Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia tradicional está no amarelo piscante

“A quebra de sigilo é algo que a Justiça não costuma dar com base em notícias anônimas e equiparo um pouco a reportagem jornalística a uma notícia dessas porque não temos prova nenhuma.” A declaração foi feita ao Estado de S.Paulo e veiculada em sua versão digital na segunda-feira (4/5) pela procuradora Mirella Aguiar, do Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal, responsável pelas investigações nas quais se apura se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu ou não tráfico de influência no BNDES.

Ignorem-se os protestos e manifestações de simpatizantes e adversários de Lula, do PT, dos partidos de oposição e da própria imprensa: no que se refere à atividade jornalística e ao papel dos jornalistas, os comentários da procuradora demonstram com simplicidade máxima e clareza indiscutível que, à luz da Justiça, reportagens não constituem prova formal de coisa alguma. Do contrário, podem motivar desconfiança quanto a seu modo de produção, talvez impreciso; quem sabe, sujeito a interesses pouco republicanos e democráticos.

A apuração do MPF foi alvo da reportagem de capa da edição 882 da revista Época, sob a tarja “Exclusivo” e intitulada “Lula, o operador”. Segundo a matéria, o ex-presidente “tornou-se o lobista em chefe do Brasil” por, supostamente, ter se valido de seu poder político para que o BNDES financiasse pelo menos US$ 4,1 bilhões (mais de R$ 12 bilhões) à construtora Odebrecht – hoje, uma das que estão às voltas com a Operação Lava Jato – para que esta executasse projetos no exterior.

A reportagem se baseou em uma notícia de fato (procedimento investigativo preliminar) apresentada por outro procurador do MPF/DF. Conforme notícia veiculada pelo Estadão, ele se muniu de reportagens jornalísticas para iniciar as investigações. Aparentemente questionada pelo repórter de O Estado de S. Paulo sobre a hipótese de que Lula viesse a ter seu sigilo quebrado (e não está específico se fiscal, bancário, telefônico ou vários, em conjunto), a procuradora deu mais uma resposta. “Se por acaso eu tiver esse deslize ou outro colega qualquer de, com base somente numa reportagem, pedir uma quebra de sigilo [na fase preliminar das investigações] e por acaso um juiz der, isso certamente será anulado no futuro. É preciso ter mais elementos. É preciso ter indícios veementes. A Constituição está certa em garantir a intimidade, senão bastava [sic] qualquer um vir aqui dizer qualquer coisa para as pessoas terem os seus sigilos afastados.”

1.000 adultos foram entrevistados e 200 online

Não se pode dizer que a comparação de reportagens a “notícias anônimas”, talvez um eufemismo para fofoca, seja sempre injusta, nem que se deva pôr a mão no fogo por todos os meios de comunicação. Na verdade, um juízo tão grave teria de motivar reflexões sobre a atividade jornalística e os rumos que veículos têm tomado na tentativa de cativar fatias específicas de público, por vezes abdicando de senso crítico para se limitar a fazer coincidir seu ponto de vista com o de uma clientela em potencial.

Supondo-se que tal esforço seja mais comercial do que informativo, está falhando. E um trabalho científico de alcance internacional parece refletir isso. A Edelman, que se intitula maior empresa mundial de relações públicas, divulgou em fevereiro mais uma edição do Edelman Trust Barometer, levantamento feito com 33 mil pessoas em 27 países para aferir a confiança de cidadãos em quatro setores – mídia, governo, ONGs e business (negócios, em tradução livre) –, numa escala de notas que variam de 1 (do not trust it at all, não acredita de jeito nenhum) a 9 (trust it a great deal, confia muito).

No Brasil, 1.000 adultos foram entrevistados pessoalmente e 200 online. Estes últimos, classificados pelo Edelman como informed public (público com bom nível de informação), têm de 25 a 64 anos, curso superior, renda familiar entre os 25% de maior ganho, dizem ser consumidores significativos de mídia e afirmam estar atualizados sobre notícias alusivas a negócios e políticas públicas. É a essa fatia dos cidadãos consultados que se referem os dados a seguir, pois foram os únicos apresentados em detalhes no levantamento.

Cuidado antes de atravessar

Pelo que se depreende dos dados brasileiros, a situação da mídia não é das piores – goza do oitavo maior nível de confiança, com 56% de aprovação. Está à frente de países como França (51%), Alemanha (45%), Suécia (44%) e Japão (31%, o menor índice entre as 27 nações). Porém:

>> O nível de confiança caiu entre 2014 e este ano, de 63% para 56% dos entrevistados;

>> A mídia foi a única das quatro instituições a ter queda na confiança, no Brasil. Muito mais pessoas acreditam nela do que no governo (o índice deste subiu de 34% para 37%, com a 19ª posição geral), mas menos do que em business (de 70% para 73%, o 5º lugar na tabela) e foi ultrapassada por ONGs (cuja confiabilidade cresceu de 62% para 70%, com a 9ª colocação);

>> A “mídia tradicional”, antes com 74% de confiabilidade, desceu a 66% e, agora, empata com a “mídia híbrida” (utilização conjunta de meios tradicionais e mais recentes, digitais), que oscilou de 65% para 66%. Na comparação mais ampla oferecida pelos dados divulgados, a tradicional detinha índice de 79% em 2012, ante 61% do sistema híbrido;

>> Como contraponto, não se trata de um problema unicamente brasileiro. Dos 27 países consultados, a confiança na mídia em geral aumentou em 12 e caiu em 15, incluído o Brasil. Na média mundial, houve decréscimo de 53% para 51% nesse indicador, e o governo, em leve alta, está quase empatado com a mídia em credibilidade (de 45% para 48%; a confiança no governo cresceu em 16 nações, o Brasil fora delas).

Pode-se concluir que, com base no levantamento, brasileiros creem mais na mídia do que no governo. Mas a diferença de opiniões favoráveis, ainda que significativa, diminuiu de 29 para 19 pontos percentuais em um ano. E está em alta a credibilidade na “mídia híbrida”, enquanto as mídias sociais atingiram 62% neste ano (59% em 2012, mas 63% em 2014) e sistemas online de pesquisa – cujo maior exemplo, ainda que não mencionado expressamente, é o Google – isolam-se na liderança (79% em 2012, 81% em 2014 e 79% neste ano).

Por esses dados e considerando, outra vez, as comparações que faz a procuradora federal entre “reportagem jornalística” e “notícias anônimas”, a mídia tradicional do Brasil está no sinal amarelo piscante, aquele no qual se recomenda cuidado antes de uma travessia. Como passará?

Fonte: EDELMAN. 2015 Edelman Trust Barometer. Disponível aqui, acesso em: 7 mai. 2015.

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Rafael Motta é editor-assistente de Cidades do jornal A Tribuna, de Santos (SP), e autor do blog Reexame (www.reexame.blogspot.com.br)