Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

No Executivo, rebeldes são temidos

A deputada Luciana Genro, filha do ministro Tarso Genro, foi expulsa do PT. Tempos depois, passou para o PSOL, partido que nas recentes eleições municipais recebeu votos de Frei Betto, ex-assessor especial do presidente Lula. O escritor e frade deixou o cargo há alguns anos e já escreveu dois livros sobre a experiência, desencantado com a perda de rumos e com a perda de referências éticas. Mas, nas denúncias, deixou incólume o presidente Lula.

Luciana Genro, disputando a prefeitura de Porto Alegre neste atormentado 2008, não foi ao segundo turno, que será travado entre José Fogaça (PMDB) e Maria do Rosário (PT).

Faz pouco mais de cinco anos, escrevi no Jornal do Brasil uma crônica cujo tema solar era o programa Fome Zero e suas insólitas dificuldades, mas que falava também de Luciana Genro e Heloísa Helena.

Comecei referindo dificuldades burocráticas daquele programa, enfim aglutinado ao Bolsa-Família.

De personagens a autoras

‘A comida não pode ser adquirida sem nota fiscal’, disse ao primeiro beneficiário o dono do estabelecimento. ‘Mas eu preciso comer, o que eu quero está ali na prateleira e eu recebi do governo o dinheiro para comprar, não vai dizer que o senhor não quer vender só porque é para mim’, disse o faminto. ‘Não é isso. Eu não posso vender, e o senhor não pode comprar, sem nota fiscal’. ‘Mas eu não vou comer a nota fiscal, vou comer a comida, se é que me entende’, replicou o faminto. ‘Não dá’, disse o vendeiro. ‘Outro dia, um de vocês comprou iogurte com o cupom, e iogurte é proibido; se ainda fosse rapadura!’ ‘Não conheço cupom nem iogurte’, disse o faminto. ‘Cupom é de papel. Não serve para comer. E iogurte é parecido com queijo, só que bem mole.’ ‘Então, me vende um pedaço de queijo.’ ‘Ainda não saiu a lista que regula o que se pode vender e eu não sei se queijo pode.’ ‘E pão, pão pode?’ ‘Pão? Não sei. Mas torta, não.’

E continuei: ‘A esse tempo levantou-se outra vez a voz que clamara no deserto das Alagoas. A morena chamava-se Heloísa Helena, era jovem e bonita, falava bem e era valente. Órfã de pai, filha de uma costureira, vestia-se de brim e alimentava-se de mel silvestre. Do Brasil meridional viera outra, daquelas que toda mãe gostaria que fosse sua nora, mas ela era Genro, pois que filha do ministro Tarso Genro. Luciana, cheia de luz, como cabelos e nome indicavam, igualmente bela e guerreira, era brava que só vendo! […]. Uma era senadora; a outra, deputada federal.[…] Heloísa Helena era senadora. Luciana, deputada. Os homens gostariam que elas fossem apenas duas mocinhas bonitas. Poderiam até saber latim, mas por que reclamavam tanto? O Brasil tinha mudado. As mulheres tinham passado de personagens a autoras. Inclusive a autoras de leis! Os homens que se cuidassem! Pois todos sabem que as mulheres reclamam de tudo. Inclusive de si mesmas.’

Vox populi, vox Dei

Pois bem, agora vejo pela mídia que se Luciana Genro não chegou ao segundo turno, a outra inconformada, a ex-senadora Heloísa Helena, foi uma das vereadoras mais votadas de Maceió.

Quer dizer, o eleitor não quer rebeldes no Executivo. Ele os elege para o Legislativo! No Rio, deu-se algo semelhante. O senador Marcelo Crivella, muito bem votado para o Senado, não chegou ao segundo turno para prefeito.

Assim, se Fernando Gabeira for eleito, será surpresa. Como foi surpresa, há quatro anos, o ex-senador senador José Fogaça interromper o longo reinado do PT na prefeitura de Porto Alegre.

E em São Carlos, no interior de São Paulo, Julieta Lui, a primeira vereadora do PT na cidade, expulsa do PT há alguns anos, neste 2008 não conseguiu voltar à Câmara Municipal pelo PSOL.

Você entende o povo? Nem eu! Mas o ditado assegura: vox populi, vox Dei (a voz do povo é a voz de Deus).

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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de Cultura e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da ed. Novo Século); www.deonisio.com.br