Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O caso da Escola Base versão 2009

O brasileiro tem memória curta, já foi dito. Em 1994, no mês de março, no bairro da Aclimação, em São Paulo, a mãe de uma criança de cinco anos procura a polícia e comunica que estava desconfiada de que seu filho sofria abuso sexual na escola. O delegado que ouve a história, tal qual uma mariposa, foi ao encontro desesperado do calor dos holofotes. A imprensa sem exceção não perdeu a oportunidade. A revista Veja estampou: ‘Escola dos Horrores’; a Folha da Tarde seguiu no mesmo caminho e publicou: ‘Perua carregava crianças para orgia’; Outro jornal foi mais forte: ‘Kombi era motel na escolinha do sexo’.


O prédio onde funcionava a escola foi depredado e os proprietários e funcionários tiveram que fugir. Repórteres entrevistavam as crianças e, diante do silêncio, ofertavam respostas, sugerindo que o crime realmente tinha ocorrido. Ao final, constatou-se que não houve os crimes. A mãe destrambelhada cogitou os fatos. O governo foi condenado a pagar indenização aos injustamente acusados e a imprensa se fez de desentendida. A vida continuou.


Por que não mostrar a verdade?


Quinze anos depois, no Rio de Janeiro, um cinegrafista dirige-se a uma estação de trens urbanos a fim de cobrir os problemas surgidos com a greve dos maquinistas. De máquina em punho, testemunha e grava um tumulto envolvendo os funcionários da empresa que administra o sistema ferroviário. Os agentes de controle tentam convencer alguns passageiros a não viajarem no teto da composição. O clima está tenso face aos atrasos provocados pela greve. Tem início um empurra-empurra e os agentes são xingados e agredidos. Cusparadas e pedradas são atiradas em direção aos funcionários. Na seqüência, os agentes retiram do pescoço o apito com o qual trabalham e batem com o cordão nas pernas dos agressores. Perdem a cabeça e revidam, dando socos e chutes.


Malandramente, o vídeo é editado e só a última parte é publicada. O cordão do apito é transformado em chicote e a idéia transmitida é a de que os passageiros são tratados desta forma, estejam ou não colocando em risco suas vidas e as dos demais, travando porta ou querendo viajar junto a um cabo com cinqüenta mil volts. Que os funcionários extrapolaram, não resta à menor dúvida. Mas quem é que recebe uma cusparada no rosto e não reage? Por que não mostrar a verdade por completo, já que o cinegrafista a tinha? Porque a notícia ficaria morna. A verdade retiraria o impacto das imagens. A continuação é de conhecimento de todos. Os agentes foram demitidos por pressão da imprensa. O ministro da Justiça classificou – parte das imagens – de barbárie. E se tivesse assistido ao vídeo por completo, qual seria sua opinião? Mais uma vez se repete a tragédia da Escola Base. E quem é que vai se preocupar com isso?

******

Rio de Janeiro, RJ