Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Matrixiados matrixiadores falam para os “coitados”

Durante muito tempo, contestei, cá com meu zíper, as posições de alguns dos meus amigos sobre a imprensa brasileira e, mais abrangentes, sobre as veiculações midiáticas em suas mais diversas expressões: a publicidade, a veiculação das artes cênicas, literárias, o didatismo educacional (coisas do tipo telecurso) entre outras formas de as mídias se manifestarem.

Quando eu lia ou ouvia amigos meus dizerem: “Precisamos acabar com todo esse jornalismo-que-existe! Tudo! Botar tudo num incinerador e fazê-los queimar como almas no inferno!” Aí eu ria e apaziguava dizendo: “Peralá! Também não é assim… Pra que essa desconstrução sob tão radical niilismo?”

Acho que foi por isso (por minha visão das coisas) que tempos atrás, depois de ler um artigo do Luis Nassif, escrevi o slogan de um dos meus blogs que formam o conjunto Assaz Atroz, o blog departamento agencia assaz atroz (pressaa) – redação, que tem como lema: “Ativismo com atavismo sem saudosismo – mas com um toque de pragmatismo.” Certamente ainda continuo pensando dessa forma, mas não deixo de dar razão aos meus amigos, principalmente agora, depois de ler a opinião dos companheiros da Vila Vudu. Opinião essa fundada em excelente análise sobre uma entrevista da BBC de Londres (conforme a gente costumava especificar antigamente, como se existisse outra BBC naquela época “não globalizada”).

Nenhum jornalismo-que-há será melhor que o jornalismo-que-há

Poderia continuar fazendo mil considerações sobre a opinião e análise do pessoal da Vila Vudu Coletivo de Tradutores, mas prefiro que você, leitor, acompanhe o trabalho desse incansável ajuntamento de pessoas pensantes e tire suas próprias conclusões. Adiante posso até tecer mais algumas considerações sobre essa saudável clareza súbita que o texto e o vídeo por eles indicado me proporcionaram.

Antes, porém, me arrisco a dar um conselho. Você pode assistir ao vídeo antes de ler a tradução do determinante trecho da entrevista, abrangente ao todo, mas eu mesmo preferi ler primeiro a tradução e depois assistir ao vídeo. Isso me ajudou na presente luta que mantenho contra os preconceitos que trago enraizados desde os primórdios de minha formação educacional.

Mas você pode seguir o caminho inverso, isso fica a seu critério. Assistir primeiro ao vídeo e depois ler a tradução, ou vice-versa. Todos os caminhos levam a Roma, mas, neste exato momento, estou querendo mesmo é ir a Londres!

“Objetividade que só se encontra na mentira”

“Comentário entreouvido na Vila Vudu

Quem precisa do jornalismo-que-há?! (Além dos jornalistas empresários e profissionais empregados, claro…)

“Não há diferença essencial entre a Rede Globo e a BBC. Os que querem “mídia” podem perder suas últimas ilusões liberaloides conservadoras. Nenhum jornalismo-que-há sempre será melhor que o jornalismo-que-há.

O dono da palavra social

A matéria abaixo esteve no ar. Nunca aconteceria no Brasil porque a Rede Globo nunca entrevista gente que seja realmente contra a posição da “mídia” e as convicções pessoais dos jornalistas. Aliás, fazem todos muito bem porque ouviriam o que não querem ouvir nem querem que ninguém ouça e vivem para impedir que as pessoas digam e, se alguém disser, para impedir que a opinião pública ouça. Mas o horror do jornalismo-que-há, que só existe para impor opiniões feitas, é muito parecido.

Pros que pensem que só a Rede Globo faz o que faz e que algum outro tipo de jornalismo-empresa seja algum dia possível ou pensável, aí vai bom exemplo de que a Rede Globo é, só, a pior do mundo, mas faz um mesmo e idêntico “jornalismo”, feito por jornalistas autistas, fascistas sinceros, absolutamente convictos de que “sabem mais”, só porque são donos da palavra e nunca ouvem o “outro lado”, sobretudo se o outro lado quiser falar deles e das empresas para as quais trabalham.

“O melhor jornalismo-que-há vive a procurar uma `objetividade´ que só se encontra na mentira. O problema do mundo não é a Rede Globo (ou, pelo menos, não é mais a Rede Globo que a BBC). O problema do mundo é que o jornalismo (que é aparelho ideológico criado e mantido para uniformizar as opiniões e constituir mercados homogêneos, seja para o consumo uniforme de sabão em pó e remédio antipeido, seja para o consumo uniforme de ideias sobre ética e democracia e justiça) é o único dono da palavra social. Se se inventar mídia que não seja única dona, feudatária, da palavra social, acaba-se o jornalismo-que-há.”

“É claro que não condeno!”

SHOCKING Footage: BBC Presenter Attacks Black Veteran Over London Riots – Aug 09 2011 – http://www.youtube.com/watch?v=WoFak7MRBJw&feature=player_embeddedhttp://www.youtube.com/embed/WoFak7MRBJw

Quem ainda duvidar, veja (acima) e leia a seguir (traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu):

“Transcrição da entrevista:

Shocking Footage: BBC Presenter Attacks Black Veteran Over London Riots – Aug, 09,2001

BBC (para a câmera): Vamos falar com Marcus Dowe, escritor e jornalista. (A câmera mostra um senhor visivelmente perturbado.) Marcus Dowe, qual sua opinião sobre tudo isso? Você está chocado com o que viu lá a noite passada em Londres?

Entrevistado: Não, não estou. Vivo em Londres há 50 anos e há `climas´ e momentos diferentes. O que sei, ouvindo meu filho e meu neto, é que algo muito, muito sério estava para acontecer neste país. Nossos líderes políticos não tinham ideia. A Polícia não tinha ideia. [Só faltou completar: `Os jornais e os jornalistas não tinham ideia´.] Mas se olhássemos para os jovens negros e para os jovens brancos, com atenção, se os ouvíssemos com atenção, eles estavam nos dizendo. E não ouvimos. Mas o que está acontecendo neste país com eles…

BBC: Posso interrompê-lo, por favor… O senhor está dizendo que não condena o que houve ontem? Que não está chocado com o que houve em nossa comunidade ontem à noite?

Entrevistado: É claro que não condeno! Por que condenaria? A coisa que mais me preocupa é que havia um jovem chamado Mark Dugan, tinha casa, família, irmãos, irmãs. E a poucos metros de sua casa, um policial rebentou sua cabeça com um tiro.

“Obrigada pela entrevista”

BBC [interrompendo]: Sim, mas não podemos falar sobre isso. Temos de esperar o julgamento, o tribunal não se manifestou sobre isso… Não sabemos o que aconteceu. O senhor estava falando do seu filho, de jovens…

Entrevistado: Meu neto é um anjo. Me enfureço só de pensar que ele vai crescer e um policial pode colá-lo a uma parede e explodir sua cabeça com um tiro. A Polícia detém, para e revista os jovens negros sem qualquer razão. Alguma coisa vai muito mal neste país. Perguntei ao meu filho quantas vezes ele foi parado pela polícia. Ele me disse `Papai, não tenho conta de tantas vezes que aconteceu…´”

BBC: Mas… Isso seria justificativa para sair e quebrar tudo, como vimos nos últimos dias em Londres?

Entrevistado: Onde estava você em 1981 em Brixton? Não digo que estão acontecendo `tumultos´. O que está acontecendo é insurreição das massas, do povo. Está acontecendo na Síria, em Liverpool, em Port of Spain… Essa é a natureza do momento histórico que vivemos.

BBC: O senhor não é estranho a essas agitações. O senhor já participou de agitações como essa, como sabemos.

Entrevistado: Nunca participei de agitação alguma. Estive em muitas manifestações que acabaram em conflitos. Seria normal que a Polícia da Índia Ocidental me acusasse de ser agitador. Mas absolutamente não admito que você me acuse de agitador. Quis oferecer um contexto para o que está acontecendo. O que é que vocês queriam? Masmorras?

BBC: Infelizmente, o senhor não conseguiria ser objetivo. Obrigada pela entrevista [corta e o `jornal´ passa a falar da suspensão de uma partida de futebol].”

A lacuna do meu monolinguismo

O pessoal da redecastorphoto, certa ocasião, me falou que eu deveria me dedicar a aprender, pelo menos, mais um idioma. Acreditam eles que eu não teria dificuldade em aprender qualquer outra língua. Até concordo, mas preferi optar por outras prioridades que tenho na reta de chegada desta minha atual existência. Além do que, a redecastorphoto e o Coletivo da Vila Vudu, com os seus tradutores, vieram preencher essa lacuna do meu monolinguismo.

Quanto ao título deste texto, acho que vou escrever um artigo explicando por que assim intitulei esta “obra” (por favor, strictu sensu, mas com espírito de gentileza).

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[Fernando Soares Campos é escritor, Rio de Janeiro, RJ]