Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O homem que inventou a internet

Enquanto o Brasil, um quê envergonhado, parou na última semana para lembrar o Ato Institucional de número 5, imposto pela ditadura militar, o Vale do Silício celebrava outro aniversário. Na mesma semana do AI-5, em 9 de dezembro de 1968, um cientista de 43 anos chamado Douglas Engelbart apresentou ao mundo, de uma só tacada, o mouse e a internet.

Aquela apresentação, apelidada de ‘a mãe de todas as apresentações’, foi realizada na Universidade de Stanford para uma platéia de engenheiros da computação estupefatos. A ArpaNet, que viria a se transformar na internet, só seria inaugurada alguns meses depois e cientistas de todos os EUA estavam empolgados com a novidade. Aproveitando-se desta animação, Engelbart se propôs a demonstrar os possíveis usos de uma rede de computadores como aquela.

O trabalho que ele apresentou não foi organizado de uma hora para outra. Ele e sua equipe de Stanford vinham pesquisando, com verbas da NASA e do Pentágono, desde 1963. O mouse é apenas uma das ferramentas que eles criaram e demonstraram em 68. (‘Como esse instrumento lembra um ratinho’, disse Engelbart naquele palco, ‘alguns de nós começamos a chamá-lo de mouse; talvez o nome cole’.)

Mais banda

A festa destes 40 anos se deu em Stanford, no mesmo palco em que a revolução teve início. Durante 4 horas, na tarde do último dia 9, a platéia pôde assistir ao vídeo da apresentação, a um debate com os sobreviventes da equipe de Engelbart, e a palestras.

O filme é qualquer coisa de espetacular. O velho cientista tinha um telão às suas costas de maneira que o público podia ver o que ele fazia na tela. Alguns risos de fascínio podem ser entreouvidos quando ele apresenta o mouse. Seu monitor estava ligado em rede a um computador no outro lado da cidade. (Não custa lembrar: computadores contavam-se às dezenas no mundo. Vários monitores podiam ser ligados a um só computador, mil vezes menos poderoso do que um iPhone.)

Após apresentar o mouse, como uma versão mais antiga de Steve Jobs apresentando seus novos produtos, o velho cientista pôs-se a navegar na tela clicando em links. Que ele chamou de links. E, a cada link, uma nova página era aberta com novos textos e novos links. A web foi criada apenas em 1989, mas já estava esboçada.

Dotado de um rádio transmissor, enquanto apresentava as possibilidades daquela rede que estava para nascer, o cientista conversava com sua equipe, no laboratório, que a tudo acompanhava. Em um momento, ele faz mágica: faz aparecer uma janela no monitor e lá está o rosto, em movimento, de um de seus engenheiros. Eles começam a conversar: videoconferência. Skype em preto e branco no ano de 1968.

Aquilo foi trapaça: embora o vídeo estivesse realmente no monitor de Engelbart, a transmissão não foi feita pela rede computacional mas sim pelo ar. Uma transmissão comum de TV. As duas novidades, ali, eram a possibilidade de digitalizar a transmissão de vídeo para que ele aparecesse no computador, e a demonstração de que, com mais banda e algum poder maior nos computadores, conversas por vídeo seriam possíveis.

Palmas e mais palmas

A tecnologia de digitalização que eles desenvolveram foi aproveitada alguns meses depois, pela NASA, para transmitir ao vivo, pelo mundo, a chegada do homem à Lua.

O mais impressionante da mãe de todas as apresentações, não é isso. Naquela platéia, na festa de 40 anos, acompanhando o vídeo, depois os debates e palestras, estavam jovens cientistas da computação fascinados. Engelbart não possibilitou apenas uma transmissão ao vivo da Lua ou apresentou o mouse ao mundo. Fez muito mais do que isso: imaginou a internet e, ao imaginar, guiou por décadas o seu desenvolvimento.

O velhinho se levantou, a um dado momento. Está com 83 anos. O auditório inteiro se pôs de pé para aplaudi-lo por alguns minutos. Uma ovação de reconhecimento que encheu-lhe os olhos de lágrimas. Muito pouca gente ouviu falar do nome de Doug Engelbart. Nestes 40 anos de sua cria, é hora de mudar isso.