Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

No Mínimo

CRÔNICA
Zuenir Ventura

Moreno, alto, careca procura…, 24/10/06

‘…leitores. Sim, procuro leitores. Fiquei tanto tempo sem dar as caras por aqui que agora vou ter que correr atrás de novos e tentar recuperar os perdidos, se é que alguém deu pela minha falta. Parece que não, pois ninguém reclamou. Ou melhor. Soube que dois fiéis seguidores, uma moça e um rapaz, perguntaram se era verdade que eu tinha sumido _ não sei se com pesar ou alívio. Estou me sentindo como um candidato em campanha perseguindo votos; só falta apresentar um programa com as minhas realizações no passado e as promessas para o futuro. E muita mentira.

Por falar nisso, volto justamente na última semana, a da reta final para o segundo turno. Lutei a vida toda por eleições _ com perdão da frase típica de discurso eleitoral _ e continuo lutando, se for preciso. Mas esse segundo turno, vou te contar! Quis distância quando houve o acirramento dos ânimos e a campanha descambou para a baixaria, para as ofensas e xingamentos, menos entre os candidatos (pelo menos até agora quando escrevo, antes dos dois debates finais) e mais entre os correligionários, militantes e simpatizantes. Essa fase periga ficar conhecida como a do ‘dedo comido’, não sei se vocês souberam do incidente antropofágico.

Ele aconteceu no Rio, no sofisticado bairro do Leblon. Duas jovens senhoras, uma jornalista e uma publicitária, se desentenderam por razões políticas, foram às vias de fato e a primeira amputou a dentadas parte de um dedo da outra, num espetáculo canibalesco que desmentiu a teoria de que no Brasil ninguém mais come ninguém por via oral. (Mais tarde, a agressora declarou que não teve a ‘intenção de morder’. Imagina se tivesse tido). No mais, foi um torneio de acusações e denúncias entre os dois candidatos _ e muita pobreza de idéias e de propostas reais.

A melhor coisa que fiz durante esse tempo de férias foi viajar para o interior do país. Conheci ou revi nove cidades de Minas e do Espírito Santo: Uberlândia, Uberaba, Patos de Minas, Araxá, Belo Horizonte, Vitória, Cachoeiro do Itapemirim, Colatina e Pedra Azul. Dos lugares que não conhecia, a grande surpresa foi Patos de Minas, a terra do milho. Nunca pensei que com esse cereal (o dicionário diz que é gramínea) se fizesse um sorvete tão gostoso como o que tomei lá. Melhor só a hospitalidade dos habitantes, comparável à exuberância do verde que domina praças e jardins.

Em Cachoeiro fui assaltado por outro tipo de emoção: visitar o casarão onde viveu Rubem Braga. Ele está muito bem cuidado e é hoje uma biblioteca bem freqüentada, o que deixaria o cronista satisfeito. Antes, o espaço chegou a ser ocupado por um restaurante ou coisa parecida. Ele não gostou, e quando, numa uma visita ao local, perguntaram o que estava achando, respondeu que não conseguia aceitar que estivessem bebendo cerveja no quarto de sua mãe. Para mim, a sensação foi de que essas janelas, o quintal, as árvores, os pássaros eram velhos conhecidos. Na verdade, tudo isso está, com muito mais poesia, em suas crônicas.

Em Colatina, conheci os dois prefeitos, o licenciado e o sub em exercício, e suas corajosas histórias na luta contra o crime organizado. Nesse terreno, o Espírito Santo chegou a ser uma espécie de filial do Rio de Janeiro. Conseguiu muito mais do que os cariocas. De lá subimos uma serra que me lembrou a de Nova Friburgo e fomos parar à sombra de um gigantesco ‘lagarto’ colado a uma pedra que, conforme a luz, é de fato azul. Impressionante.

Na volta, conversando com o jornalista José Casado, um capixaba com conhecimento de causa, ele me informou que, se tivéssemos continuado pela serra, encontraríamos pequenas colônias onde a mistura de etnias, costumes e tradições forma um biótipo especial, resultado de um encontro que não houve nem no Sul. É um Brasil pouco conhecido feito de italianos, poloneses, pomeranos, alemães, suíços, holandeses.’



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