Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que pensam os editores


Censura criativa, mas censura


Euripedes Alcântara # diretor de Redação da revista Veja


Nem tudo que é legal é ético. A decisão da Petrobras de publicar em seu blog as perguntas dirigidas à empresa pelos jornalistas e respondê-las publicamente antes mesmo de saber como foram aproveitadas nas reportagens pode ter amparo jurídico.


Mas é claramente uma posição de força sem precedentes no convívio entre empresas privadas de mesmo porte e, ainda, mais violenta quando tomada por uma empresa que pertence ao povo brasileiro, seu controlador.


Uma posição de força dessa natureza, a meu ver, só faria sentido se fosse iniciativa de uma nação estrangeira contra jornalistas brasileiros em uma situação de guerra externa. Não é esse o caso.


Uma medida sadia seria gravar as entrevistas concedidas à imprensa por seu presidente e seus diretores e, uma vez constatada que a edição desfigurou a mensagem original ou colocou as informações fora de contexto, dar publicidade à íntegra da conversa com a ênfase nos trechos suprimidos ou desfigurados.


Atropelar a apuração jornalística é uma forma de censura, muito criativa, sem dúvida, mas censura.


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Deselegância e intimidação


Sergio Lirio # redator-chefe da CartaCapital


Publicar as perguntas dos jornalistas antes de o material ser publicado nos respectivos veículos é mais do que um ato de deselegância. Cheira um pouco a intimidação, incompatível com uma empresa que afirma não temer as investigações.


Inútil, em todos os casos, pois acaba por gerar um noticiário negativo à empresa, justamente o que os estrategistas de comunicação da Petrobras almejam evitar.


Mas será perfeitamente normal, e salutar, se a companhia utilizar o blog para publicar a íntegra das perguntas e respostas após o material sair publicado ou prestar esclarecimentos adicionais a respeito de uma determinada notícia. Principalmente se a edição sonegar ou distorcer informações prestadas.


Sabemos que durante CPIs a imprensa costuma fazer o contrário do que deveria: torna-se menos e não mais criteriosa e vigilante na seleção e divulgação dos fatos, sob a desculpa das pressões da competição pelo furo, além de frequentemente se deixar usar por interesses particulares ou eleitorais travestidos de interesse público.


Outro comportamento bastante comum da mídia nesses momentos é ignorar com mais frequência seus erros e não conceder a um indivíduo ou empresa atingidos o devido espaço de retratação.


Misturados à manada que alegremente pisoteia o bom senso, as regras básicas da profissão e a autonomia do pensamento (que deveria nortear um jornalista do raiar do dia ao fim da jornada diária), repórteres, editores e veículos sentem-se mais confortáveis para cometer aleivosias e assassinatos de reputação ou para reproduzir erros alheios sem se dar ao trabalho da checagem.


Quem já foi injustamente alvejado por CPIs sabe bem o que isso representa. No caso de uma companhia com ações nas Bolsas de Valores, milhões de dólares em contratos e sentada sobre reservas espetaculares de gás e petróleo, os prejuízos podem ser incalculáveis e irreversíveis.


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Um erro, um abuso, um disparate


Luiz Antonio Novaes # editor-executivo de O Globo, responsável pela edição da 1ª página


O risco de vazamento é inerente à atividade jornalística. Não é de estranhar que um repórter tope com um personagem que, na impossibilidade de impedir a publicação de uma denúncia, torne-a pública , a seu modo, antes que ela seja bem concluída e documentada.


O que é surpreendente e sui generis, nunca antes visto na história desse país, é que uma instituição do porte da Petrobras anuncie que o vazamento será a praxe do seu relacionamento com a imprensa.


É fácil entender que, em épocas de CPI, os furos jornalísticos incomodem mais do que as investigações parlamentares, sempre sujeitas ao jogo político. Mas não é possível que a Petrobras, desconhecendo regras elementares do jornalismo e do trabalho de assessorias de imprensa, seja tão ingênua a ponto de achar que vai acabar com o furo por decreto.


A ‘reinvenção’ do jornalismo vem à tona uma semana depois que a estatal, apesar de possuir mais de mil profissionais de comunicação em seus quadros, preferiu contratar uma empresa externa para enfrentar a CPI.


A lógica que agora move a direção da empresa parece não ser mais a da comunicação, mas a do marketing político. Nele, como vimos à exaustão nas últimas campanhas eleitorais, a imprensa precisa ser desqualificada e demonizada como inimiga política.


O que podem estar querendo, atropelando a ética dessa forma, é tumultuar e impedir a reportagem, para supostamente provar que, no jornalismo, tudo é opinião. É um erro, um abuso e um disparate – que merece o repúdio de todos.


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O que é inadequado


Otavio Frias Filho # diretor de redação da Folha de S. Paulo


A Folha de S.Paulo considera que o teor do blog ‘Fatos e Dados’ está na esfera de autonomia empresarial da Petrobras. Não considera adequado, porém, que questionamentos jornalísticos endereçados à empresa sejam tornados públicos por meio daquele blog antes que as respostas possam ser avaliadas e utilizadas pelos veículos que enviaram as interpelações.


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Um mal entendido a ser corrigido


Ali Kamel # diretor-executivo de jornalismo da Central Globo de Jornalismo


Todos nós que trabalhamos em redações de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão e sites da internet temos a noção exata do valor de uma informação exclusiva: revelar um fato em primeira mão é um atributo da qualidade do trabalho jornalístico, que o público reconhece e valoriza. Não há ‘nova era’ que modifique isso. Mesmo um site jornalístico, que publica notícias em tempo real, quer ser o primeiro a dar um furo, porque sabe que, se isso for uma constante, atrairá cada vez mais pessoas que buscam bom jornalismo. Isso é uma verdade aqui e em toda parte do mundo.


No trabalho cotidiano, no contato com as fontes, procura-se deixar isso bem claro, especialmente para aqueles que não conhecem a dinâmica do trabalho da imprensa, geralmente cidadãos comuns ou pequenas e médias empresas sem departamentos de comunicação estruturados. Nestes casos, explica-se também que as entrevistas fazem parte de um processo de apuração, que pode ou não levar à publicação de uma reportagem. Na maior parte das vezes, isso é bem entendido.


Quando são grandes empresas, de reputação sólida, a explicação costuma se absolutamente desnecessária: elas conhecem a seriedade dos órgãos de imprensa, sabem que o propósito deles é informar bem e não vêem problemas em guardar sigilo. Mesmo quando o assunto não é agradável, mesmo quando se trata da investigação de alguma denúncia. As grandes empresas sabem que, não havendo culpa, dolo, má-fé, basta dar as explicações.


Os problemas só acontecem quando a fonte, objeto da denúncia, não tem confiabilidade: neste caso, todo tipo de sabotagem é posto em marcha. Se houvesse uma regra geral, ela deveria ser formulada assim: quanto menos caráter e mais culpa tem a fonte, menor é a probabilidade de um órgão de imprensa, ao ouvi-la, conseguir manter a exclusividade da informação. Em muitos casos, tenta-se até a censura por meios de ações no Judiciário.


Evidentemente, esse nunca foi o caso da Petrobras, uma empresa que mantém com a imprensa, historicamente, uma relação altamente profissional, absolutamente correta, ética e desapaixonada. Neste governo e nos anteriores, prestou sempre todo tipo de esclarecimento quando solicitada, respeitando invariavelmente o princípio da exclusividade.


A Petrobras, uma empresa que detém informações estratégicas, que, por força de regulamentos, devem ser mantidas em sigilo para não privilegiar ou prejudicar investidores, sabe, como poucas, como lidar com a imprensa. Eu não posso atribuir a outra coisa senão a um brutal mal-entendido essa decisão de tornar públicas as consultas dos órgãos de comunicação antes que os mesmos façam uso das informações obtidas por meio delas.


Após a publicação da reportagem, a Petrobras e qualquer outra empresa, se assim considerar necessário, podem tornar pública a íntegra das respostas. Não há mal nenhum nisso: jornalista algum se oporá a íntegras. Antes da publicação, porém, íntegras serão sempre uma atitude de desrespeito, não a veículos específicos, mas à imprensa, uma instituição que, numa democracia, deve ser sempre prestigiada.


Mal entendidos acontecem, e são corrigidos. Não tenho dúvidas de que a Petrobras, após refletir sobre a questão, porá fim à prática.


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O falso antagonismo


Ricardo Gandour # diretor de conteúdo do Grupo Estado de S. Paulo


A Petrobras – tenho convicção, não por má fé, mas por falta de compreensão e aprofundamento de um assunto complexo e contemporâneo – caiu numa armadilha conceitual que foi a de achar que a sociedade pode prescindir da edição.


Isso fica claro quando ela diz que a blogosfera permite o contato direto com as fontes de informação sem a necessidade de um filtro. É o mesmo que desistitucionalizar a imprensa.


A sociedade não pode prescindir da imprensa e dos valores da edição.


A Petrobras dá a entender que o sigilo que a imprensa precisa para uma apuração se contrapõe à transparência.


Ora, o sigilo é transitório. Ele faz parte de um método de trabalho que sustenta a construção de um contexto em uma apuração completa. Culmina na transparência total.


Criar um antagonismo entre o sigilo da apuração e a transparência é falso. E pode, em último caso, jogar a opinião pública contra a imprensa, o que não é produtivo nem para a sociedade como um todo nem para a democracia.