Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Morreu a Velhinha de Taubaté, viva a Senhora de Copacabana

Agência Reuters (24/8): ‘O inconformismo e a coragem de uma aposentada de 80 anos levaram à prisão de 15 pessoas acusadas de ligação com o tráfico de drogas na ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, no Rio de Janeiro, incluindo dois policias militares. A ‘vovó espiã’ flagrou traficantes com armas pesadas em plena luz do dia.’

O Estado de S.Paulo (25/8): ‘A aposentada Vitória (nome fictício) de 80 anos, tentou vários recursos para acabar com a ação dos traficantes na Ladeira dos Tabajaras. Gritou com os bandidos, jogou água neles, fez denúncias à polícia. Cansada, iniciou uma operação de risco: comprou uma filmadora a prazo e gravou a rotina dos criminosos, que desfilavam armados e vendiam drogas em plena luz do dia.’

O Estado de S.Paulo (26/8): ‘A morte da Velhinha de Taubaté levou tristeza aos políticos que ainda têm esperança de que o Brasil viverá dias melhores. ‘Agora nem ela. Era a última a acreditar’, lamentou o senador Cristovam Buarque.’

Veja (31/8): ‘Durante anos, uma aposentada carioca assistiu a barbarismos pela janela de seu apartamento, de frente para a favela instalada na Ladeira dos Tabajaras em Copacabana’

Folha de S.Paulo, coluna do ombudsman Marcelo Beraba (28/8): ‘A melhor história da semana foi produzida por uma alagoana de 80 anos, empregada doméstica aposentada.’

Pela primeira vez uma mulher de 80 anos virou manchete em todas as rádios, emissoras de TV e jornais por ter tomado uma atitude e não por ter morrido na fila do SUS, reclamado da aposentadoria pequena ou do preço dos remédios. A Senhora de Copacabana foi notícia da mesma forma que qualquer brasileiro comum que não traga antes do nome o adjetivo ‘aposentado’.

Enquanto a Velhinha de Taubaté, a personagem de Luis Fernando Verissimo, deixa de existir por desencanto com os políticos, mais especificamente com o governo Lula e o PT, a Senhora de Copacabana – embora os jornais não tenham tido a sensibilidade de registrar – mostra que, existem velhinhas que fazem mais do que reclamar em filas e acreditar nos políticos: desencantada com a situação, toma atitudes de risco e vira notícia. Dá um raro exemplo de cidadania e merece um tratamento mais respeitoso do que o jocoso ‘vovó espiã’ ou o tradicional ‘aposentada’ – o termo politicamente correto para falar dos que, antigamente, eram simples e respeitosamente chamados de velhos.

Antes e depois

Essa notícia, que foi destaque em toda a mídia na semana que passou, revela o quanto a imprensa se tornou insensível. Não houve um jornal ou revista que tenha tentando contar a verdadeira história por trás do fato. Satisfeitos com a possibilidade de fazer graça falando da ‘vovó espiã’, os pauteiros deram ênfase ao fato policial e usaram a desculpa da Senhora de Copacabana ter entrado para o programa de proteção de testemunhas para ignorar o ser humano que motivou a notícia.

Seria um bom momento para fazer um amplo retrato da velhice no Brasil que, em 2025 (dados Organização Mundial da Saúde), terá 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos, tornando-se o sexto país com maior número de idosos no mundo. E, principalmente, para falar da população feminina idosa, já que a expectativa de vida das mulheres é maior que a dos homens – mostrando o que elas representam para o SUS, INSS e todas as outras instituições governamentais que alegam ter nos aposentados o seu maior gasto.

Como vive uma pessoa aposentada, ganhando salário mínimo, tendo que comprar remédios de uso constante? Como paga o condomínio, as contas de luz e água e ainda comer, comprar roupas e se divertir?

No caso da Senhora de Copacabana, houve muitas outras perguntas que não foram feitas pelos jornalistas, e que dariam uma dimensão humana ao personagem – que, no fundo, resume a vida dos velhos solitários (ou não) deste país. Por exemplo: quanto ela gastou com a filmadora e as fitas usadas para as gravações e o que isso representou no orçamento dela? Como foi o tratamento recebido por ela nas delegacias policiais e quando o tratamento mudou? Como seus amigos (se é que aos 80 anos ainda sobraram alguns) e familiares reagiram a decisão de filmar traficantes?

Equilíbrio verdadeiro

Se as perguntas não foram feitas é, com certeza, porque falta interesse. A Veja deu um bom exemplo de como os velhos pobres do Brasil são tratados pela imprensa. Dona Vitória mereceu, além de foto, uma frase que mostra o lado humano: ‘A aposentada, de 80 anos de idade, que teve de deixar o apartamento onde viveu por quase quarenta anos ganhou espaço na imprensa internacional’.

Tratamento bem diferente do que foi reservado aos idosos de alto poder aquisitivo. Para eles, a revista fez um especial de 42 páginas, mostrando que a vida depois dos 50 pode ser maravilhosa. Na capa, seis maiores de 50 anos que foram sucesso, ganharam dinheiro e podem, para alegria da imprensa, comprar todos os produtos ou serviços dos 12 anúncios de página inteira que recheiam a publicação.

O tratamento da mídia à Senhora de Copacabana, em comparação com o tratamento dos velhos vips de Veja, mostra que vai demorar muito para a imprensa encontrar (se é que um dia vai encontrar) o verdadeiro equilíbrio entre o interesse dos seus anunciantes e dos seus leitores. Especialmente se forem pobres e mulheres.

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Jornalista