Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Muito além dos limites do coloquial

Na amena manhã de 7 de agosto, o apresentador de um radiojornal informou que os aeroportos de Confins e da Pampulha operavam normalmente para pouso e decolagem. Durante todo o dia eu fiquei atento ao noticiário do rádio e da TV, para conferir se os Conselhos Regionais de Medicina e Medicina Veterinária, ou o Conselho Regional de Odontologia, haviam-se manifestado contra o flagrante exercício ilegal da profissão pelos aeroportos. Afinal, esses terminais insistiam em operar, função de médicos e dentistas com especialização em cirurgia.

Volto ao noticiário do rádio. Depois da notícia tranqüilizadora para os cidadãos com vôo programado para aquela manhã, uma repórter entrou com matéria sobre a ameaça de suspensão do concurso da Polícia Civil de Minas Gerais. Primeiramente, entrevistou uma candidata que chegara do interior para fazer as provas em Belo Horizonte. ‘Deve ter te dado o maior nervoso, né?’, quis saber a jornalista. A entrevistada entendeu a observação e disse que sim, estava muito chateada com a ameaça de suspensão do concurso, afinal ela havia estudado bastante e viera de longe.

Limites transpostos

Para mim, ‘maior nervoso’ é um sujeito maior de idade que demonstra nervosismo, perde as estribeiras, descontrola-se. Mas os adolescentes usam esse ‘dar o maior nervoso’, em suas conversas nas mesas de lanchonete, como sinônimo de ser acometido de raiva, irritação, ficar nervoso. Equivale também, para os garotos, a ficar chateado, como foi o caso da candidata que veio de longe.

Aí está mais um caso de exagero na utilização de expressões coloquiais em programas de rádio e TV. Tudo indica que os manuais de redação das emissoras recomendam bom senso no uso de gírias, por exemplo. No entanto, a ânsia de parecer moderno é mais forte para muitos redatores e repórteres, que acabam cometendo abusos como o de utilizar a expressão ‘bola da vez’ em situações até contraditórias: referindo-se às vezes a pessoa que se encontra em evidência e, em outras situações, a alguém que esteja em situação delicada ou sob algum tipo de ameaça. Para os interessados em conhecer o significado exato de ‘bola da vez’, a definição do Aurélio é esta: ‘Em certas modalidades de sinuca, a bola de menor valor, ainda sobre a mesa, e que deve ser encaçapada em primeiro lugar.’ Portanto, só poderia ser usada, a rigor, nas referências a pessoa, instituição ou empresa considerada em situação ruim e que será a primeira a rolar para a caçapa, o buraco, ou cair em desgraça.

O caso de má utilização de expressões como ‘bola da vez’ e muitas outras não é exclusivo do rádio e da TV. Jornais e revistas também costumam transpor os limites da coloquialidade, e neste caso lembro de outro absurdo: a inserção indevida da partícula que em construções como ‘ele estava meio que confuso’, ‘era uma situação meio que estranha’ etc.

Avaliação do trabalho

Parece que esses equívocos ocorrem não somente por causa da falta de copidesques ou revisores nas redações. Falta mesmo é a aplicação do bom senso, ou a ligação do desconfiômetro de cada profissional para questionar a utilização de palavras e expressões que entraram nos textos jornalísticos sem a menor explicação.

Tenho a impressão de que faltem também programas de reciclagem para redatores, repórteres e comentaristas. Vale a pena investir no aprimoramento dos profissionais a partir de observações simples para a correta formulação das perguntas, por exemplo. Faço esta observação a propósito de repórteres que demonstram gosto pelo uso do que em seqüência, como alguns colegas da profissional que fez a matéria sobre a ameaça de suspensão do concurso da Polícia Civil. Eles insistem: ‘Governador, o que qui o governo de Minas pode fazer para mudar esta situação?’, ‘Doutora Fulana, qual qui é o risco de contaminação…’, ou ‘Senhor Beltrano, onde que as pessoas podem se inscrever?’

Esses erros primários, cometidos por profissionais experientes, poderiam ser evitados caso eles dedicassem alguns minutos à avaliação de seu trabalho diário.

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Jornalista, Belo Horizonte