Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O retrato da corrupção

É um marco no nosso jornalismo a reportagem especial da revista Época (edição nº 513, de 17/3/2008) sobre a corrupção no Brasil. O trabalho representado por mais de uma centena de entrevistas, e a análise de 216 operações realizadas pela Polícia Federal desde 2003, resulta num retrato inédito desse mal que afeta as chances de desenvolvimento do país.


Segundo as estimativas apresentadas pela revista, o Brasil perde todos os anos cerca de 130 bilhões de reais, o equivalente a 5% do Produto Interno Bruto. Isso quer dizer que a corrupção corresponde a um imposto de 5% sobre toda a riqueza produzida pelos brasileiros, todos os anos. Um imposto que vai para criminosos instalados na iniciativa privada e no setor público.


Alguns casos analisados pela revista Época indicam que, muito provavelmente, parte desse dinheiro financia políticos que resistem às reformas de que o Brasil necessita.


Pela primeira vez, o leitor tem, numa só reportagem, um resumo dos principais casos de quadrilhas desmanteladas nesse período pela Polícia Federal, quase sempre em parceria com o Ministério Público e a Receita Federal. Mas também fica sabendo que apenas uma pequena parcela dos acusados, apenas sete de cada centena de suspeitos, vão para a cadeia.


É claro que deve-se levar em conta que uma porcentagem dos acusados é inocente, mas o que a reportagem revela é o aumento da eficiência das investigações e a permanência da incapacidade da Justiça de condenar e manter presos os culpados. A revista observa que a quase certeza da impunidade é o que alimenta o crime.


Imprensa pode cobrar


A reportagem histórica de Época repete algo que já se sabe há muito tempo: que a Justiça é lenta, despreparada para o volume de julgamentos que é obrigada a fazer, e sujeita a um emaranhado de leis que oferecem uma infinidade de recursos a quem pode pagar advogados espertos.


E também mostra que os concursos para juízes não selecionam magistrados capacitados a lidar com questões de administração e contabilidade, o que os torna vulneráveis a manobras dos acusados, que agem nos meandros da lei.


A leitura da revista deixa no leitor uma sensação de desânimo, como a que deve se produzir no policial cansado de prender criminosos e vê-los liberados na semana seguinte. Mas também revela que o Brasil pode colocar um fim na impunidade geral: basta repetir no Judiciário a reforma feita na Polícia Federal a partir de 2003.


A imprensa pode cobrar essa reforma. Pode funcionar, se ela aplicar nisso a mesma energia que usa para pedir a redução de impostos e a flexibilização das obrigações trabalhistas das empresas, por exemplo.