Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Notícias sobre não-novidades

Na edição do Oscar de 2008, a mídia fez questão de destacar o fato de os atores premiados serem todos europeus. A coincidência deve ser ressaltada, porém não é correto afirmar que só agora o cinema norte-americano estaria reconhecendo a competência e facilitando o acesso de profissionais estrangeiros ao mercado, como sugeriram algumas matérias. Isso mostra tão somente uma certa ignorância dos jornalistas quanto à história do cinema.

O cinema norte-americano não seria o mesmo se não fosse a colaboração de artistas e técnicos europeus. Desde seus primórdios, houve uma interação bastante proveitosa entre o Novo e o Velho Mundo, no que diz respeito ao desenvolvimento da indústria cinematográfica. Os produtores e fundadores dos principais estúdios eram, em grande parte, judeus vindos da Europa pré-guerras. Chegaram à América com quase nada e construíram impérios que sobrevivem até hoje, incorporados por outras empresas. Inventaram as marcas mais influentes na indústria do entretenimento, sem as quais não haveria todo o conceito de cinema norte-americano que prevalece nos dias atuais.

Louis B. Mayer, Samuel Goldwyn, Adolph Zukor e Carl Laemmle são apenas alguns dos diretores, produtores, atores e técnicos que vieram da Europa. Partindo para a produção técnica, a lista será ainda maior. Todo esse mecanismo empresarial começa a se constituir na década de 1910, fixando as bases para o star system que dominou o cinema e, claro, conquistou a popularidade e a lucratividade nas décadas seguintes. Hollywood era dirigida com mãos de ferro, os estúdios eram identificados por seus chefes, que conduziam todo o processo – da realização dos filmes, até o corte final.

Emplacando sucessos

O mais citado costuma ser Louis B. Mayer, bielorusso que emigrou para a América do Norte no final do século 19. Atribui-se a ele a criação do star system, através da Metro Goldwyn Mayer, a companhia que realizou os filmes de maior sucesso nos anos 30 e início dos 40. Mayer criou muitas das estrelas de cinema que permanecem até hoje na memória dos cinéfilos. Seu sócio na Metro era Samuel Goldwyn, polonês conhecido pelo gênio para promover filmes, astros e estrelas, e que produziu mais de cem filmes no decorrer de sua longa carreira.

O húngaro Adolph Zukor foi fundador da Paramount Pictures, companhia que produziu muitos sucessos nos anos 10 e 20, verdadeiros marcos, como Os dez mandamentos (1923), de Cecil B. DeMille, Sangue e areia (1922), estrelado pelo galã mais famoso da época, Rodolfo Valentino, e muitas outras fitas em sua fase mais prolífica. Em 1950, Billy Wilder (outro europeu) dirigiu Crepúsculo dos deuses, filme sobre a decadência das estrelas do cinema mudo em que a Paramount é mencionada por sua fase mais áurea.

Já a Universal Pictures teve na figura de Carl Laemmle, alemão nascido em Wurttemberg, um líder na expansão da empresa que foi a maior produtora de filmes dos Estados Unidos entre as décadas de 10 e 20, emplacando sucessos que vão desde O corcunda de Notre Dame (1923), com Lon Chaney, e O fantasma da ópera (1925), a Drácula (1931).

Estratégia de marketing

Diretores, podem-se citar vários: o austríaco Billy Wilder, o inglês Alfred Hitchcock, o franco-germânico William Wyler, o austríaco Fred Zinnemann, o grego-turco Elia Kazan e o alemão Fritz Lang são apenas alguns dos europeus que filmaram nos Estados Unidos, onde seus talentos puderam ser reconhecidos, e de lá seus filmes seguiram para o resto do mundo.

Hollywood contou também com vários maestros e compositores de origem européia. O ucraniano Dimitri Tiomkin (ganhador de quatro Oscars, um dos compositores mais requisitados pelo diretor Alfred Hitchcock, autor das trilhas de Assim caminha a humanidade, Sem lei e sem alma, Disque M para matar, Rio Vermelho, Adorável vagabundo etc.), o polonês Franz Waxman (dois Oscars, compôs para Rebecca, Núpcias de escândalo, Inspiração trágica, Fogueira de paixão, Um lugar ao sol etc.), o austríaco Max Steiner (três Oscars, autor das trilhas de E o vento levou, Casablanca, Jezebel, À beira do abismo e O tesouro de Sierra Madre, entre outros) e o húngaro Miklós Rózsa (três Oscars, compôs para Sahara, Pacto de sangue, Madame Bovary, O segredo das jóias, Quo vadis, Ben Hur etc.), para ficar nos mais importantes.

Grandes estrelas como a alemã Marlene Dietrich, as suecas Greta Garbo e Ingrid Bergman, os franceses Louis Jourdan e Leslie Caron, os húngaros Bela Lugosi e Peter Lorre, a austríaca Hedy Lamarr, os ingleses Boris Karloff, Vivien Leigh e Elizabeth Taylor, a escocesa Deborah Kerr, a belga Audrey Hepburn, o italiano Rodolfo Valentino e muitos outros, atingiram o ápice da carreira nos EUA. Talvez nem todos tenham sido agraciados com um Oscar, mas isso confirma que há muito tempo o cinema norte-americano abriu espaço para atores de diversas nacionalidades. A diferença é que isso pode ser uma estratégia de marketing em determinados momentos, no intuito de vender os filmes, ou simplesmente a imprensa explora essa característica como novidade na tentativa de mascarar o pouco conhecimento sobre o tema – ou mesmo o excesso de informação irrelevante que inunda o jornalismo dito cultural.

******

Jornalista, Rio de Janeiro, RJ