Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O discurso inconsciente da violência

Nem o filósofo Foucault entenderia a insistência do discurso da violência na grande mídia que é a TV Globo. Foi ela que, com seus poderosos microfones, captando as instruções do técnico do Vasco para deter o atacante Felipe, do Flamengo, e depois incentivando o disse-me-disse nas entrevistas com os jogadores nos treinos durante toda a semana, que pode ter acirrado os ânimos para a grande final do Campeonato Carioca, resultando em violência dentro de campo.

Um clima de competição que antecede um grande confronto de futebol pode e deve ser bem conduzido pela mídia que detém exclusividade de divulgação e, portanto, não deseja perder o controle do evento, da audiência e do patrocínio. Foram 80 mil pessoas emocionalmente envolvidas e que deveriam estar assistindo a uma disputa viril e leal entre os dois clubes, dentro de um mesmo espaço e sob regras sociais e esportivas pré-estabelecidas.

Este também seria o espetáculo a ser visto em todo o país pela audiência de 5 milhões de telespectadores, num universo de interesses que deveria gerar consumo, riqueza e empregos pelo setor de eventos.

Mesmo com a sugestão do papa de se abolir o futebol no domingo, o maior país católico do mundo, com seus 56 milhões de patrícios abaixo da linha da miséria, ainda diverte seu povo com esta prática esportiva. O Maracanã é o maior de todos os estádios e fica na Cidade Maravilhosa, que no momento vive sob o fogo cruzado de traficantes, numa guerra que provoca medo nos moradores e destrói seu potencial turístico.

Triste e irônico

Todos os cuidados são necessários para se analisarem personagens, cenário e ações na cobertura de um grande espetáculo como este. A mídia televisiva cria pauta obrigatória para as matérias que serão lidas com mais detalhes nos jornais do dia seguinte. A mídia impressa, por sua vez, realimenta pelo poder das palavras escritas o que antes apareceu na TV. Este é um fenômeno observado em todo o mundo, mas há diferenças diretamente ligadas ao nível de educação dos povos.

Neste embolado que nem McLuhan e Zeca Balero metem o bedelho, vão se descontrolando os eventos n um processo em que o inconsciente coletivo, banhado pela violência em todo o estado, inicia sua dramaticidade no momento em que a grande mídia, co-autora do evento, atira no próprio pé ao ‘denunciar’ um dos seus personagens, no caso o técnico do Vasco.

Até pela violência na cidade, dar a notícia da instrução ‘maldosa’ do técnico, e o bate-boca entre os jogadores antes do jogo, sem dúvida inclui os dois eventos num mesmo cenário. Neste caso então, a notícia poderia ter adquirido tom menos provocador, se isso é possível de se conseguir quando se está no meio do furacão.

O que soa triste e irônico é ouvir Galvão Bueno pôr a culpa apenas em técnicos e dirigentes dos clubes, e não em seus parceiros de trabalho neste maravilhoso espetáculo que é o futebol.

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Jornalista