Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Notas sobre uma crônica da Folha

Tenho até medo de começar este texto, já que neste país não se consome qualidade, mas sim status (do grego). Uma crônica crônica; peço que leiam e pasmem:

Uma chamada para trás

Nelson Motta # Folha de S. Paulo, 4/1/2008

SALVADOR – (1) Conheci uma senhora portuguesa em Nova York que não conseguiu aprender inglês e esqueceu o português. Quando deixava recados, em vez de pedir para retornar ou ‘call me back’, dizia ‘chama-me para trás’. O projeto do deputado Aldo Rebelo que proíbe o uso de palavras estrangeiras também soa como um chamado para trás.

(2) Sob pena de multa, mulheres nacionais não farão mais stripteases, mas excitantes ‘tira-provoca’. Os restaurantes terão dificuldades de explicar em seus cardápios que o (3) ‘soprado de queijo’ é o velho e banido suflê e que o (4) ‘marronzinho’ é o ex-brownie. A (5) Aids terá de ser chamada de Sida sob pena de o doente não receber os remédios. E os (6) lobistas, coitados, como se chamarão?

Ninguém falará mais (7) laptop, que deverá ser chamado de ‘ordenador de colo’, já que computador é americanismo e também está fora da lei, só poderemos falar ordenador – macaqueando os franceses e os espanhóis. Falar em (8) PC só se for o do B: os ordenadores pessoais serão os populares OPs, os programas rodarão no sistema (9) ‘Janelas’. Já os (10) CDs terão que ser chamados de DCs, ‘discos-compactos’.

As (11) lanchonetes terão que mudar de nome. Como se chamarão os (12) sundaes? O (13) milk-shake será ‘leite-chacoalhado’? O afrancesado (14) croquete é fácil, vira ‘cocréte’. Assim como as balas (15) Hall´s são chamadas de ‘Rális’ na Bahia.

Estou preocupadíssimo com os publicitários, que terão que fazer muitos seminários para se adaptar a uma nova e estranha língua. Mas eles são criativos, encontrarão boas expressões nacionais para (16) layout, (17) release, (18) top de linha. Pior para os surfistas, que já não tem um vocabulário muito amplo e ainda serão privados do pouco que têm.

Livre da nefasta influência estrangeira, a nossa língua será pura. Nem nós a entenderemos.

Darei alternativas em português para os termos abordado no artigo. Comecemos pelo item (1), onde o autor tenta menosprezar uma das iniciativas mais lúcidas da história do Congresso Nacional. Pois, se é Nacional, deveria, a priori , ser e ter intuitos nacionalistas. Neste item o próprio autor se contradiz: ‘Quando deixava recados, em vez de pedir para retornar ou `call me back´, dizia `chama-me para trás´.’ Para que, me pergunto, a frescura esnobe de não simplesmente dizer ‘retornar’?

Item (2): Strip-tease – Tira-Tudo, Dança-Viagra, Melô da Peladinha ou Caminhando contra o vento sem lenço e sem documento.

Item (3): Suflê: Sosó de Queijo (versão baiana), se bem que é um prato criado por um francês e me admiraria que tivera colocado um nome de uma criação sua em outra língua que não a sua, a não ser que fosse um brasileiro americanizado. Que chama os filhos gêmeos de Denzin e Uóxintu.

Item (4): Brownie – Sempre chamei de biscoito. Segundo o Aurélio quer dizer ‘bolo de chocolate, muito fino, ger. com nozes, e cortado em retângulos’. E realmente este doce em demasia traz azia ou um pouco mais. Um tiro.

Pureza das crianças

Item (5): Aids – Doença americana, no bom estilo gripe espanhola, já que eles que criaram o vírus em laboratório.

Item (6): Lobby – ‘Grupo de pessoas ou organização que tem como atividade profissional buscar influenciar, aberta ou veladamente, decisões do poder público, esp. no legislativo, em favor de determinados interesses privados’, segundo o tio Aurélio. E os lobistas? Pega do termo lobo e chamemos de alcatéia. Já que estão sempre aptos a atacar em bando o pobre povo solitário.

Item (7): Laptop – Computador de colo… é tão ruim assim? E, segundo diz a história, o primeiro computador era alemão, computer van kraag. E poderíamos chamá-lo então de profissional. Computador profissional é minha martelada final. Já que só sendo muito esnobe para ter um computador profissional.

Item (8): PC – Na nomenclatura nova pode ser CP. Não dizem os não-poliglotas em inglês que inglês é só falar tudo ao contrário? Pois ser poliglota hoje é falar inglês e deu.

Item (9): Windows – Ou colocamos o Kamikaze, ou roubo o que minha professora de mídia usa: ‘Vindous’. Porque está sempre ‘vindous’ e nunca ‘chegous’ a lugar nenhum!

Item (10): CD – Disco, pode ser? LP se dizia disco. Só porque diminuiu o tamanho não pode ser mais disco? Até o disco rígido é chamado de disco, por que os moles não?

Item (11): Lanchonete – Ahn?

Item (12): Sundae – Significado de sundae (sândei): porção de sorvete acompanhado com calda de chocolate e frutas, creme chantili e nozes picadas. É nomenclatura. Crianças chamam de sorvete. Como diria Gonzaguinha: ‘Eu prefiro a pureza das respostas das crianças’

Dicionário de americanês

Item (13): Milk-shake – Batido-gelado, leite-coalhado (a aparência é igual).

Item (14): Croquete – [s.m.] Bolinho de carne moída, peixe, legumes etc., coberto de massa de farinha de trigo ou pó de rosca com gema de ovo e fritado. Se portugueses chamam bolinho de bacalhau de bolinho de bacalhau, ninguém vai morrer por um croquete.

Item (15): Hall’s – Só porque é americana deixou de ser bala. Omo não é sabão em pó e Bom Bril não é palha de aço.

Item (16): Layout – ‘Esboço de anúncio, em que se apresentam ressaltados os seus diversos elementos (título, texto, ilustração, etc.). 2. P. ext. Esboço, projeto, planejamento ou esquema de uma obra, apresentados graficamente. 3. Distribuição física de elementos num determinado espaço’. É tanto significado sinônimo que acho que os publicitários, segundo a perspectiva de Nelson Motta – que jamais será a minha – nem precisarão de criatividade. Bastaria ler o Aurélio.

Item (17): Release – Liberação, esta é a tradução literal. Se nos liberarem deste compromisso de sermos uma colônia americana quem sabe faremos em breve liberações ao invés de ‘relises’. Com fé, quem sabe isso se realize. Realize, pronto! Realize é perfeito.

Item (18): Top de linha – Melhor? Melhor. Eu voto em ‘Melhor’. Uma única palavra que define tudo.

Bem melhor, não? E também deixemos os surfistas se isolarem em um dialeto isolado, já que dizem valorizar a natureza e abandonar a civilização – a escola. Que virem ogros e conversem com as árvores que vai ser ‘mó crausi’. Estou satisfeito com meu dicionário de americanês para o brasileiro, digo português. Feliz do Paraguai que preservou o Guarani.

Pior foi o Nélson Motta em falar ou a Folha em publicar?

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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista; Florianópolis (SC)