Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Estado de S. Paulo – 1



CRISE DAS CHARGES
Editorial

A espiral da crise das charges

"E nquanto a União Européia (UE) dá mostras de tibieza diante dos ataques criminosos principalmente contra as representações diplomáticas da Dinamarca em capitais muçulmanas, como Damasco, Beirute e Teerã, em represália às charges blásfemas publicadas em um jornal do país nórdico – e reproduzidas por outros órgãos da imprensa européia -, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, acusou os governos do Irã e da Síria de incitar os atos de vandalismo, previsíveis porém injustificáveis a qualquer título. A acusação procede. Nesses países, a cólera antiocidental das massas ou é mobilizada ou abertamente tolerada pelos respectivos regimes autoritários – um, teocrático, o outro, secular. E são patentes os indícios de que agentes sírios inflamaram a multidão libanesa. (O governo de Beirute teve a decência de se desculpar com Copenhague.)

O estado de guerra latente entre os Estados Unidos e a Síria e o Irã – dois dos integrantes do ‘eixo do mal’ de que falava o presidente George Bush enquanto preparava a invasão do Iraque – não tira, portanto, a autoridade das palavras de Condoleezza. Elas também chamam a atenção para a retração da União Européia em face de uma crise que a envolve, se alastra e cujo desfecho não está à vista. Além disso, na esteira da situação excepcional, se não inédita, de não serem americanas as bandeiras que ardem no mundo islâmico – porque Washington teve a atitude sensata de se solidarizar de imediato com os ofendidos -, Bush foi de uma felicidade rara ao abordar o problema. Ao lado do rei Abdullah, da Jordânia, disse o que precisava ser dito. Primeiro, que a violência como forma de expressar descontentamento com o que sai na imprensa livre é inadmissível. Segundo, que com a liberdade vem a responsabilidade de ter consideração pelos demais.

Outras não têm sido as manifestações de clérigos muçulmanos moderados, sobretudo na Europa, e de respeitados comentaristas portadores de irrepreensíveis credenciais liberais. É o caso do colunista Martin Wolf, do Financial Times. Em artigo transcrito dias atrás pelo jornal Valor, a par da candente defesa da liberdade de expressão, como princípio pétreo das sociedades democráticas, que não pode ser legalmente circunscrito, ele observa que ‘o comedimento no exercício da própria liberdade, nosso direito de nascença, pode ser muitas vezes o caminho mais prudente. O comedimento é uma medida da nossa maturidade’. Enquanto as encolerizadas multidões davam o seu espetáculo de fúria desembestada, para júbilo dos pregadores da guerra santa ao Ocidente, no Ocidente formou-se como que um consenso sobre a impropriedade da publicação e, mais ainda, da republicação das charges.

Daí a dura reação do presidente francês Jacques Chirac à decisão do semanário satírico parisiense Charlie Hebdo de embarcar na nau dos insensatos, estampando as caricaturas, sem exceção da mais agressiva de todas, que mostra um profeta Maomé com um turbante sob a forma de bomba. Chirac, acertadamente, classifica a atitude do semanário como uma nova ‘provocação’. O problema é levar os muçulmanos a entender que nada justifica a censura prévia ou a retirada de circulação de jornais ou revistas que os tenham agravado na Europa. Foi o que tentou conseguir o Conselho Francês de Culto Muçulmano, alheio ao fato de que qualquer medida desse calibre violaria a lei francesa de imprensa – que data de 1881. É claro que a apologia da tolerância e do ‘respeito a todas as crenças’, feita pelo mesmo Chirac, embute uma forte preocupação de não dar pretextos para o círculo vicioso da radicalização islâmica e da islamofobia no país.

Idêntica é a inquietação dos governantes de nações européias cujas populações muçulmanas são expressiva minoria, como na Grã-Bretanha. A dificuldade não pode ser subestimada. Como escreveu na quinta-feira no Guardian de Londres o historiador Timothy Garton Ash, ela consiste em ‘achar o ponto de equilíbrio entre a livre expressão e o respeito mútuo nesse mundo ao mesmo tempo abençoado e amaldiçoado pela comunicação instantânea’. A única certeza, acrescenta, é que não se pode combater fogo com fogo: ‘O perigo, neste momento crítico, é a formação de uma espiral perversa, com extremistas muçulmanos inflando as velas dos extremistas antimuçulmanos, cuja linguagem violenta, por sua vez, induz mais moderados muçulmanos a apoiar os jihadistas – e assim sucessivamente.’"

George Friedman

A redefinição dos alinhamentos

"Há algo de podre no reino da Dinamarca. Não poderíamos deixar de abrir assim – com as nossas desculpas a Shakespeare. Contudo, há algo de extremamente bizarro na idéia de que a Dinamarca – que fez da atitude de não ser ofensiva a ninguém uma religião nacional – possa se tornar o ponto focal da ira muçulmana. A visão de embaixadas dinamarquesas e norueguesas sendo queimadas em Damasco – e escandinavos em geral sendo recomendados a abandonarem países islâmicos – tem uma aura surreal: ninguém se enfurece com Dinamarca ou Noruega. Mas ameaças de morte estão sendo lançadas contra os dinamarqueses e noruegueses como se eles fossem amigos viscerais de Dick Cheney. A história tem seus momentos interessantes.

Ao mesmo tempo, esta não é uma questão para se tratar levianamente. A explosão no mundo muçulmano sobre a publicação de 12 charges num jornal menor dinamarquês – charges que apareceram pela primeira vez em setembro – redefiniu de maneira notável a matriz geopolítica da guerra EUA-jihadista. Ou, para ser mais preciso, pôs em movimento algo que parece estar redefinindo essa matriz. Não nos referimos aqui simplesmente a um choque de civilizações, embora esta seja uma parte inquestionável da questão. Queremos dizer que alinhamentos dentro do mundo islâmico e dentro do Ocidente parecem estar em movimento de algumas maneiras importantes.

Começando pelo óbvio: o debate sobre as charges. O Islã proíbe a exibição de imagens do profeta Maomé. Proíbe também ridicularizar o profeta. Assim, uma charge que ridicularize o profeta viola simultaneamente duas regras islâmicas fundamentais. Muçulmanos de todo o mundo ficaram profundamente ofendidos com essas charges.

É preciso assinalar enfaticamente que a rejeição muçulmana às charges não decorre de uma visão universalista de respeito às religiões. A crítica não decorre de uma visão secularista que trata todas as religiões com igual indiferença e requer ‘sensibilidade’ não por teologias, mas para evitar ferir sentimentos alheios. A visão muçulmana é teológica: o profeta Maomé não deve ser ridicularizado nem retratado. Mas violar as sensibilidades de outras religiões não é tabu. Portanto, é freqüente muçulmanos em ações, impressos e falas fazerem e dizerem coisas sobre outras religiões – cristianismo, judaísmo, budismo – que os seguidores dessas religiões considerariam difamatórias. O Taleban, por exemplo, não se preocupou com as posições de outras religiões quando destruiu os famosos Budas em Bamiyan. A demanda muçulmana é honesta e autêntica: é de respeito pelo Islã, não um respeito secular geral por todas as crenças como se elas fossem iguais.

A resposta do Ocidente, e da Europa, em particular, tem sido enquadrar o assunto como uma questão de liberdade de expressão. Jornais europeus, desejando expressar solidariedade aos dinamarqueses, republicaram as charges, enfurecendo ainda mais os muçulmanos. O liberalismo europeu tem um perfil mais complexo que a ira islâmica sobre insultos.

Em muitos países, é ilegal incitar o ódio racial. É difícil imaginar que os defensores dessas charges ficariam calmamente sentados se uma charge racialmente difamatória fosse publicada. Imaginemos a recepção entre europeus liberais – ou em qualquer campus americano – se um professor publicasse um livro pretendendo demonstrar que as mulheres são intelectualmente inferiores aos homens. (A mera sugestão de semelhante coisa, pelo reitor de Harvard num pronunciamento recente, causou pedidos para que ele renunciasse.)

Em termos do diálogo sobre as charges, há muito para divertir até os mais impassíveis observadores. A visão de muçulmanos defendendo a necessidade de maior sensibilidade, e os defensores de leis contra o ódio racial pedindo uma liberdade de expressão absoluta, é realmente maravilhoso. Evidentemente, há uma diferença menor entre os dois lados: os muçulmanos estão ameaçando matar pessoas que os ofendam e estão queimando embaixadas – em suma, responsabilizando nações inteiras pelas ações de alguns de seus cidadãos. Os liberais europeus estão meramente fazendo discursos. Eles não estão ameaçando matar críticos do Estado secular moderno. Isso também distingue os muçulmanos de, por exemplo, os cristãos nos Estados Unidos que se sentiram afrontados pelas verbas do Fundo National para as Artes.

Estas não são distinções triviais. Mas o importante é o seguinte: a controvérsia sobre as charges envolve questões tão fundamentais para os dois lados que nenhum pode ceder. Os muçulmanos não podem aceitar sátiras visuais envolvendo o profeta. Os europeus tampouco podem aceitar que muçulmanos possam, usando a ameaça da força, ditar o que pode ser publicado. Valores cruciais estão em jogo, e isto se traduz em geopolítica.

Em um sentido, não há nada de novo ou interessante na inconsistência ou desonestidade intelectual. Tampouco há muita novidade em muçulmanos – ou ao menos, os radicais – ameaçarem matar pessoas que os ofendam. A novidade é a amplitude da reação muçulmana e o fato de que ela é dirigida obsessivamente não contra os EUA, mas contra Estados europeus.

Uma das principais características da guerra EUA-jihadista tem sido que cada lado tentou rachar o outro ao longo de uma ‘falha geológica’ pré-existente. Para os EUA, tanto no Afeganistão como no Iraque, a manipulação de tensões sunitas-xiitas tem sido evidente. Para os jihadistas, e mais ainda para muçulmanos não jihadistas apanhados na guerra, a tensão entre os EUA e a Europa tem sido uma ‘falha geológica’ crítica para manipular. É significativo, então, que o caso das charges ameace subjugar tanto a falha euro-americana como a falha sunita-xiita. Trata-se, paradoxalmente, de um caso que tanto unifica como divide.

É perigoso e difícil falar da ‘posição européia’ – isto não existe realmente. Mas há uma posição franco-alemã que geralmente tem sido tomada como a posição européia. Mais precisamente, há a posição da elite franco-alemã a que The New York Times se refere sempre que menciona ‘Europa.’ É dessa Europa que estamos falando agora.

Na visão européia, então, os EUA reagiram de maneira exagerada aos ataques do 11 de Setembro. Afora a crítica à questão do Iraque, os europeus acreditam que os EUA não conseguiram avaliar o relativo isolamento da Al-Qaeda dentro do mundo islâmico e, ao reformularem suas relações com o mundo islâmico após o 11/9, causaram mais danos. Na verdade, prossegue essa visão, os EUA aumentaram o poder da Al-Qaeda e contribuíram desnecessariamente para a ameaça que ela representa. Implícito nas críticas européias – particularmente na dos franceses – a visão de que a insensibilidade de cowboy americano para com mundo muçulmano não só aumentou o perigo depois do 11/9, mas, de fato, precipitou o 11/9. Do apoio excessivo a Israel ao apoio ao Egito e à Jordânia, os EUA alienaram os muçulmanos. Em outras palavras, o 11/9 resultou de uma falta de sofisticação e de decisões políticas fracas dos EUA – e a resposta aos ataques do 11/9 foi simplesmente além da conta.

Agora eclodiu uma questão que não só não envolveu os EUA, como também não envolveu uma decisão de Estado. A decisão de publicar as charges ofensivas foi de um cidadão dinamarquês. A resposta islâmica foi de responsabilizar todo o Estado. Quando as charges foram republicadas, não foram as publicações que as exibiram que foram consideradas responsáveis, mas os Estados onde elas saíram. Houve ataques a embaixadas, homens armados em escritórios da União Européia em Gaza, ameaças de um novo 11/9 na Europa.

De um ponto de vista psicológico, isso traz para os europeus um argumento que a administração Bush vem usando desde o começo – que a ameaça de extremistas muçulmanos não é realmente uma resposta a nada, mas um perigo constantemente presente que pode ser acionado por qualquer coisa ou por nada. Estados europeus não podem controlar o que publicações privadas editam.

Isso significa que, queiram ou não, eles são reféns das percepções islâmicas. A ameaça, portanto, não está sob o seu controle. E assim, mesmo que ações ou políticas dos EUA tenham precipitado o 11/9, os europeus não estão menos imunes à ameaça que os americanos.

Lembre-se dos tumultos de Paris em novembro e da deterioração geral das relações entre muçulmanos na Europa e as populações dominantes. As imagens de manifestantes em Londres ameaçando a cidade com outro 11/9, toca em nervos extremamente sensíveis. Torna-se cada vez mais difícil para os europeus distinguir entre sua própria relação com o mundo islâmico e a relação americana com o mundo islâmico. Surge um senso de destino compartilhado, aproximando americanos e europeus. Numa época em que questões candentes como a das armas nucleares iranianas estão na mesa, isso aumenta a liberdade de ação de Washington.

Em outras palavras, a estratégia muçulmana de afastar EUA e Europa – e usar a Europa para conter os EUA – foi seriamente prejudicada pela reação muçulmana às charges.

XIITAS X SUNITAS

Mas o mesmo aconteceu com o racha entre sunitas e xiitas. As tensões entre essas duas comunidades sempre foram significativas. Diferenças teológicas à parte, tanto os atritos internacionais como os atritos internos foram severos. A guerra Irã-Iraque, a atual quase guerra civil no Iraque, as tensões entre sunitas e xiitas nos Estados do Golfo, tudo aponta para o óbvio: as duas comunidades, embora ambas muçulmanas, desconfiam uma da outra. O Irã xiita há muito vê a Arábia Saudita sunita como uma ferramenta corrupta dos EUA e sunitas radicais viam o Irã como um colaborador dos EUA nos casos do Iraque e do Afeganistão.

As charges são a única coisa em que as duas comunidades – não só no Oriente Médio, mas no mundo muçulmano em geral – podem concordar. Nenhum dos lados pode se dar ao luxo de desistir desse assunto e esperar manter alguma credibilidade no mundo islâmico. Cada comunidade – e cada Estado dominado por uma comunidade ou outra – precisa trabalhar para estabelecer (ou manter) suas credenciais islâmicas. Um caso em foco é a violência contra escritórios diplomáticos dinamarqueses e noruegueses na Síria (e depois, no Líbano e no Irã) – que seguramente tiveram envolvimento do governo sírio. A Síria é governada por alauítas, uma seita xiita. A Síria – alinhada ao Irã – abriga a maior comunidade sunita (existe outra no Líbano). As caricaturas proporcionaram ao que era essencialmente um regime secular a oportunidade de assumir a frente numa questão religiosa, permitindo os ataques às embaixadas. Isso ajudou a consolidar a posição do regime, ainda que temporariamente.

Na verdade, as comunidades sunita e xiita parecem estar competindo sobre qual está mais ofendida. O bloco sírio-iraniano xiita assumiu a frente em violência, mas a comunidade sunita também tem sido bastante vigorosa. As charges estão sendo transformadas num teste de autenticidade para muçulmanos. A ponto de muçulmanos dispostos a tolerar ou mesmo deixar de lado essa questão estarem sendo atacados como tolerantes com a difamação do profeta. As caricaturas estão forçando uma radicalização de partes da comunidade muçulmana incomodadas com as paixões do momento.

Os processos em curso no Ocidente e no mundo islâmico estão naturalmente interagindo. Os ataques a embaixadas, e ameaças contra vidas que se baseiam apenas na nacionalidade estão radicalizando a perspectiva do Ocidente sobre o Islã. A não disposição de governos ocidentais de punir ou limitar a distribuição das charges é tomada como um sinal dos sentimentos reais do Ocidente. A situação está pressionando continuamente cada comunidade, mesmo que elas estejam divididas.

Pode-se dizer que tudo isso é inevitável. Afinal, que outra resposta poderia haver, em cada lado? Mas é aí que a parte esquisita começa: as caricaturas foram realmente publicadas em setembro, e – embora tivessem provocado algumas queixas, em nível diplomático – não chegaram perto de provocar tumultos. Os acontecimentos evoluíram lentamente: as objeções de um clérigo muçulmano na Dinamarca depois da publicação inicial pelo jornal Jyllands-Posten acabou levando líderes da Comunidade de Fé Islâmica a viajar ao Egito, Síria e Líbano em dezembro, com o propósito de ‘provocar atitudes contra a Dinamarca e os dinamarqueses’ em resposta às charges. Como ficou evidente agora, as atitudes foram certamente provocadas.

Há beneficiários. É importante notar aqui que o fato de alguém se beneficiar de alguma coisa não significa que ele foi responsável por ela. (Dizemos isso porque no passado, quando observamos os beneficiários de um acontecimento ou situação, luminares não tão brilhantes de alguns cantos deram de supor que nossa intenção era dizer que os beneficiários deliberadamente armaram o acontecimento.)

Houve dois beneficiários claros. Um são os EUA: o caso das charges está servindo para estreitar o abismo entre a visão do governo Bush sobre o mundo islâmico e a de muitos europeus. Entre os tumultos de Paris no ano passado, o assassinato por motivação religiosa de um cineasta holandês e a campanha de ‘culpem a Dinamarca’, a paciência européia está se esgotando. O outro beneficiário é o Irã. No momento em que o Irã avança para um confronto com os EUA sobre armas nucleares, isso pode ajudar a unir o mundo muçulmano do seu lado: o Irã quer ser visto como o defensor do Islã, e os sunitas que levantaram dúvidas a respeito de seus flertes com os EUA sobre o Iraque agora estão vendo o Irã como o líder em ultraje contra a Europa.

As charges mudaram a dinâmica tanto dentro da Europa como do mundo islâmico, e entre eles. Isso não significa que o furor não arrefecerá no devido curso, mas levará muito tempo para os maus sentimentos se dissiparem. Isto criou uma séria barreira entre muçulmanos moderados e europeus que se opunham aos EUA. Eles seriam os mais propensos a colaborar, e a agitação presente dificulta essa colaboração. É difícil acreditar que algumas charges poderiam ser tão significativas, mas essas foram. TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

*George Friedman escreveu para o site Stratfor.com"

Antonio Gonçalves Filho

Identidades em conflito

"A Europa está insegura do seu lugar num mundo globalizado em que o poder se divorcia da política para pegar em armas. No entanto, apesar de ser visto como uma ameaça pelos muçulmanos, o Velho Continente ainda tem muito a oferecer para que esse mundo hobbesiano da realidade violenta seja substituído pelo mundo unificado e humano preconizado por Kant. É o que defende o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em seu novo livro Europa (Jorge Zahar Editor, 152 págs., R$ 25). Em entrevista exclusiva ao Estado, o analista reflete sobre as ameaças feitas pelo mundo muçulmano a países europeus.

Uma conseqüência negativa da globalização é que os Estados europeus enfrentam uma crise de legitimação por não conseguirem conceder benefícios a seus cidadãos. Como o senhor imagina a Europa do futuro? Um continente obrigado a fazer alianças com qualquer um?

Todo poder tenta criar um ambiente em que ele opere da maneira mais hospitaleira e favorável para si. Em outras palavras, para fazê-lo respeitar e recompensar o tipo de recursos com que o poder em questão está equipado. A superpotência americana não é uma exceção a essa regra. Os EUA já não são a economia em maior expansão em termos globais. Eles já não são os líderes incontestes do progresso científico e tecnológico (exceto no campo militar). E são obviamente qualquer coisa menos o fornecedor de idéias e padrões de vida que o restante do planeta gostaria de adotar para viver. O único recurso de poder em que os EUA detêm uma supremacia global inquestionável é o das armas – Washington gasta em armamentos o mesmo que os 25 Estados seguintes da lista juntos. Igualar seus estoques de armas de destruição em massa, aviões mortíferos ou mísseis inteligentes está além dos sonhos mais alucinados de todos e qualquer um de seus aliados e adversários. Não espanta que, desejando tocar o primeiro violino nos assuntos mundiais, os EUA tendam a se apoiar nos meios militares.

Mas há países europeus que apóiam a intervenção militar americana. Em que medida a Europa é diferente dos EUA?

Os EUA tentam alçar o confronto armado à condição de fator supremo no equilíbrio de poder global e a estratégia principal na administração de conflitos. Esta é uma estratégia perigosa para o destino do planeta já que é ineficaz e condenada ao fracasso. Ela também se baseia numa auto-ilusão de grandeza potencialmente suicida. A Europa, por sua vez, aprendeu e ainda está aprendendo (da maneira mais dura, com certeza) a arte mais difícil e necessária em nosso mundo cada vez mais policêntrico e polifônico: a arte do diálogo e do entendimento, de deixar para trás as inimizades por mais longas e sangrentas que tenham sido e por mais irreparáveis que pudessem ter parecido – e acima da arte de viver pacificamente juntos apesar das diferenças étnicas, lingüísticas, religiosas, de formas de vida e outras, e extraindo benefícios mútuos dessa diversidade: reciclando a diferença de uma ameaça em um bem precioso.

Estamos diante de uma politização da religião, particularmente a muçulmana após a ascensão do Hamas. O Islã parece mais perigoso nessa guerra geopolítica, considerando que o mundo islâmico tem o controle das reservas de petróleo. O senhor acredita que a guerra contra o terrorismo possa ser vencida?

Antes de enviar soldados ao Iraque, Donald Rumsfeld declarou que a ‘guerra será vencida quando os americanos se sentirem novamente seguros’. Mas o envio de tropas ao Iraque elevou a novas alturas o clima de insegurança nos EUA e alhures. Longe de diminuírem, os espaços de ilegalidade, os terrenos de treinamento do terrorismo global, se estenderam para dimensões impensadas. Quatro anos se passaram desde a decisão de Rumsfeld, e o terrorismo vem reunindo forças – extensiva e intensivamente – ano após ano. Ataques terroristas foram registrados na Tunísia, em Bali, Mombasa, Riad, Istambul, Casablanca, Jacarta, Madri, Sharm el-Sheikh e Londres. Ao todo, segundo o Departamento de Estado, 651 ‘ataques terroristas significativos’ só em 2004. Desses, 198 foram no Iraque, para onde as tropas tinham sido enviadas com a missão de acabar com a ameaça do terrorismo. Em maio de 2005, quando ocorreram 90 atentados suicidas só em Bagdá, o Iraque virou uma publicidade grotesca para o poder e a eficácia do terror. Dada a natureza do terrorismo contemporâneo, e, sobretudo, o ambiente ‘negativamente globalizado’ em que opera, a noção mesma de ‘guerra contra o terrorismo’ é tudo menos uma contradictio in adiecto (contradição na afirmação). Para usar os termos apropriados de Paul Virilio, hoje passamos do tempo da ‘guerra de cerco’ ao da ‘guerra de movimento’. Armas modernas, concebidas e desenvolvidas numa era de invasões e conquistas territoriais são singularmente inadequadas para localizar, atingir e destruir os alvos extraterritoriais, ardilosos e altamente móveis, pequenos esquadrões ou homens ou mulheres isolados viajando sem equipamentos pesados, portando armas fáceis de esconder – e embora difíceis de notar quando estão a caminho de uma nova atrocidade, perecendo no local do ataque e desaparecendo dele tão rapidamente quanto chegaram e assim deixando pouco ou nenhum rastro atrás de si. Dada a natureza das armas modernas à disposição dos militares, as respostas a esses atos terroristas deve parecer canhestra, atrapalhada e confusa, respingando numa área muito mais extensa do que a afetada pelo ataque terrorista, causando ‘baixas colaterais’ ainda mais numerosas, um volume ainda maior de ‘danos colaterais’ e, assim, também mais terror, ruptura e desestabilização do que os terroristas poderiam produzir sozinhos – além de provocar um novo salto no volume de agravos, ódios e fúria acumulados, ampliando ainda mais as fileiras de recrutas em potencial para a causa dos terroristas.

Então, vivemos um círculo vicioso do qual não podemos escapar?[/PERGUNTA]

Podemos imaginar que este círculo vicioso seja parte integrante do plano dos terroristas; também uma fonte importante de sua força, que excede em muitas vezes o poder de seus números e armas. Quando elaboram seus projetos estratégicos e planos táticos, os terroristas devem incluir entre seus recursos as reações do ‘inimigo’, podendo ampliar consideravelmente o impacto pretendido de suas próprias atrocidades. Se o propósito declarado (imediato) dos terroristas é espalhar o terror entre a população inimiga, então o exército e a polícia do inimigo, com a colaboração espontânea da mídia, certamente cuidarão que o ataque seja visto por todos e o medo semeado em todos os corações.

Como governos de ‘países inimigos’ ou a mídia ajudam terroristas[/PERGUNTA]?

Se a intenção de longo prazo dos terroristas é destruir as liberdades humanas em democracias liberais e ‘fechar’ sociedades abertas, eles podem contar de novo com as imensas capacidades controladas pelos governos dos ‘países inimigos’. Alguns pacotes de explosivos e alguns desesperados ansiosos para sacrificar suas vidas ‘pela causa’ podem ir, portanto, muito longe – muito além do que eles próprios podem dominar, comandar e administrar. A guerra real – e ganhável – contra o terrorismo não é conduzida quando as já meio arruinadas cidades e aldeias do Iraque ou do Afeganistão são ainda mais devastadas, mas quando as dívidas dos países pobres são canceladas, nossos ricos mercados se abrem para os produtos dos países pobres, quando se patrocina a educação das 115 milhões de crianças privadas de acesso a qualquer tipo de escola e quando outras medidas similares são promovidas, decididas – e implementadas. E o que dizer da ‘politização da religião’? Acredito que esta seja uma descrição errada do que está acontecendo. Se olhar para lugares tão diversos como Caxemira, Irã, Egito, Palestina, assentamentos israelenses, onde linhas de fronteira de classe ou tribais são traçadas com marcadores religiosos e se derramou sangue em nome de valores religiosos -, descobrirá por toda parte um padrão extraordinariamente parecido; não tanto a ‘politização da religião’ quanto a ‘religionização’ da política.

Não se trata apenas de retórica? Qual a diferença entre politizar a religião e ‘religionizar’ a política?[/PERGUNTA]

O que está realmente acontecendo é que os agravos não religiosos, como as questões de identidade e dignidade social ou o ressentimento com a privação econômica e a falta de perspectivas de vida, antes expressadas em vocabulário marxista ou nacionalista, tendem hoje a se traduzir na linguagem de renascimento religioso: expressões ideológicas seculares de rebelião foram substituídas por formulações ideológicas religiosas. Mas os agravos – o sentido de alienação, marginalização e frustração social – são freqüentemente os mesmos. E este não é um fenômeno restrito ao Islã. Charles Kimball observa um fenômeno semelhante à ‘religionização da política’ também no vocabulário da administração americana atual. O presidente Bush, desenvolvendo criativamente a linguagem introduzida na vida política americana por Ronald Reagan, gosta de falar de ‘dualismo cósmico’ entre as nações boas, lideradas pelos Estados Unidos, e as forças do mal: ‘Você deve se alinhar com as forças do bem e ajudar a extirpar as forças do mal.’ Ele gosta de mencionar as escapadas das forças militares americanas como uma ‘cruzada’, e uma missão empreendida por mandamento divino.

Ou seja, estamos diante de uma outra espécie de fundamentalismo.[/PERGUNTA]

Henry A. Giroux cita John Ashcroft, ex-procurador-geral dos EUA: ‘Únicos entre as nações, os Estados Unidos reconhecem a fonte de nosso caráter como divina e eterna, e não cívica e temporal… Não temos outro rei além de Jesus.’ Giroux chama a atenção para a entrada maciça de ‘apparatchiks morais’, políticos que ‘acreditam que a influência de Satã molda tudo, da mídia liberal a como Barbra Streisand foi ensinada a cantar’, no cenário político americano. Como escreveu o jornalista Bill Moyers, nesta ‘política de arrebatamento’ em que a Bíblia é lida como literalmente verdadeira, a dissensão é uma marca do Anticristo e ‘os pecadores serão condenados ao fogo eterno’. Quando a religião de direita se associa a uma ideologia política conservadora e ao poder corporativo, ela não só legitima a intolerância e formas antidemocráticas de correção política, ela também assenta as bases para um crescente autoritarismo que facilmente despreza os apelos à razão, as divergências, o diálogo e o humanismo secular."

Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.



***

Síndrome de Titanic ameaça paz

"Na segunda parte de sua entrevista ao Estado, o sociólogo Zygmunt Bauman, autor de uma dúzia de títulos publicados no Brasil além de Europa, fala dos novos icebergs que ameaçam o mundo com a força da geleira que rasgou o casco do famoso transatlântico. Do terrorismo ao fundamentalismo religioso, a crosta da civilização está ameaçada por um inimigo silencioso que age nas profundezas do oceano social. Em Europa, Bauman mostra como o continente europeu, desde sua origem, foi talhado para a aventura e ‘chamuscou os dedos com os barris de pólvora’ que empilhou em todos os outros continentes. Mas a Europa pode se redimir desse passado piromaníaco, segundo ele. A velha Europa, garante Bauman, descobriu que a lei cria confiança, segurança e capacita.

Bauman, autor de livros como Vidas Desperdiçadas, concorda com a afirmação do comentarista político americano Robert Kagan, de que é tempo de parar de fingir que europeus e americanos têm a mesma visão do mundo. Se não está preparada para liderar, pelo menos a Europa pode mostrar o caminho para a unificação da espécie e a paz eterna sonhada por Kant.

o ensaio Living in Utopia, o sr. argumenta que nossa busca por utopias foi sonho de um mundo sem acidentes e, portanto, sem medo. O sr. é pessimista sobre a capacidade de o projeto moderno reinventar nossa história?

A experiência de viver na Europa do século 16 – o tempo e o lugar em que e onde nossa era moderna estava prestes a nascer – foi resumida por Lucien Febvre sintética e famosamente em quatro palavras: ‘Peur toujours, peur partout(Medo sempre, medo por toda parte).’ A modernidade era para ser o grande salto para frente: para longe do medo e para o mundo livre do destino cego e impermeável – este viveiro de medos. Como anelava Victor Hugo: guiado pela ciência, virá um tempo que eliminará as surpresas, calamidades, catástrofes – mas também será o fim de disputas, ilusões, parasitismos – tudo isso de que são feitos os medos. O que era para ser, porém, uma rota de fuga, revelou-se um longo desvio. Cinco séculos depois, o veredicto de Febvre soa – de novo – notavelmente apropriado e tópico. Nosso tempo é, mais uma vez, o tempo dos medos. O mais temível é a ubiqüidade dos medos; eles podem vazar de qualquer canto ou fenda de nossas casas e nosso planeta. De ruas escuras e de telas de televisão brilhantemente iluminadas. De nossos quartos de dormir e nossas cozinhas. De nossos locais de trabalho e do metrô que tomamos para ir ou voltar. De pessoas que encontramos e pessoas que não notamos. De algo que comemos e algo que nossos corpos entraram em contato. Do que chamamos ‘natureza’ ou de pessoas propensas a destruir nossos corpos pela súbita abundância de atrocidades terroristas, crimes violentos, ataques sexuais, comida venenosa e ar ou água poluídos.

No que o medo contemporâneo se diferencia do medo pré-moderno?

Esta nossa vida se provou diferente do tipo de vida que os sábios do Iluminismo e seus herdeiros e discípulos anteviam e se propuseram a planejar. A luta contra os medos se transformou numa tarefa de toda vida, enquanto a presença de perigos desencadeadores do medo, mesmo quando nenhum deles era suspeito de ser intratável, veio a ser considerada permanente, companheiros inseparáveis da vida humana. Nossa vida está qualquer coisa menos livre do medo, e o cenário líquido-moderno em que ela está fadada a ser conduzida é algo menos livre de perigos e ameaças. Susan Neiman, autora de um estudo fundamental sobre a sucessão de imagens e interpretações concorrentes do mal na história moderna, chega a sugerir que a separação estrita dos conceitos de desastres naturais e sociais, antes mesclados inseparavelmente na idéia da vontade de Deus – uma separação que aconteceu no curso dos debates acalorados provocados pelo terremoto e incêndio de Lisboa de 1755 – marca o verdadeiro começo ‘do moderno’ precisamente por sua tentativa de dividir claramente as responsabilidades…

Então, a razão iluminista entra em choque com a razão pós-moderna?

Se o Iluminismo é a coragem de pensar por conta própria, é também a de assumir responsabilidades pelo mundo em que se está jogado. Separar radicalmente o que eras anteriores chamavam de natural dos males morais era, pois, uma parte do significado de modernidade. No entanto, sua conclusão sobre a história do desafio moderno soa como seu começo tumultuado e encorajador: ‘As concepções modernas do mal foram desenvolvidas na tentativa de deixar de culpar Deus pelo estado do mundo, e de se assumir responsabilidade por ele. Quanto mais responsabilidade pelo mal foi deixada para o humano, menos a espécie pareceu assumi-la. Fomos deixados sem direção. Voltar à tutela intelectual não é uma opção para muitos, mas as esperanças de amadurecimento agora parecem vazias.

Como o sr. observou sobre o programa Big Brother, vivemos num mundo de exclusão e essa é uma ideologia muito popular. O sr. diria que devemos nos preparar para futuros holocaustos? Aliás, o sr. argumenta que o Holocausto pôde acontecer mais pela tecnologia e burocracia da modernidade que pelas especificidades do nacionalismo alemão. Poderia explicar esse conceito?

Cada período histórico tem suas próprias ameaças e seus próprios medos. Há muito anos e alguns anos antes do 11 de setembro, tsunami, Katrina e a elevação assustadora dos preços do petróleo que os seguiram de perto, Jacques Attali ponderou sobre o triunfo financeiro fenomenal do filme Titanic que deixou para trás recordes de bilheteria anteriores de filmes de desastre aparentemente similares. Ele ofereceu a seguinte explicação: ‘Titanic somos nós, nossa sociedade triunfalista, autocomplacente, cega, hipocondríaca, impiedosa com os pobres… uma sociedade em que tudo é previsto exceto os meios de prever… Todos imaginamos que existe um iceberg esperando por nós, escondido em algum lugar no futuro nebuloso, o qual atingiremos e depois afundaremos ao som de música…’ Música doce e calmante… Últimos sucessos, intérpretes célebres. Sons reverberando que ensurdecem, luzes estroboscópicas que cegam, tornando inaudíveis os tênues murmúrios de presságios tenebrosos, e invisível a enormidade de icebergs grandiosamente silenciosos. Sim, icebergs – não um iceberg, mas provavelmente demasiados para serem contados; Attali nomeou vários: financeiro, nuclear, ecológico, social (destrinchando o último como a perspectiva de três bilhões de ‘redundâncias’ na população do planeta).

Ou seja, devo concluir que o sr. é pessimista em relação ao futuro…

Se estivesse escrevendo agora, em 2006, Attali certamente teria aumentado essa lista – reservando um lugar de honra para o ‘iceberg terrorista’ ou para o ‘iceberg fundamentalismo religioso’ – que poderiam ser recentemente observados, depois das aventuras militares no Oriente Médio ou da visita do Katrina a New Orleans, numa espécie de prova de vestido, e com toda sua feia e repulsiva monstruosidade. O Katrina revelou o segredo mais bem guardado da civilização: o de que – como Timothy Garton Ash, num ensaio com o título revelador de Ele Está sempre embaixo vividamente o colocou – ‘a crosta da civilização que palmilhamos tem sempre a espessura de um wafer. Um tremor, e você cai dentro, arranhado e ferido por sua vida como um cachorro selvagem’. Não posso evitar de sentir que haverá mais disso, muito mais disso, à medida que entrarmos mais fundo no século 21. Há simplesmente problemas demais à espreita capazes de empurrar a humanidade para trás…

Como o Titanic, os furacões e a ameaça terrorista se relacionam?

Se grandes partes do mundo forem assoladas por tempestades, enchentes e mudanças de temperatura imprevisíveis, então o que aconteceu em New Orleans parecerá uma festinha entre amigos. Num certo sentido, estes também seriam furacões artificiais (‘as conseqüências de os Estados Unidos continuarem despejando dióxido de carbono como se não houvesse amanhã’). Mas há também ameaças mais discretas de seres humanos a outros humanos… Imagine se uma bomba suja ou mesmo um pequeno artefato nuclear fosse detonado por um grupo terrorista numa grande cidade. Então? Podemos chamar de ‘síndrome do Titanic’ esse horror de cair pela ‘crosta fina como um wafer’ da civilização naquele nada desprovido dos ‘gêneros elementares da vida organizada, civilizada’… O ator principal (embora silencioso) na história do Titanic, como sabemos, é o iceberg. Mas o principal horror da história do Titanic é a violência que ocorreu ‘dentro da civilização’, nas entranhas do luxuoso transatlântico – como a falta de qualquer plano sensato e funcional de evacuar e salvar os passageiros de um navio naufragando, ou uma aguda escassez de barcos salva-vidas e coletes salva-vidas; algo pelo qual o iceberg ‘lá fora’, na escuridão de uma noite subártica, serviu apenas de catalisador. Esse ‘algo’ que, como adverte Ash, ‘está sempre embaixo’ embora precise de um Katrina ou um iceberg para ser encarado com clareza e assim tomando suas vítimas de surpresa, pegando-as desprevenidas e incapazes de reagir. Os medos que emanam da ‘síndrome do Titanic’ são medos de uma catástrofe que pode descer sobre nós. Há contudo outros medos, menos, se não mais, aterradores: medo de ser retirado da multidão jubilosa individualmente e condenado a sofrer sozinho enquanto todos os outros continuam suas orgias. Medo, enfim, da exclusão.

O sr. diria, como Freud, que a civilização é fruto de um acordo entre segurança e liberdade e que, tendo a nossa civilização ido longe demais com essa história de liberdade, ela agora prefira a segurança?

Até o momento, nossa globalização é absolutamente negativa, uma globalização altamente seletiva de comércio e capital, vigilância e informação, coerção e armas, crime e terrorismo, que agora desprezam soberania territorial e não respeitam fronteiras de Estados. Ela continua não barrada por uma contraparte positiva – globalização de controle político, lei e justiça – que ainda é uma perspectiva distante, na melhor das hipóteses. Deixada em seu curso natural, a globalização ‘negativa’ se especializa em romper fronteiras fracas demais para suportar a pressão, enquanto faz numerosos furos nas fronteiras que resistem com sucesso ao desmanche. A ‘abertura’ de nossa ‘sociedade aberta’ adquiriu hoje em dia um novo verniz nem sonhado por Karl Popper, que cunhou essa expressão. Não mais o produto preciso de um bravo esforço auto-afirmativo, ela se tornou um destino irresistível acarretado pelas pressões de forças exteriores formidáveis. Se a idéia de uma ‘sociedade aberta’ representava originalmente a autodeterminação de uma sociedade livre, ela agora traz à maioria das mentes a experiência aterradora de populações indefesas e vulneráveis assediadas por forças que elas nem controlam nem compreendem realmente, tão obcecadas pela segurança de suas fronteiras e da população dentro delas que isto escapa à sua compreensão.

Nesse quadro, é possível ainda falar em segurança ou pelo menos alimentar a esperança de que o mundo possa encontrar um caminho para ela?

Num planeta globalizado, habitado por sociedades ‘abertas’ à força, a segurança não pode ser garantida num país ou num grupo seleto de países: não por seus próprios meios, e não independentemente do estado de coisas no resto do mundo. Tampouco a justiça, essa condição preliminar de uma paz duradoura. A ‘abertura’ pervertida de sociedades provocada pela globalização negativa é, em si, a causa primeira da injustiça e assim, obliquamente, do conflito e da violência. Como diz Arundhati Roy, ‘enquanto a elite faz suas viagens a seu destino imaginário, algum lugar no topo do mundo, os pobres são apanhados numa espiral de crime e caos’. Foram as ações dos Estados Unidos em conjunto com seus vários satélites, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial de Comércio, que ‘promoveram desdobramentos subsidiários, subprodutos perigosos como o nacionalismo, o fanatismo religioso, o fascismo e, claro, o terrorismo, avançando passo a passo com o projeto neoliberal de globalização’. ‘Mercado sem fronteiras’ é uma receita para a injustiça, e, por fim, numa nova desordem mundial em que (ao contrário de Clausewitz) é a política que se torna uma continuação da guerra por outros meios. A ilegalidade global e a violência armada se alimentam mutuamente, se reforçam e revigoram mutuamente; como adverte um saber antigo – inter arma silent leges (entre as armas, a lei silencia). A globalização de ofensas e danos repercute na globalização de ressentimentos e vinganças. A sociedade já não é protegida pelo Estado, ou pelo menos é improvável que confie na proteção existente; ela hoje está exposta à rapacidade de forças que não controla e não espera nem pretende mais recapturar e subjugar. É por isso que os governos nacionais, lutando todos os dias para resistir às tempestades, cambaleiam de uma campanha de administração de crise ‘ad hoc’ a medidas de emergência, sonhando apenas com a permanência no poder depois da próxima eleição.

Como o Estado-nação sobreviverá a essas tempestades?

‘Aberto’ e cada vez mais indefeso de ambos os lados, o Estado-nação perde seu poder , evaporando-se no espaço global. Seu discernimento e destreza políticos estão hoje cada vez mais relegados à esfera da ‘vida política’ individual e ‘subsidiarizada’ aos homens e mulheres individuais. O que resta de poder e política nos encargos do Estado e seus organismos encolhe gradualmente para um volume suficiente talvez, na melhor das hipóteses, para montar um distrito policial de grande porte. O Estado reduzido dificilmente poderá ser um Estado de segurança. Tendo vazado da sociedade aberta à força pela pressão das forças globalizadoras, poder e política se afastam cada vez mais em direções opostas. O problema, e a tarefa terrível que, com toda probabilidade, se colocarão como o desafio supremo no presente século será reunir novamente poder e política. A reunião dos parceiros separados no âmbito do Estado-nação é, porém, a menos promissora das respostas possíveis a esse desafio, já que todos os principais problemas básicos são globais e não admitem soluções locais. Não existem, e não podem existir, soluções locais para problemas globalmente originados e perpetuados. A reunião de poder e política poderá ser conseguida, se puder, no nível planetário. Como disse Benjamin R. Barber , ‘nenhuma criança americana poderá se sentir segura em seu leito se em Karachi ou Bagdá as crianças não se sentirem seguras nos seus. Os europeus não se vangloriarão por muito tempo de suas liberdades se os povos de outras partes do mundo continuarem necessitados e humilhados’. Democracia e liberdade já não poderão ser garantidas em um país ou mesmo um grupo de países; sua defesa num mundo saturado de injustiça e habitado por bilhões de seres humanos privados de dignidade humana inevitavelmente corromperia os próprios valores que pretendiam defender. O futuro da democracia e da liberdade pode ser assegurado numa escala planetária – ou não ser."

Lilia Moritz Schwarcz

A diversidade como destino

"‘Seu Cristo é judeu. Seu carro é japonês. Sua pizza é italiana. Sua democracia, grega. Seu café, brasileiro. Seu feriado, turco. Seus algarismos, arábicos. Suas letras, latinas. Só seu vizinho é estrangeiro.’ Esse texto, retirado de um cartaz espalhado por Berlim em 1994, converteu-se em um bom pretexto para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman trabalhar, ou melhor, complicar a questão da identidade – tema do livro que é resultado da entrevista realizada por Benedetto Vecchi, editor do jornal italiano Il Manifesto.

Bauman parece ser a pessoa ideal para discutir o problema. Professor na Universidade de Varsóvia, teve livros e artigos censurados em 1968, sendo obrigado a exilar-se primeiro no Canadá, depois nos Estados Unidos, mais tarde na Austrália, fixando-se na Inglaterra. Tal situação propiciou-lhe a condição de estrangeiro em qualquer lugar; até em sua pátria.

Logo no início de Identidade, o sociólogo narra, com humor, um impasse ocorrido antes da cerimônia em que recebeu o título de doutor honoris causa na Inglaterra, país onde fixou residência, e que escolheu para a naturalização. Bauman, que teve sua cidadania polonesa confiscada, ficou em dúvida, porém, sobre o hino que deveria ser tocado na ocasião solene. Afinal era de ‘dentro’, e também de ‘fora’. E as peculiaridades da biografia de Bauman apenas dramatizam esse tema, que já faz parte da agenda contemporânea. Como diz Agnes Heller – judia, norte-americana e filósofa – , a globalização criou uma espécie de ‘sobrecarga de identidades’.

No entanto, se o momento presente levou a uma sensação generalizada de ‘exclusão’, uma vez que boa parte da população mundial encontra-se em comunidades de segunda ou terceira origem (deslocada em toda a parte e não totalmente integrada em lugar algum), a questão da identidade não é nova, assim como não é recente a ambigüidade que envolve o conceito. As identidades flutuam no ar e revelam não uma essência ou uma resposta definitiva, mas um problema. Por sinal, é mais fácil ‘inventar’ identidades do que tentar ‘descobrir’ uma.

Diferente do que a ditadura do senso comum leva a acreditar, ‘identidades’ não têm a solidez de uma rocha. São negociáveis, revogáveis e se constroem de maneira política, circunstancial e, sobretudo, contrastiva. Se a questão que constitui o cerne da identidade é ‘Quem sou eu?’, sua resposta não é, porém, imediata. Ela depende, em primeiro lugar, da ocasião: somos muitas coisas diferentes em contextos diferentes. Por outro lado, as identidades são também reações políticas a determinados desafios políticos. Por fim, nenhuma identidade se constrói no vazio; ela é sempre uma reação ao outro. Por conta desse caráter fluido da identidade, o antropólogo Claude Lévi-Strauss chamou-a de ‘foco virtual’. Já o etnógrafo inglês Evans Pritchard, em seu famoso trabalho sobre os Nuers, mostrou como ela é um fenômeno opositivo: só se afirma por contraposição a algo. Um Nuer nasce para não ser um Dinka; ou seja, para saber quem sou eu é preciso antes indagar quem não sou.

Mas se o tema é clássico – ao menos na antropologia -, ele se converte, atualmente, na ‘conversa do momento’. Só se fala em identidade, e esse livro é um ótimo antídoto para as soluções fáceis. Segundo Bauman, a identidade não é um fenômeno natural e muito menos auto-evidente. Teria nascido da crise de pertencimento que caracteriza a nossa era. Por contraposição ao cuius régio, eius natio (a nação é sempre aquela em que nascemos), os atuais problemas de identidade se refeririam não a uma origem fixa, mas à idéia de abandono. Por isso mesmo as identidades surgem como âncoras sociais, reconhecidas em temas como raça, gênero, país, família, classe ou local de nascimento. Esses elementos convertem-se em estacas de localização; dados seguros e promissores numa época caracterizada pela falta de estabilidade. Identidades, portanto, nunca são, mas estão; estão em movimento e marcam a ambivalência de possuirmos várias feições, mas selecionarmos, a cada momento, uma outra e diferente. Não que essa seleção seja arbitrária ou aleatória. Ao contrário, certos elementos são encontrados dentro de uma comunidade possível; uma ‘comunidade guarda-roupa’, conforme denomina o sociólogo, atento às situações instáveis criadas pela nossa contemporaneidade.

O tema também tem data. Foi nos anos 80 que a questão da identidade estourou, com inventividade frenética, e passou a questionar a própria idéia de universalidade humana. Afinal, a diferença, assim congelada, torna-se mais significativa do que a própria experiência comum da humanidade. Junto com esse ‘inflacionamento da identidade’ esvazia-se, progressivamente, o significado de cidadania, assim como as instituições perdem sua credibilidade. Não é mais o Estado-nação o depositário natural da confiança pública, mas as novas identidades.

Por isso, o alerta de Bauman contra essa voga é claro. Não existem identidades fixas, coesas e solidamente construídas e, se existirem, serão um fardo. O problema aguça-se mais em países de colonização recente, como o nosso, que passam continuamente pela experiência da ‘procura da identidade’. Afinal, como mostra Norbert Elias, em O Processo Civilizador, seria difícil ver franceses e ingleses (assentados em sua ‘tradição’) indagarem por sua identidade. Ingleses e franceses ‘são’ e têm certeza que sempre o foram.

Nesse mundo de tempos, territórios e mesmo origens escorregadias, comprometer-se com uma única identidade para toda a vida, ou até por um longo tempo, pode ser negócio arriscado. Ademais, se não existem identidades verdadeiras também não existirão as falsas. Como diz Stuart Hall: já que a diversidade é cada vez mais o destino do mundo moderno, e o absolutismo étnico é uma característica regressiva da modernidade, o maior perigo origina-se nas formas de identidade nacional e cultural, que tentam assegurar versões fechadas da cultura. Aí estão, afirma ele, ‘os difíceis problemas que surgem quando se tenta viver com a diferença’.

Mas já ia deixando de lado um impasse do livro: na cerimônia de titularidade Bauman optou pelo hino europeu. Tirava da pauta, assim, a ‘cisão identitária’, intrínseca à sua biografia, marcada não só por uma obra vasta e de impacto, mas por uma questão de origem mal resolvida. Quem sabe tenha razão Fernando Macedônio, que em seu poema declina: ‘nenhum homem é nada, nenhum homem é ninguém’.

Lilia Moritz Schwarcz é professora do Departamento de Antropologia da USP"

Antonio Pedro Tota

A história de um certo Texas Ranch of Brazil

"Se há algo que define a especificidade americana é o fato de os EUA terem se apropriado do nome América para criar a sua identidade. Acho que foi Caetano Veloso quem disse que os Estados Unidos são (ou é?) o único país sem nome próprio. O titubeio com a concordância atesta o fenômeno. Estados Unidos da América. Estados Unidos do Brasil, Brasil. Mas Estados Unidos da América, América. Tem-se a impressão de um ente abstrato com qualidades políticas. Os nascidos nos EUA são chamados, em português, de estadunidenses. Em inglês, os nascidos nos Estados Unidos são simplesmente ‘americans’. Ou seja, a palavra América foi absorvida pela cultura dos EUA. E, como se não bastasse, os americanos se consideram tocados pela providência.

A chegada dos peregrinos à colônia (século 17) e sua luta contra as adversidades da natureza – isto é, os animais selvagens, os índios e o inverno rigoroso – ficaram representadas no poderoso mito do povo escolhido de Deus. Mary Junqueira lembra em Ao Sul do Rio Grande, que a idéia amplamente divulgada da conquista e da ‘domesticação’ do wilderness, ou seja, o desconhecido e adverso território, foi fundamental na construção do imaginário, da identidade e do nacionalismo americanos. Povo escolhido por Deus, os americanos tinham fé suficiente para provar ao Criador a razão de sua eleição. Idéia, como disse, amplamente divulgada. Divulgada pelos meios da nascente comunicação de massas – via novelas baratas e depois o cinema – e via discussão acadêmica.

No primeiro caso, eram as dime-novel, que contavam as aventuras (e as vitórias) de heróis mitificados, como Daniel Boone, Búfalo Bill, David Crocket. Depois veio o cinema. Na primeira metade do século 20, o cinema americano foi o grande meio de comunicação que atou o caubói/pioneiro vencendo o wilderness ao imaginário dos americanos. No caso seguinte, a discussão acadêmica, que reforçou a idéia da identidade americana ligada à luta contra o wilderness, ficou por conta do paper do professor Frederick J. Turner do Wisconsin, lido em 1893. Para ele foi na expansão rumo ao desconhecido, lutando contra os índios selvagens, contra a natureza e contra as feras que se criou a verdadeira identidade nacional americana. Os imigrantes deixam de ser simplesmente imigrantes e se transformam em americanos verdadeiros.

Mas um curioso documento encontrado em pesquisas que fiz no National Archives de Washington parece indicar que a identidade americana teria de se alimentar, pelo menos no plano das representações, fora das fronteiras nominais dos Estados Unidos da América do Norte. O documento, datado de 26 de outubro de 1956, é um memorando de conversação. A conversa deu-se entre mr. Wallace Thorsen, um investidor e dois altos funcionários do Office of South American Affairs do Departamento de Estado. Mr. Thorsen, que estava associado a Sebastião Camargo Correa (Sebastian, como está grafado no original), queria mostrar ao Departamento de Estado um imaginoso projeto chamado Texas Ranch of Brazil, Inc. Tratava-se de uma fazenda localizada a cerca de 120 quilômetros de Cuiabá com 120 mil acres, que seria loteada e vendida a famílias americanas. Quando inquirido pelos funcionários sobre a qualidade do solo e que melhor produto agrícola se adaptava ao Mato Grosso, mr. Thorsen não soube responder. Mas de uma coisa ele tinha certeza: as cerca de mil famílias que participariam do Texas Ranch of Brazil iriam, pelo menos, reviver o espírito da frontier no ‘west’ brasileiro.

No dia 30 do mesmo mês, ele mandou um relatório ao Osaa dizendo que o projeto era um sucesso garantido, com o forte endosso do embaixador Ernani do Amaral Peixoto. O texto garantia que o Texas Ranch of Brazil era de grande interesse entre os astros e estrelas de Hollywood. Qualquer pequeno investidor, dizia o relatório, poderia investir cerca de US$ 500 e ser proprietário de dez acres de terra. Também os milionários texanos e vaqueiros ‘desenraizados’ poderiam obter fantásticos lucros no Brasil. Janet Gaynor, a atriz do filme Nasce Uma Estrela, já havia comprado um lote. Num cine-jornal de Jean Manzon, ela aparece colhendo milho e cuidando de um jardim.

É evidente que mr. Thorsen e seu sócio brasileiro tinham como meta o lucro com a venda dos lotes no interior do Brasil. Mas o que certamente o sócio brasileiro não tinha, pois não fazia parte de sua cultura, era o entusiasmo do americano em proporcionar aos seus compatriotas a possibilidade de reviver o wilderness, com perigos, feras, índios, e o mais profundo sentimento do americanismo, trazendo para os sertões brasileiros um pouco de civilização. Lembremos que JK iniciou seu governo no mesmo ano e tinha por base o plano de expansão para o oeste, mais precisamente com a construção de Brasília. Não é por acaso que a Aliança para o Progresso do presidente John Kennedy fizesse parte de seu programa de governo que tinha o significativo nome de New Frontier.

Não era a primeira vez que a ‘identidade americana’ forjada na luta contra o wilderness se manifestava no Brasil. A viagem que Ted Roosevelt fez ao País entre 1913 e 1914 era para ‘manter viva’ aqui a idéia de wilderness que havia se esgotado lá. A presença de Roosevelt tinha o sentido civilizatório. Uma fotografia de 1913 mostra quatro caubóis jogando cartas, provavelmente pôquer. Garrafas de Bourbon, copos, e revólveres no cinto em seus devidos coldres. Numa análise rápida concluímos que se trata do saloon de uma cidade qualquer perdida no velho oeste dos EUA. São americanos, sim, mas não estão em nenhum saloon. Estão nas barrancas do Rio do Peixe, divisa entre Santa Catarina e Paraná. Eram, no entanto, funcionários das serrarias de Percival Farquhar, o grande investidor no wilderness brasileiro. Estava-se em plena Guerra do Contestado, a Canudos do Sul. O mesmo Percival, alguns anos antes, já havia iniciado a construção da Madeira-Mamoré Railway Co. no ‘west’ brasileiro-boliviano.

Em plena crise da bolsa, Henry Ford mandou seus ‘pioneiros’ desbravar parte da floresta amazônica nas margens do Rio Tapajós para fincar no wilderness brasileiro uma grande plantation civilizada para fornecer borracha a suas fábricas de Detroit. O que fez Daniel K. Ludwig quando começou o projeto Jarí às margens do rio do mesmo nome no Pará no fim dos anos 60? Pouco importa que os projetos citados não tenham dado certo. O que importa é que, além do lucro, eles visavam a manter viva a chama do americanismo forjada na conquista do oeste e nas construções das monumentais obras de engenharia. Podemos dizer que Tocqueville tinha toda razão quando escreveu nos anos 30 do século 19 que ‘cada povo que nasce ou cresce no Novo Mundo, nasce e cresce, pois, de certo modo, para proveito dos anglo-americanos’.

Antonio Pedro Tota é historiador, autor de O Imperialismo Sedutor"

O Estado de S. Paulo

Milhares protestam em Londres e Paris contra caricaturas

"Milhares de muçulmanos manifestaram-se ontem em Londres e Paris contra a publicação das charges dinamarquesas do profeta Maomé. O prefeito de Londres, Ken Livingston apoiou a manifestação em Trafalgar Square e acusou parte da imprensa européia de ‘participar de uma orgia de islamofobia.’ A Dinamarca fechou suas embaixadas na Síria, Indonésia e Irã com medo da violência."

Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo

Veja

Comunique-se

Blog do Moreno

AOL Notícias