Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O comprometimento dos focas

Jornalista não tem o dever de saber tudo de todas as áreas existentes. Seria humanamente impossível. Ele é um generalista. Entrega-se por uma pauta, procura entender os elementos da matéria através da pesquisa e do contato com as fontes. Entretanto, livrar o profissional de imprensa de um mínimo de conhecimento não é aceitável. Noto, nos focas da atualidade, uma falta de interesse por assuntos que não sejam de sua alçada.

Um bom jornalista deve ter cabedal de saber. É elementar, por exemplo, que a língua portuguesa seja uma temática de degustação, pois erros grosseiros na escrita chamam a atenção – negativamente. A credibilidade é afetada, por mais que a informação onde o erro se assenta esteja 100% correta. A história, a cultura, a política… Temas de interesse geral devem ser acompanhados de leitura e constante atualização. Não é o que acontece.

Não saber o ano em que se instaurou o regime militar no Brasil é um vacilo grave. Vi esse exemplo recentemente. Culpo, nesse sentido, as escolas de base. A educação nunca esteve tão frágil em nosso país. Aumentou, entretanto, o acesso ao nível superior e, com ele, uma gama de estudantes despreparados para encarar os meandros massivos do mercado. A oferta excessiva também acabou por acabrunhar os salários.

Não pretendo fazer uma radiografia psicológica dos focas jornalistas. Entretanto, na faculdade nota-se um desinteresse pelo aprofundamento nos estudos. Nos bastidores, professores admitem que de uma turma de 40 saem, no máximo, dois ou três profissionais de inequívoca qualidade. O mesmo vale para outros cursos. Aos jovens de hoje falta comprometimento? Talvez falte paciência para aguardar o destino agir sobre eles, pois potencial existe.

Contra o coitadismo

Em se tratando de veículo de comunicação, o investimento decaiu drasticamente nas últimas décadas. O jornalista de hoje trabalha sentado na redação, produzindo conteúdo por telefone, computador etc. Antigamente – palavras de um jornalista sexagenário – as empresas pagavam ônibus, avião, balsa… o modal de transporte que fosse para ver o repórter chegar ao local do fato. E jornalismo é exatamente isso: estar no local do fato.

Dificuldades sempre existiram. Mesmo à distância é possível criar conteúdo de qualidade. O que assusta é o pessimismo de quem escolheu a profissão e de muitos jornalistas que vão às universidades para palestrar. Em vez de estimular, a depressão é generalizada. É fácil concordar que o jornalismo não dá dinheiro. Difícil é admitir que haja pessoas empreendendo e fazendo sucesso com ele. Difícil, a bem da verdade, é se esforçar a cada dia para mostrar valor. Difícil é ficar 30 minutos a mais no expediente para aprender a editar vídeos, áudios ou escrever textos. Realmente, é muito difícil. Os focas de hoje entram na faculdade achando que a faculdade vai formá-los. Muito pelo contrário. É o aluno que forma a sua faculdade.

Se os veículos de comunicação pagam pouco, o empreendedorismo é uma alternativa. Que tal uma agência de notícias, de produção audiovisual, de assessoria de imprensa? As empresas perseguem qualidade. Encontrá-la é um desafio. Dito isso, sempre vai haver espaço para quem tiver algo diferente a oferecer. Ficar parado nada muda, apenas aumenta o bolo de pessimistas. É dever dos focas mudar esse negativismo, essa síndrome de vira-lata que paira sobre nossa profissão.

Aceitar uma realidade e nada fazer para modificá-la é estigma dos covardes. E os jornalistas nunca foram covardes. Foram eles que lutaram contra a censura. São eles que orientam e certificam as informações que as pessoas consomem diariamente. Não façamos menos de nossa classe, pois somos de vital importância para uma sociedade civilizada e democrática. Um pouquinho de otimismo, por favor.

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Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo