Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O circo do Leonel

Noite de quinta-feira, 22/4: casa vazia, 10 horas na frente de um computador e a tentação diabólica do velho tubo de raios catódicos. Alonguei, suspirei e fui vender um pouco da minha alma. Televisão ligada, atividade cerebral reduzida para 10%, telespectador muito eventual (com orgulho) e muito desavisado: horário político.

Mas não assim um horário político ‘tradicional’, dessa vez a farsa de iludir os incautos ganhou contornos dantescos: um circo armado para dar a impressão de uma entrevista isenta e idônea. E funcionou comigo: por dois segundos – exatamente o tempo que eu levei para trocar de canal e testemunhar que a cara-de-pau dos que fazem política nesse país sempre se supera a cada ano que passa.

Leonel de Moura, tamanho homem, avô!, em rede nacional junto com outro ‘ator’ do cenário político se prestando a dissertar sobre os problemas nacionais como se fosse um espontâneo convidado de emissora de televisão!

Que serviço foi esse?

Nem me cabe discutir as velhas bobagens que este homem e os demais políticos brasileiros (todos) ditam em tom professoral e com tanto ‘conhecimento de causa’ nestes suspeitos anos de eleições, isso já é por demais sabido pelos atentos e gabaritados leitores deste Observatório da Imprensa, mas me cabe indagar (e muito ouvir) sobre os bastidores de um espetáculo deste porte.

Porque há que se perguntar se é essa a finalidade do jornalista: fingir que está entrevistando, fingir que está interagindo com o entrevistado, fingir que as perguntas não foram cuidadosamente escolhidas pelo entrevistado, fingir que ele comanda a linha da entrevista, fingir que aquilo era o estúdio de uma emissora de televisão prestando um serviço público, fingir que ninguém vai perceber uma atitude tão constrangedora, fingir que passou anos numa instituição de ensino superior – para fazer isso?

Este imprescindível Observatório não cansa de bem lembrar: jornalismo é serviço público. Então, eu gostaria muito de perguntar ao ‘jornalista’ que ‘comandou’ o programa no horário político do Partido Democrático Trabalhista: que espécie de serviço ele imagina que prestou aos cidadãos brasileiros?

Obscenidades no ar

Ao Leonel não é preciso perguntar nada, pois ele está aí há tanto tempo (calçou as botas do Getúlio Vargas, jogou rosas no túmulo do JK e engoliu sapos barbudos) e nunca fez nada de vulto para a nação além do velho e surrado discurso de 20, 30, 40 anos atrás. O trabalhismo do Leonel se confunde com esse socialismo utópico do Luiz Inácio: ambos se agarram feito loucos na tênue corda das teses históricas e se esborracham no chão duro da realidade. Pois que a realidade não é feita de ‘companheiros’ dispostos a dar o sangue por causas ideológicas: a realidade é feita de 180 milhões de pessoas com características diferentes, com biografias diferentes, com culturas diferentes e com formações cívicas diferentes. Para se impor à força ideologias num país continental como o Brasil só mesmo fazendo o que a China fez: avançando com blindados de guerra e pisoteando as opiniões contrárias em plena Praça da Paz Celestial.

E nem assim adianta. Vide que a China não é nem sombra do que Mao Tsé-Tung realmente queria.

Mas, deixando a hipocrisia política de lado, eu me pergunto se algum dia eu vou me encontrar numa situação que me obrigue a fazer algo em que não acredito… Porque eu só posso deduzir que o jornalista-protagonista da ‘entrevista’, que chegou a milhões de lares brasileiros, diga-se, esteja passando por um momento de dificuldade tamanha que isso justifique entrar num picadeiro para ser o mestre-de-cerimônias das ‘atrações’ da noite.

Ao assistir atentamente a esse espetáculo deprimente, não pude deixar de imaginar o ilustre ‘jornalista’ com um megafone na mão a gritar: ‘Ressssss-pei-tá-vel público! Essssta noite teremos várias atrações no Graaannnn Cirrrrr-co do Jor-na-lis-mo: ma-la-ba-ris-tas (rufar de tambores), do-ma-do-res (rufar de tambores), ma-ca-cos (rufar de tambores), le-ões (rufar de tambores), a es-pe-ta-cu-lar Mu-lher-bar-ba-da (rufar de tambores) e ele… (rufar de tambores), o sen-sa-cio-nal (rufar de tambores), o in-crí-vel, (rufar de tambores) o i-ni-mi-tá-vel (rufar de tambores), o i-ni-gua-lável… (longo rufar de tambores) LE-O-NEL!!!’

Só faltaram os palhaços. Aliás, não faltaram: nós somos os palhaços que permitem que essas obscenidades tomem forma e vão para o ar.

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