Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Novos’ só para a Veja

Parabenizo as jornalistas Camila Pereira e Juliana Linhares por terem descoberto o principal ponto da pregação protestante na reportagem ‘Os novos pastores’. Pena que o fizeram com cinco séculos de atraso. Pessimamente pesquisada, além de escorregar em pequenos detalhes – tais como dizer que R.R. Soares não tem curso superior, quando é formado em Direito pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro –, a matéria já começa mal, na escolha de um tópico frasal que não tem sustentação histórica.

Segundo a matéria, Soares e o bispo Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, encarnam a perfeição do Evangelho antiquado, uma geração passada de pastores, com brados de cura e performances exorcistas, diferente da nova geração que prega a ‘auto-ajuda’. Queridas colegas (também sou jornalista), se retroagirmos na história a apenas 500 anos, à Reforma Protestante, vamos ver que a mensagem dos reformadores, em oposição ao discurso católico romano, era o de uma visão holística da vida, na qual Deus está presente em todas as ações do homem, mesmo as mais simples (‘Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus’ – 1 Coríntios 10:31).

Enquanto os católicos acreditavam que a miséria era uma bênção para alcançar o céu – desde que fossem pagas as indulgências –, os protestantes pregavam, por exemplo, que o trabalho duro e honesto era honrado por Deus com prosperidade (não necessariamente riqueza) ainda nesta vida. Assim, quando um pastor manda que as pessoas planejem seus gastos com o cartão de crédito apenas está ensinando que Deus não está contente com sua irresponsabilidade no gastar e isso precisa ser mudado. Esta tem sido a mensagem protestante há séculos: compromisso com Deus em todas as situações. Se é auto-ajuda, não sei.

Opiniões escondidas

Se as repórteres houvessem pesquisado, perceberiam que Macedo é que é o novo modelo, o ‘neo’-pentecostal, que prega a prosperidade, em uma espécie de passe de mágica. Sua teologia não encontra precedentes em nenhum momento da história do Cristianismo.

Outra coisa que, como jornalista, causou-me estranheza foi perceber que nenhum dos pastores citados tem falas no texto principal nem nos boxes (a não ser citações pinçadas do que falaram em seus cultos, vídeos ou livros). Eles não foram entrevistados pela equipe da revista? Posaram apenas para fotos como meros modelos fotográficos? Onde está a opinião deles? Onde está a versão deles para o tópico frasal da matéria? Picardia é o mínimo para descrever o que esta reportagem fez.

Tenho certeza de que foram entrevistados e abriram gentilmente a porta de seus gabinetes à reportagem desta revista. Mas o que Veja fez? Escondeu suas opiniões para dar apenas sua visão estereotipada e irônica, chamando Ana Paula Valadão, por exemplo, de Sandy dos evangélicos. Mais uma vez a falta de pesquisa é latente. Existem muitas cantoras evangélicas teen que podem ser comparadas à filha de Xororó, mas Ana Valadão tem público em todas as faixas etárias e nunca fez qualquer trabalho direcionado especificamente a adolescentes. Além do mais, apesar da voz afinada, ar de moça comportada etc., Sandy e seu irmão, que me conste, jamais conseguiram reunir um milhão e 200 mil pessoas em um de seus shows (como fez o Diante do Trono em Brasília, em 2002), muito menos agora que está em decadência. Na tentativa de ridicularizar, editor e repórteres ‘pagaram um tremendo mico’ de falta de informação e mau jornalismo. Esta revista já teve profissionais mais qualificados.

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Jornalista, repórter da revista Graça/Show da Fé, Rio de Janeiro