Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Na violência não vai

A mídia mundial na semana que passou esteve marcada pela ameaça de um segundo 11 de Setembro. Na quinta-feira, a Scotland Yard prendeu 24 suspeitos de uma megaoperação terrorista preparando-se para inserir passageiros com explosivos em 10 vôos na rota Londres-Nova York. Mandando pelo ar os aviões resultaria na sinistra empreitada de 3 mil mortos.

É luto e dor em quantidades semelhantes à estúpida chuva de bombas que a Força Aérea de Israel despeja sobre o sul do Líbano. Mas confesso que, sendo-me mais fácil imaginar-me passageiro da British Airways ou da American Airlines, meu medo desde quinta-feira é palpável, vai além de vagas conjecturas de solidariedade, embora por uma gente adorável como os libaneses.

A polícia inglesa não faz dois meses anunciou em rompante uma outra ação terrorista a ser perpetrada por muçulmanos radicais. Durante alguns dias a cada hora no noticiário rigorosamente pontual as câmeras do noticiário da BBC exibiram cenas de ruas londrinas bloqueadas enquanto se vasculhavam casas e possíveis esconderijos de arsenais. Daquela vez o alarme revelou-se falso.

Não falta agora gente do contra a rabugir alegando que as autoridades inglesas arriscam semear o ódio racial. Pede-se a esses telespectadores alguns minutos mais de reflexão antes de grunhir queixumes, pois a matéria é intrinsecamente delicada, mais feita de escolhas do mal menor. Aeroportos são ambientes naturalmente tensos, em suas pistas sobem e descem centenas de milhões de dólares e milhares de vidas numa quase alucinante coreografia do inflamável. São os aviões efetivamente vulneráveis aos componentes gelatinosos escondidos em banais tubos de barbear ou caixinhas de pó de arroz, como bem lembra Roberto Godoy (Estado de S.Paulo, pág. A14, 11/8/06).

Vem a propósito lembrar da volatilidade da vida moderna, ela tem a ver com a velocidade das comunicações nestes nossos tempos raitequis. Vivo diária e repetidamente essa experiência que me lembra um autódromo. O cotidiano da família inteira encheu-se de tantos acontecimentos e compromissos que bastam um par de horas da internet pifada para provocar uma dúzia de telefonemas com explicações, rearranjos etc. Analogamente bastaria um buraco no asfalto de Interlagos para arremessar pelos ares o Barrichello circulando por ali a 300 por hora.

Quórum certo

E pede-se à imprensa nacional que não dê alto-falantes a entrevistados sem ponderar o porquê de suas avaliações, sem desbastar suas afirmações. Dou um exemplo: o repórter Ubiratan Brasil, também do Estadão, não deveria disparar a manchete ‘Para Tariq Ali, parte da culpa caberia a Blair’ (Estadão, A16, 11/8/06). Como convidado da Festa Literária Internacional de Paraty atualmente em curso, Tariq Ali é presença de visibilidade por aqui nesse momento. Mas a bola da vez em termos de acontecimentos nesta sexta-feira era mais o risco nos aeroportos do que a funesta incursão no Líbano dos F-15. Afinal, o escritor árabe logo logo embarca num jato ele também.

Por outro lado comemore-se a liberdade de imprensa, dela tivemos recentemente uma contribuição valiosa: o artigo em que Thomas Friedman, colunista do NYT conhecido por seu conservadorismo de clave republicana, comenta a política do governo George W. Bush neste último capítulo da guerra no Oriente Médio. Nem um defensor da invasão do Iraque aceita a reação de menino mal criado e primário exibida pelo presidente norte-americano quanto ao Hezbollah. Na violência não vai, diz em outras palavras o insuspeito articulista americano.

Está a pedir comentário um editorial de Clóvis Rossi que compara PCC e al-Qaeda (Folha de S. Paulo, 11/8/06). Posto em poucas palavras, o texto propõe terem as autoridades inglesas feito a lição de casa enquanto ‘em São Paulo, não se evitou nadica de nada’. O jornalista permite-se acreditar que ‘os líderes do PCC estão perfeitamente identificados e, ainda por cima presos. Da al-Qaeda, sabe-se que existe certo Osama bin Laden, que, a rigor, ninguém vê’. Ora, o Brasil (e o mundo) perdeu a guerra contra o narcotráfico e, enquanto um quilo de cocaína valer 20 anos do salário de um policial, milhões de brasileiros correm o risco de sedução pelas mordomias oferecidas a quem, postado deste lado do muro da penitenciária, é filiado ao PCC. Da mesma forma, pode a CIA vir a liquidar o facínora saudita que, enquanto Israel não respeitar as resoluções da ONU, as fileiras da al-Qaeda terão quórum.

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Dirigente de ONG, Bahia