Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O culto ecumênico




AUDÁLIO DANTAS


Dia 31 de outubro, sexta-feira, às 16 horas na Catedral da Sé. Vou adiantar aqui uma informação importantíssima: para o livro que eu estou escrevendo sobre este caso, eu entrevistei todos os jornalistas presos, e entrevistei o juiz Márcio José de Moraes, que em 1978 daria a sentença responsabilizando a União pela morte do Herzog, o que foi uma coisa excepcional. Ele tinha então 30 e poucos anos, acho que 32 anos. Ele disse na entrevista o seguinte: ele era um advogado na ocasião e foi despertado para a questão da democracia, da luta necessária pelos direitos das pessoas, a partir do caso Herzog. Depois ele virou juiz, mas no dia do culto ele era advogado, tinha um escritório, e resolveu ir ao culto. Não tinha tido antes nenhuma participação política, nem nos tempos de diretório estudantil, mas aí, nesse dia, ele foi. Foi, vejam só, e assim como outras pessoas de outras categorias percebeu o movimento da praça, porque na praça dava para sentir no ar a tensão, porque ali podia acontecer tudo, principalmente porque nos prédios vizinhos havia policiais armados e aquela coisa toda. E esse juiz que teve a grande coragem dessa sentença, disse que não teve coragem de chegar à catedral, ficou no fundo da praça, comendo pastel.


Essa é uma história fantástica, porque era como que estivesse disfarçando, e acho que muita gente fez a mesma coisa. Mas, ao mesmo tempo, a gente sabe que naquele momento nasceu alguma coisa, foi um marco inicial de alguma coisa nova no país, no sentido da participação da sociedade, no sentido de que era necessário dar um basta àquela situação. Foi o que aconteceu.




ALBERTO DINES


O Estado de S.Paulo tinha sua página de opinião e se posicionou de forma bastante correta, mas a Folha estava começando ainda, e não tinha nem editoriais, tinha só as colunas assinadas. Aliás, não eram nem assinadas: eram colunas com iniciais: o meu era A.D., o do Samuel Wainer era S.W., o Mauro Santayanna era M.S.; e não havia editoriais. Foi em seguida, logo depois do culto ecumênico do Herzog, que a Folha deu um passo à frente do processo e começou a ter sua voz própria, a voz do jornal, a opinião do jornal: começou os editoriais. A Folha teve um papel muito importante, porque era um jornal de São Paulo. A imprensa do Rio estava muito distante disso, distante nos dois sentidos: distante sob o ponto de vista geográfico, e distante também porque a imprensa no Rio naquele momento estava muito próxima dos órgãos de segurança e não ousava confrontar o sistema. A imprensa de São Paulo agarrou esse fato com muito mais força e criou uma grande comoção.


 







Acesso principal da Catedral da Sé, em São Paulo, no dia do culto ecumênico pela morte de Vladimir Herzog; 31 de outubro de 1975
(acervo do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo)



AUDÁLIO DANTAS


A morte do Vlado é o divisor de águas. Eu gostaria de lembrar o seguinte: dos 25 sindicatos de jornalistas que tínhamos então, apenas sete ou oito, não me lembro exatamente, se manifestaram, mandando mensagens, telex, telegrama de solidariedade aos jornalistas, ao sindicato de São Paulo. A Federação Nacional dos Jornalistas mandou condolências. E nenhum outro sindicato, seja de operário ou de outras categorias, se manifestou. Nenhum.


O atual presidente [da República] Luiz Inácio Lula da Silva já era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Ele não se manifestou. Como não se manifestaram também outros sindicatos na morte do Manuel Fiel Filho, três meses depois, que era um operário metalúrgico. Eu quero dizer com isso que apesar desse movimento que era no sentido da denúncia, da busca, na resistência à ditadura, o movimento sindical estava muito fechado, muito recuado. E quero dizer mais ainda: o renascimento do movimento sindical a partir de 1977, com a greve da Scania, e depois as grandes greves, quando o movimento sindical assumiu um papel fundamental que possibilitou um passo importantíssimo na derrocada da ditadura que viria depois, foi [tudo] em função da morte do Vlado. Em 1977 os jornais começaram a abrir mais, e foi noticiado pela primeira vez a questão da falsificação dos índices de custo de vida de 1973-74, no tempo do Delfim [Netto, então ministro da Fazenda], e como os reajustes salariais eram feitos com base nesses índices, houve perdas salariais em todas as categorias. Uma das primeiras assembléias para cobrar esses direitos foi do Sindicato dos Jornalistas, um sindicatinho assim. Depois vieram os sindicatos operários e a primeira greve foi feita em função disso.