Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O xis do jornalismo impresso contemporâneo

O diretor-editorial do jornal Metro, Ricardo Anderáos, fez uma grata afirmação ao Comunique-se na última semana: ‘A capa de hoje (terça) foi destaque do Jornal da Tarde de ontem. A gente não tem vergonha de dar o que os outros já deram. Estamos preocupados com o público, e não com os jornalistas. Parece-me que os jornalistas escrevem para eles mesmos, não é? Um jornal, além dos escândalos do Congresso, tem que ser leve, ter humor. Isso não significa ser superficial’.

Anderáos falava do desempenho do jornal com distribuição gratuita que está fazendo imenso sucesso em São Paulo – com a tiragem já aquém da demanda – e que tem no horizonte aportar em outro estado brasileiro, por enquanto ainda não definido. Mas de sua declaração atenho-me à seguinte parte: ‘Parece-me que os jornalistas escrevem para eles mesmos, não é?’

A resposta não pode ser fechada a um simples ‘parece’ e pronto. Como apregoam a boa prática e o código de ética jornalísticos, o jornalista escreve guiado pela devoção de prestar informação precisa e relevante ao público. É este o ideal que deve orientar o exercício jornalístico. No entanto, a formação de um campo social – nos termos de Pierre Bourdieu – no âmbito da profissão suscita com fortes cores a indagação de Anderáos. A práxis desenvolvida ao longo dos anos destacou como valores diferenciais a exclusividade da informação e a velocidade com a qual ela é obtida.

Público diversificado e numeroso

Traduzido como linguagem de redação na conhecida expressão ‘furo jornalístico’, a aquisição de informação relevante e privilegiada se incorporou a um ethos, por meio do qual se deslumbra o prestígio e reconhecimento dos pares. Numa sociedade cunhada como a era do conhecimento, entre cujas características está o acelerado ritmo de processamento de informação – seja cultural, política, socioeconômica, ou estritamente científica –, o ‘furo’ se apresenta como um paradoxo crucial para entender o dilema dos jornais impressos, postos ante a responsabilidade de informar e formar do jornalista.

Primeiro, porque o advento do jornalismo online – sobretudo agora, com a expansão da blogosfera – preconiza uma linha cronológica da divulgação das notícias que impinge ao jornal impresso, em primeira instância, desenvolver e aplicar métodos mais eficazes e profundos de obtenção de informação privilegiada e, em segundo plano, mais importante, um domínio cognitivo mais abrangente e esclarecedor daquilo que se reporta. O que se noticia nos jornais freqüentemente já foi divulgado na internet, de forma mais sucinta e rápida.

O segundo aspecto relevante é que a repetição da notícia na versão impressa do que já foi prenunciado na internet reforça, de um lado, a homogeneização das notícias e, de outro, pode trazer ao leitor uma complementariedade da informação – esta última já é tendência da nova visão da imprensa, a exemplo, na Bahia, do A Tarde com sua política de integração de conteúdos.

Dentro deste contexto, está o grande xis da questão. O jornalismo impresso contemporâneo, curiosamente, pode caminhar na contramão de um ritmo frenético de informar primeiro e, ainda assim, não abrir mão de almejar o ‘furo’. Parece bobo, ou mesmo pretensioso, apostar que a ‘história’ do jornalismo, por assim dizer, está ressuscitando a necessidade, melhor, a possibilidade das grandes reportagens – estas que requerem mais tempo de investigação e que, por isso, são fontes primas de ‘furos’.

Está aí a grande oportunidade do jornalismo impresso. Além disso, uma tal visão dada por Anderáos ratifica este trilho promissor. O diretor-editoral de Metro só pode fazer aquela afirmação referida acima porque o produto que dirige trabalha com a gratuidade e com um público-alvo diversificado e numeroso. Portanto, não concorre diretamente com os outros jornais, tal qual a internet também não o faz.

À procura do furo e do prestígio

Mesmo assim, alguns dirão que a concorrência entre os profissionais subsiste como fator de pressão para os jornalistas correrem contra o tempo. Diria que em parte. Se cresce a tendência de jornais gratuitos, despreocupados com a exclusividade da informação mas, sim, com o acesso da população a conteúdos importantes, e se também a internet expande suas fronteiras, cumprindo o papel de informar primeiro para grandes massas, surge uma real possibilidade dos jornais se desvencilharem de um cronograma (a lembrar, a agenda setting de Nelson Traquina) restritivo e padronizado, e partirem assim para pautas autônomas, criativas, reveladoras e esclarecedoras.

Na prática, jornalistas poderão passar com mais freqüência dois, três dias, ou mesmo uma semana, cavando sua pauta, apurando uma boa reportagem. Sempre à procura do ‘furo’, inerente ao exercício jornalístico, sem se despreocupar com uma luta por espaço e prestígio no seu campo social, nem necessariamente estar alheio à sede do público. É como se aqui escrever para jornalistas fosse o mesmo que escrever para o leitor. E nos jornais impressos tal prerrogativa nunca se projetou com tanta proeminência. Só depende de as empresas começarem a enxergar esta porta.

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Jornalista, Salvador, BA