Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O diálogo frágil

O distanciamento crônico e histórico entre a universidade e a população permanece e foi intensificado nas úultimas décadas com a grande concentração de renda característica da sociedade brasileira. Esse distanciamento, essa falta de interlocução entre a população e seus intelectuais, a ignorância recíproca entre eles sobre o papel de cada um e sua importância no conjunto global da sociedade fragilizam quaisquer processos de luta democrática travada entre os muros dessas instituições, transformando-os em pontual, caindo na discussão rasteira e estereotipada, intensificando ainda mais o distanciamento entre as partes, criando barreiras baseadas no rancor e no ressentimento.

Não obstante os esforços do governo anterior em criar mecanismos de ampliação do acesso à universidade por camadas da população de baixa renda, esta dicotomia – povo vs. universidade – ainda existe, validando o senso comum de que a universidade é um universo paralelo onde “filhinhos de papai” vão com os seus carrões passear às custas dos impostos dos mais pobres.

Esta tese, muito presente no governo de FHC e bastante difundida pela imprensa local, em especial por “especialistas” do calibre de Gilberto Dimenstein, da Folha de S.Paulo, procurava, sobretudo, legitimar o processo de sucateamento e privatização dessa mesma universidade e de seus serviços junto à população, esta mesma população que ora aplaude a prisão dos “maconheiros da USP”.

Em que o pese o fato de nunca ter visto um único intelectual, merecedor desse título, nadando em dinheiro e de que a grande maioria de estudantes que chegam à universidade só o faz depois de muito esforço individual e familiar, a ideia dos “bacanas e a diversão” ainda persiste e, neste contexto, surge o cajado vingador do governador Geraldo Alckmin que, através da ação “irrepreensível” da Polícia Militar, desaloja os “maconheiros” em grande show patrocinado pela mídia no horário nobre para toda a população.

Alma e conhecimento

Ao olhar atentamente a situação, observamos que todo este desfecho – o da invasão da USP pela polícia – era o esperado, já estava preparado dentro de um enredo muito bem articulado entre as ações do governo estadual, reitoria e mídia. Assim como um folhetim global ou um BBB, o clímax final do “episódio” só poderia ser esse: a prisão dos “marginais” e o restabelecimento da lei e da ordem – bem ao gosto do “grande público”.

Não se discute que a intolerância e a arbitrariedade não condizem com o espírito universitário; que a democracia e a tolerância são condiçõessine qua non para que exista formação e criação do conhecimento. Sem liberdade e autonomia, não existe cultura e formação cultural voltadas para a sociedade. A ausência de discussão gera o oposto: criam-se mecanismos de sujeição desta mesma sociedade, pautada justamente na máxima da “lei e ordem” da sociedade.

Não é à toa que em nome da “liberdade e igualdade” entre as pessoas e povos fez-se uma revolução que mudou o modo de pensar do Ocidente. Infelizmente, os acontecimentos tristes de São Paulo demonstram que a nossa sociedade ainda está muito distante desses ideais e que aqueles que deveriam difundir essas ideias, que não estão apenas vinculadas ao comércio material, mas também aos ditames da alma e do conhecimento, se encontrem encastelados em suas próprias “bastilhas”.

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[José Luiz Ribeiro da Silva é psicólogo, Curitiba, PR]