhante ao do ex-jogador do timão (ver aqui), mas o conteúdo da mensagem e sua interpretação não. A foto do Cristian mostrando o dedo fálico é bem nítida. A do Ronaldo, sem foco. Defeito da máquina fotográfica ou cortesia ao ídolo?

‘Os prazeres e as dores’

Cristian exultou em virtude de ter feito o gol que mudou o resultado do jogo e inverteu a lógica da semifinal em 2009. Não foi isto que fez Ronaldo. Ele apenas expressou ira diante da reação da torcida à sua atuação e ao resultado da partida.

Em 2009, a mídia interpretou o sinal fálico de Cristian de uma maneira absolutamente negativa e até clamou pela sua punição. Em relação a Ronaldo, os jornalistas preferiram dar uma ênfase grande à hostilidade da torcida. A reação da torcida foi imprevisível ou inesperada? Não foi e outra não se poderia esperar. O time jogou mal e perdeu.

Gostemos ou não, as torcidas não têm qualquer obrigação de aplaudir seus times ou os atletas. Em razão do que fazem, os jogadores de futebol sabem disto melhor do que os simples mortais. Alguns aprendem a manter a serenidade na derrota e na vitória, outros não. ‘É válido procurarmos conhecer a que má e penosa servidão nos sujeitamos quando nos abandonamos ao poder alternado dos prazeres e das dores, esses dois amos tão caprichosos quanto tirânicos.’

‘Uma ira desmedida acaba em loucura…’

Levando em conta as palavras de Sêneca, repito aqui o que disse em 2009.

‘Do perdedor, esperamos que tenha brio e sofra até uma nova vitória.’

Ressalvo, entretanto, que não foi exatamente em campo que Ronaldo perdeu ontem. Ele tem idade e experiência o suficiente para saber quais seriam as implicação de uma demonstração pública de ira. Ao atleta irado só posso sugerir uma tarefa que pode lhe proporcionar calma e serenidade. Aprender latim para traduzir as palavras de Sêneca:

‘Iram quin species oblata iniuriae moueat non est dubium; sed utrum speciem ipsam statim sequatur et non accedente animo excurrat, an illo adsentiente moueatur quaerimus. 4. Nobis placet nihil illam per se audere sed animo adprobante; nam speciem capere acceptae iniuriae et ultionem eius concupiscere et utrumque coniungere, nec laedi se debuisse et uindicari debere, non est eius impetus qui sine uoluntate nostra concitatur. Ille simplex est, hic compositus et plura continens: intellexit aliquid, indignatus est, damnauit, ulciscitur: haec non possunt fieri, nisi animus eis quibus tangebatur adsensus est.’

Caso fique alimentando a ira, Ronaldo continuará jogando mal, demonstrando irritação e provocando reação da torcida e da mídia. Assim, ele vai apenas sofrer mais (eu também, vendo meu timão derrotado). Acalma-te Ronaldo! Lembra-te das palavras de Sêneca: ‘Umaira desmedida acaba em loucura…’

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Advogado, Osasco, SP