Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Muito barulho por nada

Como ex-funcionário das editoras Abril e Azul; como ex-repórter da revista Veja São Paulo, onde iniciei minha carreira em 1986, após concluir o Curso Abril de Jornalismo; como colega de profissionais que atuam na Veja, casos de Eduardo Barella, com quem estudei na PUC-SP, Jaime Klintowitz, com quem trabalhei na revista IstoÉ, dentre tantos outros representantes do primeiro time do jornalismo brasileiro que estão na editora Abril; mas, principalmente por ser jornalista, sinto-me na obrigação de enviar esta carta à direção da Veja, ‘ainda’ a maior revista do Brasil, na minha opinião.

Diversas reportagens publicadas pela Veja têm demonstrado o fundamental papel desempenhado por esta revista na história de nosso país. Entretanto, acredito que está mais do que na hora da editora Abril contar com o apoio de um ombudsman para a Veja! E a editora Abril tem de sobra profissionais gabaritados para esta função. Ele poderia contribuir com a revista, evitando que ela morra aos poucos. Isto mesmo! Evitando que morra a publicação que sempre foi a menina dos olhos do senhor Victor Civita, um homem que vi entrar em nossa redação na Vejinha para comentar reportagens e sugerir pautas.

Aprendi com Alberto Dines, entre outros grandes profissionais que nos ministraram o 3° Curso Abril de Jornalismo, que uma revista começa a morrer aos poucos, quando tudo parece ir de vento em popa. Os profissionais passam a não ter autocrítica, sentem-se donos da verdade, já não procuram ouvir as diferentes versões dos fatos, abraçam causas ‘às vezes cegamente’, tornam-se tendenciosos, pecam na apuração e contextualização… Poderia relacionar outros pontos que colocam em risco a credibilidade e podem levar um time de feras a entrar em campo com o slogan do ‘já ganhou, somos o máximo’, e depois sair lamentando a derrota.

Como exemplo vou citar um conjunto de matérias e artigos publicados na última edição de Veja referente a transposição do rio São Francisco e a controversa atitude do bispo dom Luiz Cappio. Tão controversa que dividiu opiniões, inclusive dentro da própria Igreja Católica, como foi brilhantemente registrado no artigo de Roberto Pompeu de Toledo, ‘O duplo estrago do bispo-bomba’. Pena que o artigo está na última página, enquanto o estrago jornalístico fora consumado em páginas anteriores.

Gostaria que a direção da Veja fizesse uma leitura crítica da matéria ‘Greve do barulho’. Tenho certeza que irá se deparar com incoerências ainda maiores do que a atitude do bispo, que contrariou a própria doutrina de uma Igreja que prega a defesa da vida.

Não vou me ater a cada parágrafo da reportagem, basta analisar o subtítulo: ‘Bispo fica sem comer, atrai muita atenção e nenhum resultado, mas faz o país se lembrar de seus grotões pobres’. Se a proposta da Veja é esclarecer, por que colocar tanta confusão na cabeça do leitor? O objetivo do bispo com a greve de fome foi chamar atenção para a transposição do Rio São Francisco. Como a revista afirma que a atitude não produziu nenhum resultado? Se a atitude não produziu resultado, por que a Veja garante, logo em seguida, que o fato ‘faz o país se lembrar de seus grotões pobres’?

Para o bem do jornalismo

O leitor fica ainda mais confuso ao ler a reportagem. Se a postura do bispo foi tão inconseqüente, por que a mídia se deu ao trabalho de deslocar tantos profissionais para a região de Cabrobó, destacou o fato e fez estudos aprofundados sobre o assunto? Se era desnecessário chamar a atenção para os projetos destinados ao rio São Francisco, por que o tema virou a notícia do momento? E por que a Veja não saiu na frente do bispo lançando a reportagem ‘Um rio de dúvidas’ antes da greve de fome? Por que reconhecer agora que o assunto é relevante com o subtítulo: ‘O governo se prepara para se lançar em uma obra faraônica no São Francisco cuja utilidade divide especialistas’? O leitor deve se perguntar, também, o motivo de tantos jornalistas/colunistas, em uma mesma edição de Veja, escreverem sobre o tema. Mesmo porque a reportagem de Julia Duailibi se encerra com a sentença de que a atitude do bispo ‘não produziu resultado algum’!

Para completar, a matéria ‘Greve do barulho’ se embaralha com o artigo ‘Greve de coerência’, de André Petry. Não bastasse o trauma contra a Igreja Católica, estampado em todos seus artigos, André Petry deixa o leitor atordoado: afinal o bispo Cappio estava sendo porta-voz do Vaticano e da CNBB, que são contra o suicídio, o aborto e a eutanásia; estava sendo porta-voz de um grupo ou tendência religiosa; estava sendo porta-voz das pessoas afetadas pelas obras; estava sendo porta-voz dos descontentes com o governo Lula; estava sendo porta-voz de si mesmo, ou o bispo era apenas a figura que o colunista precisava para defender, mais uma vez, a eutanásia e o aborto?

Como jornalista e também como leitor da Veja, acredito que a direção da revista tem o dever de me oferecer respostas a todas estas questões. Não tenho a mínima intenção de ver minha carta publicada! Mas acredito que, se ela não for para o lixo, poderá contribuir com o futuro de uma revista que sempre respeitei e de uma editora que faz parte de minha vida.

Repito! Mesmo não concordando com tudo o que escreve Roberto Pompeu de Toledo, e as diferentes opiniões são benéficas para o jornalismo e para a democracia, reconheço que seu artigo sobre a greve de fome do bispo foi muito esclarecedor. Só não sei quantos leitores tiveram fôlego de chegar até esse texto, depois da overdose de interrogações que Veja semeou sobre o tema nas páginas anteriores.

Nesta carta me detive apenas na análise do assunto ‘greve de fome/rio São Francisco’, mas se a direção da Veja fizer uma autocrítica, perceberá que reportagens nesta linha têm se repetido. E alguém dentro da própria editora Abril precisa avaliar a situação, para o bem do próprio jornalismo brasileiro. Pois a Veja faz escola dentro e fora da editora Abril.

P.S.: Além de jornalista (PUC-SP), sou graduado em Ciências Sociais (USP), e tenho certeza de que caso a direção da editora Abril pondere com sinceridade a respeito do posicionamento dos leitores em relação à reportagem do plebiscito sobre desarmamento, perceberá que a redação da revista não tem muito o que comemorar. Afinal, se o leitor prefere assinar a Veja é porque aprecia a linha editorial da revista. Mesmo assim, o índice de críticas à reportagem foi elevado. Sem contar que muitos leitores descontentes com a postura assumida pela Veja não se dão ao trabalho de enviar cartas. Preferem não renovar a assinatura ou até escolher outra publicação: é mais barato e menos trabalhoso.

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Jornalista