Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O ano é de festa

Quando os primeiros tipos ‘imprimiram’ que o verbo pairava sobre as águas, a narrativa do Gênesis assumiu outras proporções e o Pentateuco passou a ser escrito de outra forma, através das novas possibilidades dos tipos móveis. Davi atirava a pedra em Golias.

Porém, depois das primeiras publicações do livro sagrado, a idéia de Gutenberg ‘pegou’ e a imprensa, que desde a Árvore de Cracóvia circulava com seus comentários, vendo que tudo aquilo era bom, não descansou e aproveitou-se de sua mobilidade, agilidade e ‘massificação’. Davi assumia seu lugar junto aos reis.

E, assim como os reinados, a imprensa foi crescendo, progressista aqui, régia acolá. Fixou-se como instrumento fundamental na constituição de uma sociedade democrática e, saindo do velho testamento, chegou ao novo mundo, que já não era tão novo assim.

Desembarcou em 1º de junho de 1808, provavelmente alguns dias antes, e, sob o nome de Correio Braziliense, instituiu o gênero no fatídico dia. Publicando decretos, análises, fofocas, literatura e anúncios de compra e venda de escravos, a imprensa brasileira foi crescendo e reivindicando sua importância na construção desta nova sociedade moderna, que surgia pós-revolução industrial e com o enfraquecimento da monarquia. O verbo se fez carne.

O pagamento do dízimo

Habitando entre nós há 200 anos, a impressa passou por várias mudanças – no formato, na estética, na circulação, na distribuição, nas editorias, no texto, na orientação e na finalidade. Já foi perseguida e já perseguiu, já disse a verdade, a mentira e o que ouviu dizer. Já publicou receita de bolo que muitas vezes desandava gerando vistosas reclamações ao editor. Perdoai, eles não sabem o que fazem.

No Brasil, a imprensa é abençoada. Afinal, hoje ela adota os moldes lançados por Assis Chateaubriand, que também lançou a revista Cruzeiro, a TV Tupi e criou o Masp. Isto sem contar os coronéis, digo, fiéis que fez pelo Brasil afora, como os Magalhães e os Marinhos e outros tantos que estão longe das capitais, mas que nos seus redutos do interior nunca perdem um bom jabá, digo, furo de reportagem.

Como a imprensa é uma comunicação e, sendo assim, possui um receptor, este por sua vez, nem sempre estava satisfeito. Duvidando de sua autoridade, começou a exigir respostas. A imprensa, então, resolveu a questão com uma solução nos moldes da igreja, e instituiu a cestinha de pedidos, no caso em questão, o ombudsman. Isso proporcionou aos leitores a possibilidade de enviarem suas reclamações, às quais a imprensa, como a igreja e seu cesto de pedidos, finge que dá atenção, ao mesmo tempo em que volta a insistir no pagamento do dízimo.

Honra ao mérito

O tempo, porém, é de orgulho. Afinal, é preciso ressaltar sempre o maior mérito da imprensa brasileira, que foi o de ter conquistado sua liberdade. Tarefa de empreitada tamanha que nela fracassaram não menos que Moisés, Maomé e Ghandi, para citar apenas alguns. Através desta liberdade, a imprensa torna-se o arauto das informações e com textos mais claros, objetivos e imparciais brinda os leitores com os fatos efêmeros do cotidiano. Iluminando o caminho dos formadores de opinião e, colocando-se, como dizem, a serviço do Brasil. Portanto, afim de defender este bem supremo, chamado liberdade a imprensa, institui que quem a desobedecer e acatar seus atos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazer o mesmo, será considerado o menor.

Mas, neste ano, nada de molestar a imprensa, o ano é de comemorações. O vinho acabou, mas outro já está sendo providenciado por um jovem de barba, vindo das camadas pobres – o motoboy que foi buscar um pouco mais com aquele senhor que sempre aparece no jornal na época de eleição e depois faz com que o editor coloque um PL (pega leve) no auto da pauta. Duzentos anos…, duzentos anos. Depois de tudo isto, certamente, o ano é de festa e que venham os louros, as comemorações e as homenagens de honra ao mérito. Afinal, em 200 anos foram muitas as transformações.

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Documentarista, Jundiaí, SP