Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O vantajoso mercado do marketing político

Minérios, energia, aviões… e consultoria política. A pauta de exportação das nações da América Latina já está maior e bem mais sofisticada. Tempos atrás, a política abaixo da linha do Equador era pouco complicada, definida por embates de figurões cuja ascensão e queda dependia dos arranjos de um punhado de poderosos provinciais ou do ‘dedo’ do caudilho nacional. A democracia mudou tudo.

Com eleições pautadas quase a cada ano, a política eleitoral se transformou em mercado livre. Os pretendentes aos palácios e tribunas não são mais príncipes herdeiros à espera da unção oficial, mas mercadorias a serem analisadas por clientes cada vez mais criteriosos. Antes de depositar seu voto, os eleitores – mais de 300 mil em toda a região – exigem ver o peso. É quando aparece consultor de campanha política, cuja arte já desponta como uma especialidade latino-americana.

Não faz muito tempo, os maiores estrategistas de campanha eram americanos. Afinal, com tradição secular, a democracia dos Estados Unidos aprimorou sua técnica. Quem cuida do espetáculo são os spin doctors – os ‘doutores’ de marketing –, que examinam o eleitorado, monitoram os sinais vitais da campanha e prescrevem estratégias vencedoras. São homens como Dick Morris, James Carville, Rob Allyn e Karl Rove. Analistas que saíram dos bastidores para se tornarem protagonistas da política dos EUA e, depois, do mundo. A América Latina era cliente fiel, consumindo caríssimos conselheiros gringos. O presidente do México, Felipe Calderón, contratou Dick Morris, ex-guru de campanha do ex-presidente Bill Clinton; Ravi Singh, especialista em campanhas na internet, atuou no México, na Colômbia e na campanha do ex-candidato José Serra no ano passado.

Eleições menores procuram assessoria à sua medida

Hoje, os marqueteiros falam espanhol e português sem sotaque. Com a volta da democracia, um mercado gigante se abriu para assessorar candidatos locais, estaduais e nacionais. Os estudiosos latinos absorveram técnicas avançadas de estatística, pesquisa de opinião pública, demografia e comunicação. ‘Campanhas políticas exigem dados demográficos de alta precisão e o Brasil faz censos de primeira classe desde os anos 40 e 50’, diz o analista político Amaury de Souza.

Mais do que técnicas, os consultores ‘nativos’ têm a vantagem da fluência cultural, conhecimento dos códigos e gíria locais. Dificilmente um guru de spin americano ou europeu teria o gingado ou o ouvido para as nuances e timbres da política de Guaiaquil ou Salta, muito menos o tempo e paciência para dominá-las. Não me esquecerei tão cedo de James Carville, careca e gigante, quase batendo a cabeça na porta do avião da Varig, enquanto pelo celular xingava a empresa, o país e o Cristo Redentor pelo atraso do seu voo para Nova York. E, quando dispõem de tempo, cobram fábulas.

Não que as campanhas latinas sejam bagatelas. Um candidato à presidência no México precisa desembolsar dezenas de milhões de dólares, e no Brasil, centenas de milhões. Mas há muitas eleições menores, de prefeitos, vereadores e deputados, que procuram assessoria à sua medida.

O spin também é nosso

A oportunidade criou o mercado. Milhares, os consultores voadores latinos vendem estratégia de campanha, seja em casa ou em países vizinhos. O Cuarto de Guerra, consultoria mexicana, ajudou a eleger o presidente equatoriano Rafael Correa, em 2006. Ano passado, a poucos meses da eleição presidencial na Colômbia, o governista Juan Manuel Santos perdia feio para o carismático candidato verde Antanas Mockus. Contratou o exótico consultor venezuelano J.J. Rendon, que veste trajes pretos de samurai e fuma sem parar, e virou o pleito, ganhando de lavada.

Há anos, os brasileiros – especialistas no ramo – cruzam o Atlântico para aconselhar políticos na África portuguesa, com excelentes resultados. Às vezes, as condições de trabalho são extremamente difíceis. O estrategista Carlos Manhanelli cita como exemplo o candidato a prefeito moçambicano que foi expulso da legenda a oito dias da votação por ciumeira do líder do partido. Os marqueteiros brasileiros lançaram-no candidato independente e repaginaram sua campanha, levando- o a vitória.

O spin também é nosso.

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Colunista do Estado de S.Paulo, correspondente da revista Newsweek, edita o site www.brazilinfocus.com