Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mario Sergio Conti

‘Um amigo me convidou para fazer um blog. Perguntei o que era um blog. Ele explicou e não entendi direito. Me deu alguns endereços. Fui a eles e fui a outros, franceses e americanos. Fiquei horrorizado. Meio sem graça, disse ao colega que blog não era a minha. Não saberia fazer um porque o que menos quero na vida é ficar ligado em permanência num fluxo alucinado de verborragia. Mas meu horror não vem só disso. O que há nesses blogs de exibicionismo, de violência verbal, de opinionismo sem fundamento, de gratuidade, numa palavra, de asneira, é algo assustador. Chega a ser pior que ter cinqüenta canais na televisão. Uma amiga matou a charada: na internet, blogs são quase tão ruins quanto pornografia pedófila.

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E pensar que um dia vivemos sem o Google e similares. É uma maravilha. Você digita lá o que quer descobrir e aparecem milhares de sítios. Letras de música, versos esquecidos, datas históricas, grafias, resumos de casos rumorosos – tudo está lá. Facilita a pesquisa de um modo inimaginável, economiza tempo.

Um enorme progresso, sem dúvida. Ainda assim, me indago se o efeito geral é benéfico. As indagações são de caráter hipotético, e dizem respeito a obras-primas. ‘Em busca do tempo perdido’ ficaria melhor se Proust tivesse acesso ao Google? Claro que não. Num livro cuja matéria é a memória, os recursos tecnológicos para a sua ativação necessariamente o falseariam. Aceito o argumento que se trata de uma obra de arte, o que invalida em parte o meu raciocínio. Mas e ‘O capital’, ficaria melhor se Marx trabalhasse com um computador, em vez de passar o dia sentado (e criando furúnculos) no Museu Britânico, lendo relatórios de inspetores de trabalho sobre fábricas inglesas? Desconfio que o Mouro faria como todos nós: uma coisa levaria a outra, um detalhe interessante a outro dispensável e, no fim do dia, Marx constataria, desolado, que o livro tinha andado poucos passos. E acabaria não terminando ‘O capital’, como aliás não terminou.

A internet é boa para pesquisa secundária, catalogação, fichamento, listagens. Para tudo que é específico e chato. E também para ter acesso a informações superficiais. Ela não serve para acumular, para gerar, vá lá que seja, sabedoria. Para tanto, não há outro caminho senão o velho: matutar, ler bons livros, conhecer pessoas e lugares. E sobretudo não fazer nada.

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Acabei comprando um celular. Na verdade, comprei o telefone em Roma, para cobrir a eleição de Bento 16 (que por sinal se encontrou na semana passada com Hans Kung: agora a coisa vai!) depois o transferi para Paris, e agora para São Paulo. Tremendo progresso. Até há pouco, para ter um telefone fixo era uma África. Depois, os celulares pareciam tijolos, e funcionavam de vez em quando.

O meu é um pré-pago, de cartão. Não me tem sido muito útil. Talvez porque eu o esqueça em casa quase sempre. Ou quando lembro de levá-lo, esqueça de ligá-lo. E também porque ainda não desvendei o mecanismo que faz o bicho repetir as mensagens das pessoas que me telefonam. Ele só me serve para dar um tipo de telefonema. Aquele do tipo: estou saindo agora e devo chegar daqui a tantos minutos. Ou então para perguntar: a que horas você vai chegar? Ou seja, serve para contornar o imprevisível trânsito paulistano.

Não canso de me admirar com as pessoas que parecem falar o tempo todo no celular. O que elas falam?

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O email é uma palavra pavorosa. Os ingleses até hoje não se entenderam quanto à maneira correta de escrevê-la: e-mail, com hífen, para sublinhar que se trata de um e-correio, um correio eletrônico, ou email, tudo junto, para simplificar, economizar o simpático tracinho. A Academia Francesa concluiu, depois de douta investigação, que a palavra correta é ‘courriel’, que junta ‘courrier’ (que não significa ‘correio’ explicitamente, mas o corredor que, no século 14, ia na frente das carroças do correio, para preparar os cavalos novos, que substituiriam os cansados; o sentido atual é ‘mensagem’) e ‘électronique’. Os dicionários usam como alternativa o anglicismo ‘e-mail’, com hífen. Quanto aos franceses, eles usam indistintamente courriel, email (sem tracinho) e message (mensagem). A palavra courriel só pegou onde surgiu, no Quebec. O que é lógico: cercados pelo idioma inglês por todos os lados, os canadenses defendem o seu idioma.

No Brasil, email foi adotado com a rapidez de um email. Sem um segundo de pausa para pensar. É a tendência nacional a fazer tudo meio nas loxas.

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O email é uma grande invenção. Ele substitui, com vantagens, o telefone. Recados, comentários, avisos no correio eletrônico respeitam o tempo do interlocutor, que pode respondê-los no seu ritmo. Também facilita a aproximação das pessoas. Gente com quem não se fala faz tempo, com a qual não temos nada específico a dizer, são reencontradas com o correio o eletrônico. Mas a aproximação também é relativa, pois prescinde do encontro pessoal, ou mesmo do telefônico, que pelo menos propicia o contato vocal.

Há pessoas que dizem que o email recupera o gosto pela escrita. Dizem que, agora, está-se escrevendo mais que há dez anos, sobretudo entre os jovens. Não sei, não. Há mais comunicação, é certo. Mas a maneira como escrevemos email está longe de recuperar o discurso escrito. Nos emails, usamos propositalmente um estilo desleixado. Não corrigimos grafias, não usamos fórmulas de polidez, vamos de abreviações, sinais gráficos. A coisa fica meio telegráfica, como que para simular pressa, rapidez, economia de tempo. E, no fundo, talvez existam outros elementos: preguiça pura e simples, ou desconhecimento do idioma escrito, que são formas de desrespeito, de desconsideração, tanto do interlocutor como de nosso patrimônio comum, a língua.

Ezra Pound, o poeta americano, usava na sua correspondência o estilo que usamos hoje em emails. Signos, abreviações, frases truncadas. Havia algo de moderno, em matéria de linguagem, nas suas cartas. Mas havia também a sua avaliação, íntima, de que cartas não eram literatura. Elas eram, para ele, meios de comunicação. Comunicação curta e grossa.

Os emails substituirão as cartas, literariamente? Acho difícil. Há ótimos livros de correspondência. A entre Marx e Engels, as de Proust, a entre Mario de Andrade e Drummond. O gosto pelo detalhe, pela argumentação, as opiniões desabusadas estão distantes do mundo dos emails.

Acho mais provável que os emails dêm novo alento ao romance epistolar. A idéia é tão óbvia que algum escritor já deve ter usado e só eu não sei. Um romance à maneira de ‘Ligações perigosas’, de Choderlos de Laclos. Ou, mais pertinente aínda, ao melhor romance de Antonio Callado, ‘Reflexos do baile.’ Pensando bem, a idéia é tão óbvia que é provável que não resulte em nada que preste. Até porque seria escrito no estilo usual dos emails.’



Jamil Chade

‘Internet ainda fica nas mãos dos EUA’, copyright O Estado de S. Paulo, 02/10/05

‘Terminou sem acordo a negociação sobre o futuro do controle da internet. Depois de duas semanas de intensos debates na ONU entre os 191 países que formam a entidade, o governo dos Estados Unidos não cedeu: a gestão da rede mundial de computadores, hoje nas mãos americanas, não é negociável.

O Brasil e outros países emergentes insistem na democratização e internacionalização da administração da internet, o que envolveria a criação de um fórum para gerir a rede. O fato mais relevante, porém, foi a decisão da União Européia (UE) de se aliar aos países emergentes e também pedir o fim do controle americano sobre a internet.

Com o fracasso das negociações, uma nova fase de debates ocorrerá em novembro, às vésperas da Cúpula da Sociedade da Informação, que ocorre na Tunísia para tentar fechar um acordo mundial sobre a questão da internet. Por enquanto, 40 chefes de Estado confirmaram participação. O Itamaraty sugeriu ao Palácio do Planalto a ida do presidente Lula ao encontro, mas o gabinete ainda não se manifestou.

No que todos os países emergentes concordam é que pelo atual sistema, quem comanda a Web e seus endereços são os americanos, por meio da Icann, sediada na Califórnia, e que registra todos os sites. A empresa ainda possui um contrato com o Departamento de Comércio dos EUA, que foi quem primeiro desenvolveu o sistema, ao lado do Pentágono.

Os americanos alegam que a internet já é descentralizada e que existem 9 mil provedores da rede espalhados pelo mundo, e que há 13 servidores-raízes. Para o Brasil, o que a Casa Branca não diz é que desses 13, 10 estão nos EUA. Os demais estão na Inglaterra, Suécia e Japão. Além disso, o servidor que está em Maryland armazena as informações dos demais.

‘Um novo modelo de internet é importante porque a rede é um recurso global’, afirmou Martin Selmayer, porta-voz da União Européia. ‘Um grupo cada vez maior de países entende que a gestão da rede mundial deve ser mais transparente, democrática e includente’ , afirmou o chefe da delegação brasileira, embaixador Antonino Porto.’



José Paulo Lanyi

‘É proibido falar de liberdade’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/09/05

‘Pululam na mídia informações sobre o cerceamento à liberdade de expressão na China. Eu poderia ter escolhido ‘liberdade de imprensa’, mas preferi ‘de expressão’ porque o abuso, esse sim, é democrático, é contra todos.

Tempos atrás publiquei um artigo em que estranhava a conjugação dos ideais olímpicos, sabidamente humanísticos, com os princípios ditatoriais aplicados pelo governo do país-sede das próximas olimpíadas (leia ‘O Maratonista da China’).

A reação dos leitores-jornalistas foi plural em número e em diversidade de opinião. Chamaram-me a atenção aqueles que advogaram a ‘causa’ do Estado em detrimento do respeito ao cidadão- uma célula que deveria permanecer intacta em um organismo que se pretende saudável.

Uns diziam para deixarmos a China em paz: o certo seria nos ocuparmos do nosso próprio umbigo encardido; outros justificavam o sacrifício do indivíduo em nome de uma suposta justiça social. Sugiro mandarem currículo à agência de notícias oficial Xinhua. Lá não se tem muito apreço pela, agora sim, liberdade de imprensa.

Por mais que eu compreenda os mecanismos inibidores dos sentidos- falo das conseqüências do fanatismo e de sua unicelularidade-, dói na alma ver jornalistas endossando a prisão de colegas que se opuseram ao monstro estatal. A esses eu sugiro: é como água e azeite, escolham de vez o lado do cercado em que se sentirão melhor.

Ah… Sempre a dicotomia burra, sempre esse troço de capitalismo x socialismo.

Assisti outro dia à biografia do Charles Chaplin protagonizada pelo excelente Robert Downey Jr.. Acossado pela campanha que lhe fora infligida pelo chefão do FBI J. Edgar Hoover, na antecâmara do macartismo, Chaplin negou ser comunista e lançou-lhes uma frase que, a julgar pela repercussão aqui mesmo neste espaço, afigura ofensiva: ‘Sou humanista’.

Termo vago, dirão. Não comporta o aparato necessário para pôr a grande máquina para funcionar.

Eles têm razão, humanismo não governa nem é governado. Humanismo é um estado de espírito, é uma disposição inquebrantável para o respeito pelo universo, contido aí esse ser fragílimo que chamamos de humano.

Humanismo não é um sistema, mas a essência que conduz à harmonia, sem o que todos estaremos condenados a ser os bichos ambiciosos de Orwell.

Sem humanismo, perece o respeito. A tríade maldita dos Cs, a dos comunistas e capitalistas canalhas, pouco se importa com a humanidade, como ilustra este trecho de uma reportagem da Agência Estado publicada esta semana: ‘O sistema de blogs em chinês da Microsoft, por exemplo, impede que se escrevam vocábulos como ‘liberdade’ ou ‘democracia’.

Eis o que faltava para solapar o argumento de que um é bonzinho e o outro é malvadão: quando se quer dominar, à custa do inominável, pouco importa a cor da bandeira. É o Ocidente ganhando dinheiro com a ditadura do gigante do Oriente, aquele que só quer ‘governar’.

Eles se merecem. E muitos batem palmas.’



Folha de S. Paulo

‘Internet À Chinesa’, copyright Folha de S. Paulo, 03/10/05

‘A China, malgrado seu desempenho econômico, permanece uma ditadura brutal que, entre outras atitudes, censura sem nenhuma cerimônia. Na mais recente regulamentação sobre a internet que baixou para os sites noticiosos que pretendam atuar no país, o governo foi explícito: ‘O Estado proíbe a divulgação de quaisquer notícias cujo conteúdo seja contrário à segurança nacional ou ao interesse público’.

Mas a história conspira contra as autoridades chinesas. No caso da difusão de idéias, avanços tecnológicos favorecem a liberdade. A escrita tornou possível remeter pensamentos e propostas para além da presença física de seu autor. Com a tipografia, panfletos podiam ser copiados em quantidades industriais, atingindo números inéditos de leitores. Com o rádio e a TV, as escalas passaram a ser de milhões de pessoas.

O panorama não é diferente com a internet. Tende a ser ainda mais dramático. Na rede mundial de computadores, são incertas até mesmo as fronteiras entre nações. O próprio conceito de jurisdição deixa de fazer sentido. Textos e imagens considerados criminosos num país podem perfeitamente ser colocados na internet através de um provedor com sede numa nação onde a proibição não exista. Usuários do país de origem podem de seus computadores acessar a obra ‘no estrangeiro’. É claro que as autoridades sempre poderão considerar crime a simples busca pela informação censurada, mas essa é uma atitude mais difícil de reprimir, sobretudo num país de 1,3 bilhão de habitantes como o é a China.

O que deve representar um dilema ainda mais duro para as autoridades de Pequim é o fato de que, para prosseguir em sua rota de crescimento econômico, elas simplesmente não podem prescindir da rede, que está se tornando um veículo indispensável para fazer negócios e desenvolver ciência e novas tecnologias. Ao que tudo indica, é uma iniciativa fadada ao fracasso a de manter a população longe de ‘idéias subversivas’.’