Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Muita fantasia e pouca realidade

A folia continua, mas não há como superar O Globo na melhor cobertura do carnaval deste e de muitos anos anteriores. Não pela narração dos desfiles, pela descrição das fantasias e das alegorias, mas por duas reportagens que revelam a verdadeira natureza daquela que já foi a maior festa popular do Brasil.


Para produzir a primeira das reportagens, o repórter Sérgio Ramalho freqüentou a quadra da Mangueira durante algumas noites de sábado, observando os ensaios da escola, e na edição de domingo (3/2) descreveu como o carnaval se transformou no grande evento dos traficantes de droga do Rio.


A reportagem lembra que o chefe do tráfico no morro da Mangueira, que é considerado foragido pela polícia, é um dos autores do samba-enredo da escola de samba mais tradicional do Rio neste ano e estende sua influência a outras agremiações, onde também contribui com seus dotes de compositor e como ‘benemérito’.


Mas o que mais impressiona, no relato publicado, é o domínio territorial dos criminosos, que abrem seu comércio junto à quadra da Mangueira, sem que sejam incomodados pela polícia. Jovens de classe média alta e turistas se misturam a meninos de rua viciados, que trabalham como intermediários entre os traficantes e os consumidores. Tudo a 20 metros do posto da Polícia Militar.


Coincidentemente, conforme relata o Globo, durante o maior movimento no período carnavalesco as apreensões de drogas pela Polícia Militar se reduzem a quase nada.


Como sempre


Na outra página da reportagem publicada domingo, o Globo conta como os bicheiros do Rio, contra os quais o Ministério Público e a Justiça fazem uma persistente operação há quinze anos, ainda são dos donos da Liga das Escolas de Samba.


Um contrato entre a prefeitura do Rio e a Liga privatizou o carnaval carioca. Neste ano, o poder público entra com 25 milhões de reais, sendo 12 milhões da União e o resto do estado e do município do Rio. A festa é completada pelos patrocínios, que elevam as verbas da Liga das Escolas de Samba a 85 milhões de reais.


A Petrobras é, de longe, a maior patrocinadora.


O Globo entrevistou o advogado do bicheiro Aniz Abraão David, que apesar de seus problemas com a Justiça segue mandando e faturando no carnaval. Ele disse que a Liga das Escolas de Samba é a única coisa que funciona no Brasil. A reportagem também procurou a Petrobras. A empresa emitiu nota oficial dizendo que tudo bem: o carnaval gera bastante visibilidade para a marca.


Os outros jornais cobriram o carnaval como sempre: com muita fantasia e nenhuma relação com a realidade.

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Jornalista