Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mulheres que não comovem a imprensa

Quanto valem, para a imprensa, notícias envolvendo descaso médico, mau atendimento pelo SUS e as tragédias diárias de que são vítimas os brasileiros que, quando ficam doentes, têm que esperar na fila até chegar a sua vez? Se o parâmetro for o que aconteceu com uma jovem, filha de lavradores do interior do Espírito Santo, histórias assim valem pouco mais que dez linhas.

Maria Helena Zibel, brasileira, 29 anos, moradora em Santa Maria de Jetibá (ES), vai pagar pelo erro do hospital onde se internara para uma cirurgia simples, e de onde saiu sem o útero. Segundo um dos médicos…

‘Foi problema de ortografia. A cirurgia foi perfeita, apenas não era a cirurgia que deveria ser feita.’ (Folha de S.Paulo, 16/04/2006)

A culpa, segundo o médico, foi da enfermeira que preencheu a ficha, como se esses erros fossem coisa de rotina. A família, segundo o diário capixaba A Gazeta, vai processar o hospital por erro médico e pedir uma indenização. O processo vai rolar, provavelmente a família receberá algum dinheiro, e o assunto será esquecido.

Esquecido porque a envolvida é uma mulher simples, moradora de uma pequena cidade do interior que não tem, a seu serviço, advogados de renome. É mais um brasileira vítima do descaso do poder público. E da imprensa.

Se a família de Maria Helena tivesse dado motivos para aparecer no noticiário policial, certamente a cobertura seria diferente. Se o Fantástico e a Veja encontrassem na história de Maria Helena alguma coisa além de uma tragédia particular – e infelizmente muito comum, como a precariedade do serviço público no Brasil – o tratamento da imprensa seria outro. Mas Maria Helena, para azar dela, não é de classe média, não matou ninguém, não tem advogados para dizer como agir para comover o público. Mulher pobre e mal-atendida pelo sistema de saúde não dá ibope, não vende jornal. Não merece mais que dez linhas.

Para a imprensa só interessam casos que comovam a opinião pública, principalmente o seu público-alvo: a classe média-média ou média-alta, que, além de poder pagar advogados, tem como prioridade um bom plano de saúde. Essa opinião pública que fica indignada com uma jovem de boa família que mata os pais, porque identifica Suzane von Richthofen com seus filhos, não tem nada a ver com os pobres que sequer um plano de saúde conseguem pagar.

Tema de novela

Para alívio dos responsáveis pelo hospital e pelo SUS, o caso de Maria Helena não deve entrar na pauta de Veja ou do Fantástico. E passará despercebido do grande público.

O público que se comove com um bebê abandonado nas águas de uma lagoa, que fica indignado com a moça que se diz vítima do namorado, merece ser melhor informado. O caso de Maria Helena poderia ser tratado com a mesma emoção – ou a mesma indignação – do caso de Suzane. Era só mostrar que essa moça humilde viu interrompido, por um erro médico, o sonho de ter filhos. Um bom pauteiro saberia transformar essa história numa grande matéria. Matéria de angulação humana que teria espaço para a análise do sistema de saúde que atende a maioria do povo brasileiro.

Mas quem vai comprar jornal ou ligar a televisão para ver uma história que faz parte de outra realidade? Os pobres e suas tragédias interessam mais quando são tema da novela das 8.

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Jornalista