Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jornalista que chegou ao STJ

O Brasil tem dado maus exemplos para quem deseja vencer na vida com esforço. A sociedade resolveu incorporar um figurino que se destaca pela inversão de valores, como a premiar a mediocridade pela competência, a eficiência pela ineficácia, o estudo pela malandragem, o certificado ou o diploma pelo improviso, a mentira pela verdade, a esperteza pelo respeito às normas de conduta moral. A saudação de hoje é para os que distorcem os fatos e confiam nas versões.

Poucos candidatos à vida universitária preferem ingressar num curso superior que goze de conceito através do corpo docente. O que importa é entrar de qualquer jeito na universidade, ainda que seja pela porta dos fundos. Há cursos que recebem em troca da matrícula uma cesta básica, o resto se resolve depois; outros personalizaram o vestibular. O anúncio está na TV. Os cursos que se prezam em São Luís (MA) abriram guerra contra a empulhação. O que importa à maioria é sair com o canudo debaixo do braço. Nem sempre protegido de um antitranspirante, para não inutilizar o documento. A facilidade é a bíblia dos medíocres.

Nessa onda de paradoxos o homem que sentia orgulho da conquista, com base no trabalho e na luta, sente-se frustrado pelo modelo de comportamento oferecido à juventude. Nessa roda-gigante da vida há uma esperança naqueles que obtiveram sucesso, com empenho e sem temer a concorrência. Estes não medirem esforços para atingir os objetivos. Entregar-se aos estudos desafiando as madrugadas e sacrificando o lazer era a rotina. A luz tinha que ser baixa, para economizar na conta da energia elétrica. Os que assim procederam souberam valorizar verdadeiramente uma vitória sem reparos.

Sem gasolina

Nem tudo está perdido. Ainda existe quem possa servir de exemplo. Em particular aqueles que desejam vencer na vida, fazendo esforço. Não vou longe e revelo o nome: Edson Vidigal. Nascido pobre, num beco, não se envergonha de confessar ser do Urubu, em Caxias (MA). O caminho trilhado para chegar ao seu destino foi longo, tortuoso e íngreme.

A obstinação de Vidigal era o jornal. Pouco lhe importou se começaria como jornaleiro, vindo a dormir sobre fardos de papel. Ao anunciar as manchetes, o fazia aos gritos, como era o costume. Morava de favor na Casa do Pequeno Jornaleiro. Certo dia dormiu na calçada, ao relento, pelo atraso. Nessa noite lhe apareceu um anjo e tinha nome: o poeta Bernardo Coelho de Almeida. Comovido com aquela cena, acordou-o convidando-lhe para pernoitar na sua casa. Nela permaneceu por algum tempo. Edson Vidigal, ao assumir uma cadeira na Câmara Federal, em 1979, foi sincero e honesto, ao dizer, sem rodeios e floreados acadêmicos: ‘Venho do Beco do Urubu, em Caxias, onde nasci e de onde parti, alistando-se na luta do Maranhão’.

A trajetória de Edson Vidigal pelos caminhos da vida é rica de acontecimentos. Todos marcados pela força de um ideal, do qual nunca se afastou: ser alguém, que pudesse, entre os grandes, ouvir, falar, discordar e disputar. Entendeu cedo que só o estudo sério, a leitura que nunca sacia aos que têm fome de saber, muita luta e audácia o levariam ao pódio de suas aspirações. A preocupação sempre esteve voltada para o Maranhão. Ao olhar seu passado, lembro-me da promessa que Honoré de Balzac fez a si mesmo, quando criança: ‘Eu ainda realizarei com a pena o que Napoleão não fez com as balas’. Honoré deixou A Comédia humana, um clássico, Vidigal pisa firme para deixar o seu rastro.

Eu que trabalhei e convivi com ele nas redações de jornais como Jornal do Dia (hoje O Estado do Maranhão), Jornal de Bolso (da mesma empresa) e Rádio Difusora conheço o seu potencial. Sabia que um dia atingiria o alvo perseguido. Vidigal sempre foi muito irrequieto, inteligente e rápido no tecer os fatos, como repórter, sem desprezar o gosto pela prosa curta e bem elaborada. Sem dúvida o melhor da minha geração. No Jornal de Bolso do qual eu era editor, já com o bonde andando, após sua chegada de um curso que fez na Editora Abril, se incorporou à equipe. A vendagem do vespertino assustou os concorrentes. As novidades do curso serviram bastante.

Nessa época eu tinha um automóvel marca Gordini e o Vidigal sempre pedia emprestado para ‘assuntos de emergência’, ou seja, uma entrevista, reportagem, visita a amigos etc. Magno Bacelar, que era o chefe, não fazia cerimônia e com a mesma justificativa lá ia o meu Gordini para mais um ‘assunto de emergência’. Cuidando de fechar o jornal, quando eu voltava para casa, altas horas da noite, a gasolina mal dava para chegar.

Vidigal queria ser jornalista de qualquer maneira. Pouco se importou de começar como jornaleiro. Depois tentou a política, elegendo-se vereador por Caxias. Dois anos depois o cassaram. Elegeu-se deputado federal e, no Congresso Nacional, deixou um saldo de trabalho e rebeldia contra a acomodação dos partidos, em plena ditadura. A emenda da eleição direta contou com a sua assinatura. Tentou ser deputado estadual fazendo campanha numa bicicleta velha. Furou os pneus do veículo, não se elegeu, e viajou direto à lua, onde continuou a sonhar.

Finalmente em Brasília, saído às pressas de São Luís, para evitar problemas pelos artigos inflamados contra o governo Nunes Freire, um homem honesto, mas de poucos palavras, ele estudou, fez direito na UnB, formou-se e terminou como professor da própria instituição. Por mérito, ingressou no Superior Tribunal de Justiça e, no próximo dia 5 de abril, assumirá a presidência dessa alta Corte. No presente como no passado, continua assumindo posições polêmicas. O que nos leva a acreditar que o ministro Edson Vidigal permanecerá sendo Edson Vidigal. Ainda bem que o meu Gordini, não existe mais.

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Professor universitário, jornalista e advogado; e-mail (sbjorge@uol.com.br)