Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O poder está em nossas mãos

Não é novidade que veículos de comunicação brasileiros sejam utilizados para disseminar ideologias e alcançar interesses pessoais de seus proprietários. O fato é que o modo como esta utilização vem sendo feita ultimamente é bem mais explícita que antes.

Na década de 1980, quando o movimento civil ‘Diretas Já’ reivindicava eleições diretas para presidente, a Rede Globo de Televisão noticiou o fato de forma superficial, fazendo com que os telespectadores ficassem à margem daquele momento histórico. Na emissora de Roberto Marinho, o protesto não teve a visibilidade que merecia porque Marinho era associado à elite política dominante na época e, claro, queria manter a situação do país do modo que estava: fechado para a democracia. Isto é, de acordo com eles, o povo não precisava de ‘vez’, muito menos de voto para presidente.

Já a Rede Record, desde o final da década de 1980, quando o veículo passou a ser propriedade do bispo Edir Macedo – fundador da Igreja Universal do Reino de Deus – utiliza sua programação para tentar conquistar fiéis e incorporá-los ao ‘rebanho’ da referida igreja, presente em mais de 100 países. Também foi acusada várias vezes de fazer parte de um esquema de lavagem dinheiro. Atualmente é a segunda colocada nos índices do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), sendo, portanto, a principal concorrente da Globo na briga pelo primeiro lugar de audiência.

Ajuda ao regime militar

Hoje, os proprietários das duas emissoras fazem delas suas armas contra quem representa alguma ‘ameaça’, seja ela financeira ou ideológica. Um bom exemplo disso foi o último e talvez o mais intenso duelo travado entre elas, ocorrido neste mês.

Tudo começou no dia 11 de agosto, quando a Globo exibiu em seus principais jornais da noite, uma reportagem em que o bispo Macedo supostamente comandava, junto com outros membros da Igreja Universal, um esquema de lavagem de dinheiro. Ainda de acordo com a matéria, a prática ocorre há pelo menos 10 anos, com uma movimentação de aproximadamente R$ 1,4 bilhão por ano em dízimos coletados em 4,5 mil templos de 1,5 mil cidades do país.

Além disso, a matéria frisava que o dízimo exigido pela igreja de Macedo estava sendo usado para desvio e corrupção. ‘O dinheiro era aplicado na compra de aeronaves, imóveis e empresas de comunicação, como emissoras da rede Record’, disse matéria da Globo.

No dia seguinte, a emissora de Macedo retribuiu, exibindo em seu principal noticiário, o Jornal da Record, uma reportagem – com o dobro do tempo que a veiculada pela concorrente – segundo a qual a Globo teria sido ajudada pelo regime militar e teria supostamente agido com predisposição no debate entre os então candidatos à Presidência da República, Lula e Collor, na eleição de 1989, da qual Collor foi vencedor.

O botão vermelho

Durante uma semana, ambas emissoras trocaram farpas em seus programas jornalísticos. O que causa desalento é saber que a audiência, que só presenciou uma parte da discussão e não a observou de forma crítica, tem grande possibilidade de estar convencida de que esta versão é a correta, ou o menos ruim, se comparada à outra que conheceu a partir dos comentários e debates que os outros espectadores travaram a respeito do caso.

E esse, efetivamente, é o objetivo dessa briga de dinossauros: persuadir o espectador e, assim, conquistar sua confiança para ganhar os pontinhos do Ibope de cada dia. Afinal, audiência significa maior receita publicitária, o que, por sua vez, é sinônimo de lucro.

Mas eu prefiro acreditar que, depois de presenciar este round, os espectadores saiam, definitivamente, desta arena de interesses pessoais em que se tornaram as maiores emissoras da televisão brasileira. Telespectadores do Brasil, quando começar o 2º round, se começar, analisem as entrelinhas dos discursos que estão adentrando em seus lares ou façam melhor, não se esquecendo para que serve o botão vermelho do controle remoto.

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Estudante de Jornalismo da Faculdade 2 de Julho, Salvador, BA