Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O poder dos outros

Hoje a velha máxima ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’ ou tem o prazo de validade vencido ou prestes a vencer. A dinâmica das relações dentro e fora dos muros da empresa mudou. Um novo modelo mental se impõe, um novo comportamento é exigido, diante da realidade que se transforma em uma velocidade assustadora, redefinindo as regras do jogo e fazendo com que haja a prevalência do diálogo como forma fundamental de relacionamento da empresa, que passa a considerar que todos são tudo. Ou seja, por exemplo, o empregado da empresa é empregado, é formador de opinião, é consumidor e assim por diante, nos seus múltiplos papeis.

Sabemos que a empresa não é mais produtora exclusiva de suas narrativas, geradora de seus conteúdos pré-fabricados. Há outros e novos protagonistas na história. Hoje há claramente definida uma rede de relacionamentos estabelecida entre a empresa e quem se relaciona direta ou indiretamente com ela, que pode estar ao lado da fábrica ou do outro lado do mundo. O comunicador é o mantenedor desta rede, a qual gerencia a partir de um ponto de vista estratégico, político e econômico baseado no diálogo, que é o ritual de legitimação da construção de valor que a empresa, cada vez mais, necessita para sobreviver à agressividade do mercado.

Graças ao espantoso desenvolvimento da tecnologia, o diálogo foi muito facilitado, favorecendo as relações de mão dupla em tempo real ou em espaços breves de tempo. Mas, por outro lado, obrigou as empresas a serem verdadeiras e a construir nas suas relações dentro desta rede sua imagem, sua reputação e sua identidade. Comunicar-se, dialogar, não é pirotecnia de ferramentas tecnológicas ou de mídias, que carregam mensagens vazias, interesseiras, manipuladoras, de um lado para o outro para persuadir alguém a fazer ou a comprar alguma coisa, que provavelmente não precise.

Conversa séria

O mundo de hoje retirou e dispersou a centralidade de entidades até então sagradas como a empresa, a igreja, a universidade etc. Por isso, elas foram obrigadas a abrir-se a dialogar de maneira a legitimar, dar relevância e valor para as suas intenções e ações. Já não basta mandar um telegrama fechado ‘e pt saudações’. Diante desta nova realidade, na qual ouvidos e boca passam a ser partes vitais do corpo da empresa, surgem riscos: não ter o que dizer e falar besteira para ocupar o espaço, encantar-se mais pela tecnologia do que pela mensagem e cair no vazio ou tentar usar a comunicação para ‘lavar imagem’, ocultar o fosso entre o discurso, por exemplo, sistêmico e a prática possivelmente taylorista.

Dialogar não é fácil. A empresa precisa desejar, abrir-se a ele e preparar-se. O que significa ter tempo para a comunicação, para a interpretação, para a avaliação e a coragem para opinar, tomar uma posição. Significa encarar questões que preferiria ver abafadas, aprender a recuar, negociar, reposicionar-se ao invés de esconder, dissimular, despistar. E, principalmente, significa entender o nível de transparência no qual os assuntos e informações podem ser administrados, qual a opacidade possível a bem de interesses legítimos.

Ou seja, é preciso conversar sério. É preciso tornar disponível conteúdo de qualidade, conhecimento e interpretação da realidade. É preciso dar a conhecer não informação bruta, mas análise de impactos e canais interativos, por meio dos quais se ouça e se fale e fundamentalmente se estabeleça um relacionamento duradouro.

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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)