Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O que a grande mídia não percebeu

A Cúpula recém-concluída em Brasília, reunindo chefes de Estado de países árabes e sul-americanos, acabou trazendo mais ruído político do que os avanços diplomáticos e comerciais pretendidos pelo governo brasileiro.


Seria ingenuidade esperar que uma reunião de chefes de Estado não viesse a ter cunho político, mas apenas comercial como declaravam os responsáveis por nossa política exterior até as vésperas do encontro. Se era esta a intenção, haveria instrumentos mais eficazes e focados para isto, como um evento que convidasse empresários e eventualmente ministros ligados ao comércio exterior.


O objetivo perseguido pelo Itamarati de conquistar o merecido relevo na comunidade internacional para o país, parece não se ter fortalecido com a cúpula, ao mover a respeitada tradição conciliatória da diplomacia brasileira para mais próximo de uma postura confrontadora.


O Brasil perdeu uma chance preciosa de brilhar no cenário mundial como exemplo de convivência harmônica entre suas comunidades – especialmente as árabe e judaica – e de fazer da Cúpula um palco para novas propostas efetivas para a paz no Oriente Médio, ao invés de proporcionar holofotes para ataques unilaterais e destrutivos, perfeitamente previsíveis.


Não é demais lembrar como a Conferência Internacional sobre Racismo, realizada em Durban pouco antes do fatídico 11 de Setembro, assaltada por virulentos ataques maniqueístas contra os Estados Unidos e Israel, aqueceu o caldo de cultura pseudo-terceiro-mundista que elegeu esses países às categorias de Grande Satã e Pequeno Satã, contribuindo para o hediondo crime das torres gêmeas.


Contudo, é de se aplaudir e dar o devido crédito à diplomacia brasileira o repetido apelo a soluções pacíficas presentes ao longo do texto da Declaração de Brasília. E algo de importância histórica passou despercebido, entre suas centenas de linhas, pela esmagadora maioria dos comentaristas da imprensa brasileira.


Deve-se comemorar que, num documento firmado por muitos países árabes componentes da frente de rejeição (como Síria, Líbia e Argélia), faça-se um apelo ao estabelecimento de um Estado Palestino ao lado do Estado de Israel, o que implica o reconhecimento explícito e oficial do Estado judeu por países que jamais haviam aceitado a sua existência, apenas agora quando o Estado de Israel já está celebrando seu 57º aniversário de independência.


Se isto não é pouco, o documento ainda exorta à resolução do conflito entre israelenses e árabes através do road map, proposta esta já aceita pelos governos da Autoridade Palestina, de Israel, e pela própria ONU.


‘Coexistindo pacificamente’


O Brasil tem larga vocação para a conciliação e a paz. Na geopolítica do Oriente Médio em particular, onde o brasileiro é recebido calorosamente por israelenses, árabes e palestinos, temos todas as condições de sermos um catalisador determinante de uma paz justa e duradoura.


Nossa diplomacia já descobriu há muitos anos que o mais sábio não é se posicionar nem contra Israel nem contra os palestinos. A opção é estar a favor tanto do povo israelense quanto do povo palestino em seus igualmente legítimos direitos à soberania nacional.


Perseverando nesta abordagem pacifista, o Brasil terá melhores condições de conquistar um lugar de destaque na comunidade internacional e mesmo no Conselho de Segurança da ONU, quanto mais se distancie de posturas de confronto e apóie com firmeza uma solução de dois Estados – Israel e Palestina – para o conflito.


Tal atitude não o afasta nem do terceiro-mundo, nem dos EUA ou da Europa. Certamente não constrangeria nem os brasileiros árabes nem os brasileiros judeus.


A rota para este avanço diplomático já está indicada em algumas linhas da Declaração de Brasília, endossada por dezenas de países sul-americanos e árabes, que…




…reafirmam a necessidade de se obter uma paz justa, abrangente e duradoura no Oriente Médio, com base no princípio da terra pela paz e nas resoluções pertinentes do Conselho de Segurança e da Assembléia Geral das Nações Unidas, particularmente as Resoluções 242 (1967) e 338 (1973) do Conselho de Segurança, assim como o Acordo-quadro de Madri e a Iniciativa de Paz Árabe, que garanta a segurança de todos os países da região. (…)


…sublinham também a necessidade da plena implementação do Mapa do Caminho. Reafirmam a necessidade da realização dos direitos nacionais legítimos do povo palestino e da implementação da Resolução 1.515 (2003) do Conselho de Segurança, assim como da criação do Estado Palestino independente, com base nas fronteiras de 1967, coexistindo pacificamente ao lado do Estado de Israel, e da retirada de Israel de todos os territórios árabes ocupados para as fronteiras de 4 de junho de 1967, e do desmantelamento dos assentamentos, inclusive daqueles em Jerusalém Oriental. (…)


Iniciativa de Genebra


De um encontro onde só um dos lados do conflito árabe-israelense estava representado, seria fantasioso esperar um texto menos parcial, ou mesmo mais conciliador. Seria demais também aguardar de um concerto de governantes de regimes predominantemente totalitários qualquer exaltação à democracia.


Mas certamente Mahmoud Abbas, o festejado presidente da Autoridade Palestina, ficaria agradecido com um texto que condenasse com mais veemência o terrorismo, sem dar margem a justificativas ou relativizações. Tal documento daria a ele respaldo necessário para controlar os focos de extremismo palestino, que, não só ameaçam o processo de paz, como também o da construção de um Estado Palestino democrático, que ele vem liderando.


A diplomacia brasileira pode assumir uma liderança nos esforços para a paz efetiva no Oriente Médio, baseada no princípio de ‘dois Estados para dois povos’. Pode ter importância decisiva para dar nova vida a planos de paz como o road map, que está virtualmente adormecido, pelo descumprimento das duas partes de cláusulas fundamentais: de um lado, pela continuidade das atividades de assentamento israelense nos territórios ocupados; do outro, pela manutenção do poder de destruição dos grupos terroristas palestinos.


O potencial brasileiro para tornar-se um ator central na reativação do processo de paz, conquistando para si o merecido espaço na comunidade mundial, pode se concretizar através da articulação internacional de apoio a iniciativas que proponham soluções justas para os pontos críticos do conflito, como as propostas da Iniciativa de Genebra [clique aqui para ler a versão em português no site do movimento Paz Agora ]. Esta, além de contar com o apoio de grandes massas da população israelense e palestina, vem obtendo grande adesão em todo o mundo.

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Coordenador dos Amigos Brasileiros do Paz Agora