Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O limão e a limonada

A grande imprensa espalhou pelo Brasil nesta semana a foto de ar triunfal (Estado de S.Paulo, A4, capa, 19/5/05) reunindo em torno de mesa no Congresso lideranças expressivas do PSDB e do PFL. Os parlamentares ali formalizavam o requerimento para a criação da CPI dos Correios contendo 230 assinaturas de deputados e 46 de senadores.

Do limão da malandragem pontual de um chefe de contratação da ECT a oposição tenta fazer uma limonada para sugerir a contaminação de toda a administração petista federal. Assim os tucanos e pefelistas podem abrir o debate sucessório, não lhes importando o custo do país gerenciado em ambiente de CPI.

Evidentemente que é sadio do ponto de vista da evolução sociológica da sociedade brasileira a crescente consciência e indignação com aqueles que se aproveitam dos cofres públicos. Não é isto que estas linhas pretendem inibir. Como bem diz Janio de Freitas, a nação cresceu com o desvendamento das Comissões Parlamentares de Inquérito, tanto aquela que afastou Fernando Collor como a dos Anões do Orçamento. Mas embora tais precedentes configurem evolução cívica brasileira, eles reagiam a patamar de corrupção bem mais elevado e sistêmico.

Há em ação no momento um outro vetor que está criando um clima generalizado de desalento, para o qual toda a imprensa muito contribui. Ele calça espetáculos de Policarpo Quaresma. É a idéia de fracasso do governo Lula. Esse pessimismo endêmico e mesmo desonesto atropela e sufoca as conquistas da administração petista. De pouco vale a desmontagem do temor de que o PT desprezaria a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em vez de os jornais passarem à população a alegria do sucesso da balança comercial, capaz de segurar o índice de emprego, insistem em focar as dificuldades naturais do comércio Sul-Sul. Perdemos nas trocas com a Nigéria anualmente 4 bilhões de dólares, tanto quanto a soma de nossas importações e exportações em direção à França – será que o leitor comum, esse que nas páginas impressas entretém-se com os eventos do Ano França-Brasil, e que da África só conhece sangue, dá-se conta disso?

Que os pefelistas e tucanos reunidos à mesa do Congresso exibam ar triunfal ao vencer a primeira batalha da campanha de 2006, é direito deles. Mas engessar a difícil gerência de um país problemático como o nosso a partir de um backshish de 3 mil reais melhor seria definido como um velório.

******

Diretor do Instituto Afrânio Affonso Ferreira, Bahia