Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O espirro dos porquinhos

Foi Júlio César, o imperador ícone do Império Romano, quem explicou que, para manter o povo calmo e tranqüilo, sem revoltas, bastava dar à plebe pão e circo. Maquiavel, ao que me consta, nada acrescentou nesse milenar aforismo imperial. Com a mídia contemporânea tornou-se uma prática comum nos tempos modernos incutir-se medo e pânico à população, para mantê-la quieta e atenta com as desgraças do cotidiano e com suas próprias mazelas. Nem sempre o pão está disponível com a fartura desejada, mas o circo, todavia, está sempre presente, seja no futebol, na inflação ou na crise financeira internacional, nas endemias, na política (quer maior circo do que uma eleição?).

O medo e o pânico das guerras, o terrorismo internacional, o aquecimento do planeta, o banditismo urbano e rural e dezenas de outras maldades que enchem as páginas dos jornais e revistas são antecipadas pelos telejornais, e nos últimos anos pela internet, sendo esta tão escandalosa quanto qualquer um dos outros meios de comunicação.

É o que acontece com a gripe suína. Mais um pânico que alcançou as manchetes. Começa pelo nome incorreto, injusto e inapropriado, pois bem que poderiam denominá-la, desde o início, de gripe mexicana – afinal, foi lá que tudo começou com esse novo vírus A, o H1N1. Já tivemos a gripe espanhola no século anterior, esta sim, com um nível de mortalidade que deixaria os mexicanos envergonhados. Mas os especialistas da OMS – Organização Mundial da Saúde, preocupados com sua performance midiática, deram o nome de gripe suína.

Noticiário ideologizado

Pronto, ninguém da mídia contestou ou perguntou por que. Afinal, já havíamos tido a gripe aviária e o nome pequeno satisfaz as necessidades, é de fácil comunicação, até porque ninguém iria se preocupar com as centenas de milhares de suinocultores do mundo inteiro. Estes já se encontram em pânico, pois a carne de porco começa a ser rejeitada por alguns consumidores menos informados. Alguns países já proíbem a importação de carne suína, outros partem para o sacrifício de centenas de animais, vigiados de perto pela mídia, queimando os pobres porcos e enterrando-os em seguida. Não importa que falte a comida, o circo vai em frente e o pânico extremado é contido através dessas ações midiáticas, pois não se pode exagerar. O pânico tem de ser mantido sob controle, caso contrário pode degringolar.

Leio na Folha de S.Paulo, em matéria de Marcelo Ninio, que ‘ainda não há indícios de propagação em grande escala do vírus A (H1N1) fora da América do Norte, afirmou (em 2/5) a Organização Mundial da Saúde (OMS), alertando, porém, que uma pandemia do que vinha sendo chamado de gripe suína continua iminente’. Ótimo, é bom saber que reduziu, mas ainda é iminente? É, a mídia é assim, faz um carinho com uma mão e dá paulada com a outra. Em outras páginas do mesmo jornal, nos telejornais e também na internet, a todo o momento, entra um repórter para afirmar que ‘o Brasil está agora com quinze suspeitos’.

Até o ministro Temporão deu entrevista, semana passada, para confirmar que já tínhamos um ‘suspeito’ no Brasil. O jornal O Globo faz piadinha na sua primeira página através de uma charge, com porcos chovendo na cabeça de Lula. Meus Deus! O que é que o urubu tem a ver com as garças? Ah! Do lado, tem outra matéria afirmando que o Brasil não está preparado para controlar a gripe suína e só depois vem o esclarecimento de que agora essa gripe se chama de vírus A, seguida do novo nome H1N1. Sim, agora deu para entender, a mídia ideologiza o noticiário e já vai encontrando culpados.

Demonstrações de criatividade

Já o coitado do porco, que nada tem a ver com a história, continua no foco da mídia: gripe suína. Ao mesmo tempo, as lideranças das associações de criadores de suínos do mundo inteiro, inclusive no Brasil, liderados por Pedro de Camargo, já pediram à leviana e inconseqüente OMS para mudar o nome da gripe. A OMS concordou, admitiu o erro, mas apenas acrescentou as letrinhas ao lado do já conhecido nome. E a mídia repete em eco…

Desde ontem (3/5), o circo da OMS começou a arrefecer no México e os novos números de pessoas contaminadas caíram de forma sensível. Como toda gripe, ou virose, assim como foi a gripe aviária, há um pico inicial e depois amaina. Mas a mídia quer ‘sangue’ e ainda procura novas formas de explorar o tema, manter o medo e o pânico em evidência, afinal isso aumenta a audiência e vende mais jornal. Num telejornal da Globo News, que veiculou notícia importada, o repórter da TV canadense ‘quase’ entrevistou um porco, trancado na sua baia em uma fazenda no interior do país. Mal explicou que o porco foi contaminado por humanos… É isso aí! É o contrário…

Aqui no Brasil também tivemos essas demonstrações de criatividade por parte dos repórteres. Quando assisti uma entrevista do governador José Serra, do estado de São Paulo, lá na Agrishow, em Ribeirão Preto, no dia 27 de abril, fiquei na certeza de que agora a mídia e os políticos estão exagerando.

Uma tenda mequetrefe de periferia

O governador, não esqueçamos, foi ministro da Saúde deste país e não deveria brincar com essas coisas. Fez piada e ironia com o que chama de ‘porquinhos’. Conseguiu ser mais leviano do que a OMS. Demonstrou despreparo como governador para entender a situação e por isso faço sugestão ao seu eficiente secretário da Agricultura, João Sampaio, que é também um produtor rural respeitado, que informe ao governador Serra que ele deve ter perdido todos os futuros e possíveis votos de suinocultores que venham a assistir a essa entrevista. Fez humorismo de péssima qualidade. Mas, veja você mesmo, caro leitor, esse lamentável, irônico e inapropriado comentário do candidato a candidato a presidente da República, que está no YouTube, e tire suas próprias conclusões.

A indústria farmacêutica parece ser a grande beneficiária do novo pânico; as pessoas correm aos bandos para comprar nas farmácias os antivirais, de altíssimo custo. Foi assim com a gripe aviária. Foi assim com a febre amarela. A mídia faz um desserviço lamentável aos seus leitores.

Júlio César tinha razão na questão do circo e do pão. A diferença daqueles tempos é que o circo romano estava no Coliseu, entre gladiadores e entre feras comendo cristãos, enquanto o nosso circo contemporâneo é uma tenda mequetrefe de periferia. Pelo andar dessa carruagem eleitoral, assistiremos em 2010 a um festival circense de quinta categoria, com todo o apoio da mídia.

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Editor e publisher, DBO Agrotecnologia