Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O dia em que a Terra quase parou

Semana passada, a imprensa, a TV e os portais de notícias brasileiros deram um espaço imenso à cobertura do casamento real inglês. O tom da cobertura oscila entre a simpatia comedida e a escandalosa tietagem. Em alguns casos ficou parecendo que o evento é o principal acontecimento do ano ou da década. Toneladas de fotos e de imagens do casal sorridente foram divulgadas. A impressão geral é de que na terra da rainha todos aguardam ansiosos o grande dia em que a Inglaterra vai parar para ver o cortejo real conduzido por cavaleiros em trajes de gala com capacetes brilhantes.

Mas lá, como cá, a unanimidade é algo que não existe. A BBC Brasil divulgou que republicanos e anti-monarquistas marcaram manifestações contrárias à monarquiainglesa em Londres no dia do casamento. Anarquistas foram detidos e manifestantes violentos foram banidos de Londres até depois do enlace.

A pompa e circunstância sempre fizeram parte dos regimes monárquicos. Quando o poder tem outra fonte que não o voto popular, a mistificação é indispensável. A superioridade (racial, moral, familiar, econômica, religiosa, militar e, eventualmente, intelectual) do monarca tem que ser demonstrada; em algumas monarquias a relação particular e privilegiada do monarca com Deus tem que ser reafirmada mesmo nas ocasiões mais singelas.

Precisamos ficar atentos

A última grande monarquia europeia defende seus privilégios mediante exaltação simbólica e exibição pública. O show tem que continuar crível ou, no mínimo, causar entusiasmo nos corações dos monarquistas e torpor/temor nas mentes dos adversários da monarquia. Foi assim no casamento de Charles com Lady Di. Será assim novamente no casamento do filho de ambos. Nesse momento, entretanto, o enlace real parece cumprir uma outra finalidade bem prática. Há algo de podre no reino… Apesar das medidas que foram adotadas (algumas delas muito impopulares, a julgar pelas reações violentas nas ruas de Londres há bem pouco tempo), a economia inglesa patina. A da Irlanda já afundou. Onde quer que haja um súdito da rainha inglesa, o mar não está para peixe, o peixe é pouco ou já começou a feder. Nesse sentido, o casamento é uma grande distração.

Mas que finalidade político-ilusória o evento pode cumprir no Brasil? A super-exibição do casal real inglês visa a esconder o completo fracasso da oposição, cujo maior líder tomou chá de sumiço no momento em que seu partido desmancha a olhos vistos? A mídia quer esconder dos cidadãos graves problemas futuros na economia conduzida pela situação ou impedir que o governo ocupe espaços que os barões da mídia julgam intocáveis? De qualquer maneira, precisamos ficar atentos. É preciso ter um olho no casamento real e o outro no que querem esconder de nós, mostrando-o tão insistentemente.

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Advogado, Osasco, SP