Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Brasil é tetra!

Calma! Calma! Não estou tirando nenhum título da Seleção Brasileira, não. Afinal, como bom brasileiro, sei que a Canarinho é penta. Mas foi exatamente dessa maneira que a apresentadora do Jornal Hoje, da Rede Globo, chamou uma matéria exibida naquele diário, no dia 12 de abril (2005). A notícia falava sobre o fato de o Brasil ser, pela quarta vez consecutiva, o líder em reciclagem de latas de alumínio no mundo. E mais, a apresentadora convidava os telespectadores a celebrar o feito.

O texto do repórter apresentava os números do setor, quantidade de latas recicladas, tempo de reciclagem de uma lata, montante em dinheiro movimentado pelo setor, mostrava o nível de conscientização do povo brasileiro (duas donas de casa foram entrevistadas dizendo algo assim: ‘Aqui em casa o lixo já sai todo separado. O que é reciclável fica em sacolas diferentes’), entrevistava empresários do setor e destinava míseros cinco segundos a informar que alguns milhares de pessoas no Brasil sobrevivem recolhendo as latas no meio da rua.

Bom, vamos fazer então um outro raciocínio. Devemos mesmo comemorar esse título de tetracampeão na reciclagem de latas de alumínio? Afinal, por que esse setor cresceu tanto no Brasil? Temos uma política de reciclagem inovadora? O nível de consciência ambiental do brasileiro cresceu? Ou o nível de miséria da nossa população é tão alto que milhares e milhares de famílias em todo o país dependem da cata de latas de alumínio, muitas vezes em lixões, para poder sobreviver sem o mínimo de dignidade?

Questionar, fustigar

Ser campeão em reciclagem pode sim ser um feito a celebrar, mas não quando a população do nosso país, miserável, se vê obrigada a separar as latas de alumínio do lixo para sobreviver. Parece-me que o jornalista aceitou a sugestão da pauta das indústrias que processam a reciclagem. Os industriais, sim, devem estar festejando e muito essas notícias, pois, obviamente, significa que seus lucros aumentaram.

Porém, antes de um dado econômico a festejar, o fato reflete um dado social a questionar e repensar. E, se fossemos pensar neste dado social, veríamos que o Brasil não é tetra, ele é penta, hexa, hepta, decacampeão na miséria de seu povo e no trabalho infantil; situações sociais seculares, ainda insolúveis em nosso país.

Jornalismo é, a priori, questionar, fustigar. Aceitar e divulgar uma informação como essa sem pensar em seus reflexos na sociedade não é praticar jornalismo. Pensem nisso.

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Jornalista, diretor de Jornalismo da Mais Comunicação