Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Nada a ver mesmo

A matéria sobre os eventuais vôos alcoólicos do presidente Lula, publicada no New York Times, tem um trecho onde o repórter Larry Rohter faz uma comparação entre o chefe do governo e o ex-presidente Jânio Quadros. Quem conheceu bem Jânio sabe que não existem condições de comparação, nem nessa área e tampouco em outras. Jânio era professor, primava por um português perfeito, só bebia scotch 12 anos (no mínimo), conhecia vinhos, adorava Londres (falava inglês) e primava por gravatas de crochê (pretas) na loja Marks & Spencer (sic). Tinha liderança e realizou boas administrações na prefeitura de São Paulo (duas vezes) e no governo do estado.

O texto acima foi publicado recentemente na internet, numa das inúmeras colunas que cuidam de açodar a vida do presidente Lula.

Jânio era de fato professor, falava com correção, bebia scotch 12 anos, pinga, vodka, vinho, cerveja, vermute, licor, gim, e se algum sólido contivesse álcool ele comê-lo-ia.

Também é fato que Jânio gostava da Inglaterra e de Londres em especial. Quem não gosta? Londres é uma das cidades mais encantadoras e charmosas do mundo (e das mais caras). Outra característica do ex-presidente da vassourinha é que ele mudou a forma de vestir ao longo do tempo.

Nos comícios da Vila Maria usava um terno surrado e a gravata torta para equilibrar os olhos, que teimavam em situar-se em focos distintos. Um no peixe, outro no gato. Nos ombros a caspa, artificial, como pode atestar o colega Mylton Severiano, jovem repórter designado para acompanhar o candidato em suas andanças.

Jânio jogava farinha de milho nas ombreiras antes de subir ao palanque e discursar em meio a sanduíches de mortadela e goles de Pirassununga 19, que nem sei se ainda existe. Era das pingas mais baratas do mercado.

Tudo para compor o ar de ‘marmiteiro’ que acabou alçando-o a alturas que naquela época ele provavelmente não imaginava um dia atingir.

Culpa da ressaca

Depois do poder alcançado, Jânio cuidou da elegância e terminou a vida como um dos homens mais bem-vestidos do Brasil. Vestia-se com apuro, sem excessos, usava de rigor e tinha senso de oportunidade. Nessa fase as gravatas pretas de crochê de fato existiram. Quase sempre acompanhadas de camisas brancas e um blazer discreto.

Um pequeno detalhe: as gravatas até poderiam ser do Marck & Spencer, lá existem roupas de boa qualidade, embora não da qualidade das usadas pelo ex-presidente. Marck & Spencer é uma rede de supermercados que tem departamento de roupas. Um magazine estaria mais apropriado.

Os elegantes não se vestem lá.

Jornalistas, sim. Eu, quando morava na Inglaterra, em Cambridge, para ser mais preciso, comprava o jantar no Marck & Spencer, acabei comprando também um chapéu e uma capa de chuva.

Quanto aos governos do Jânio, eu discordo da opinião do autor, inclusive acho que ele foi um dos motivos de termos tido um período tão longo de ditadura. Culpa de uma ressaca, provavelmente de scotch. Pelo jeito o colega gostava da ditadura. Nada a ver mesmo.

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Jornalista