Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O mundo é móvel,
portátil e conectado

Desde quarta-feira, 17, os habitantes de Whiteheaven, Inglaterra, que tentam sintonizar seus televisores analógicos na BBC2, estão vendo a tela em branco. Whiteheaven foi a primeira cidade do país a completar a migração para o digital e devolver para o governo as antigas freqüências. Tal coisa só acontecerá no Brasil dentro de seis ou sete anos. Mas, ao contrário do que acontece na pequena cidade inglesa, a televisão já será bem diferente. E o que será mais diferente não é o que estará na tela do televisor: é o local onde o próprio televisor estará.


Os primeiros paises a completarem a transição para o digital ainda atrelam o receptor de televisão à sala de estar. E no entanto este será o lugar mais improvável para encontrá-lo quando as freqüências hoje ocupadas pelas emissoras brasileiras forem devolvidas ao organismo que estiver onde neste momento está a Anatel.


A televisão perdeu sua imobilidade. Não está sozinha nisto, aliás. Tornou-se, pelo mais bizarro dos caminhos, prima-irmã do telefone – assim como de toda forma de comunicação. Na sexta-feira, 19, por exemplo, o governo japonês finalizou o recebimento das propostas para as duas licenças de WiMax que concederá até o final deste ano.


O WiMax é por enquanto a mais importante das tecnologias de Internet móvel. É análoga ao Wi-Fi – que permite a conexão sem fio a partir de um servidor próximo e que no Brasil é usado de modo rudimentar por operadoras transformadas em caça-niqueis de aeroportos – mas tem um alcance de dezenas de quilômetros. É uma das soluções mais prováveis para resolver o problema da interatividade na televisão, estabelecendo o canal de retorno para o espectador (que é por onde o espectador ‘responde’ à TV). Envolve empresas como a Samsung, a Sprint Nextel e a Intel. Só a Sprint estará investindo nela 5 bilhões de dólares ao longo dos próximos três anos.


Até o final deste ano, o WiMax vai estar cobrindo áreas como Chicago e Washington-Baltimore. Quem estiver com um laptop ou um handheld em qualquer esquina dessas cidades, estará conectado. Parece muito, mas o governo do Japão acha que é pouco. Ele exige que as empresas que ganharem as licenças iniciem os serviços dentro de três anos no máximo e que, até 2012, pelo menos 50% dos japoneses possam estar conectados onde quer que eles estejam.


Se o WiMax não conseguir isso, tecnologias similares – WiBro, HSPA, iBurst, UPS – estarão prontas para tentar. O certo é quando as crianças que nascerem hoje ainda estiverem brincando com bonecas, praticamente nenhum adulto estará desconectado no meio da rua.


2,3 trilhões de mensagens


Conectividade e mobilidade estão em toda parte. Escreve-se hoje para não se perder tempo com as frivolidades da etiqueta oral. As operadoras de telefonia móvel fazem 60 bilhões de dólares/ano no mundo só com mensagens de texto. Em 2010, segundo a Dataquest, 2,3 trilhões de mensagens serão enviadas pelo que hoje chamamos de telefone celular. Isso estará gerando 72,5 bilhões de dólares para as operadoras.


Neste momento, existem 2 bilhões de seres humanos usando celulares e um bilhão conectados à Internet. Na Europa, há mais celulares do que gente. Todos esses aparelhos caminham a curtíssimo prazo para se tornar receptores de televisão. E, logo em seguida, para estarem conectados à web.


A previsão do CEO da Intel, Paul Otellini, é que 150 milhões dessas pessoas estejam cobertas pelo WiMax até o final do próximo ano. É praticamente a população inteira do Brasil conectada. No mundo dito civilizado não há como escapar à conectividade – e sobretudo à conectividade móvel.


É para lá que ruma a televisão, muito mais rápido do que a maioria das pessoas pensa e de forma mais inexorável do que os piores pesadelos das emissoras são capazes de criar. Elas estão perdendo de 1 a 3% de audiência no mundo para outros suportes, todos os anos. O publico cativo da televisão fixa se esvaiu.


Por ironia, a televisão tenta agora imitar a aparência das novas mídias (blogs, fóruns, formas interativas) assim como os jornais (USA Today à frente deles) tiveram que imitar a aparência da televisão para sobreviver.


França: novas regras


A luta pela sobrevivência é mesmo dura. A ministra da Cultura e Comunicação da França, Cristine Albanel, anunciou no inicio da semana passada que vai reformular a regulamentação audiovisual do país.


As medidas incluem a modificação do decreto que obriga as redes de televisão a aplicar 2/3 de seus orçamentos na compra de ficção de produtores franceses independentes. Isto permitirá à TF1, a maior rede aberta do país, reduzir seus custos em 50 milhões de euros por ano.


As redes deverão ter permissão também para veicular 12 minutos de comerciais por hora. Atualmente elas só tem direito a 6 minutos. Isto fará com que a própria TF1, para não sair dela, possa aumentar sua receita anual em 40 milhões de euros. Os dados estão no Le Journal des Finances de 13 de outubro.


Brasil: momento emblemático


São as mídias emergentes que estão forçando a adequação dos modelos de negocio na televisão. O embate entre a regulamentação, o papel do Estado e a construção de uma televisão apta a olhar para o futuro terá no Brasil um momento emblemático em 2 de dezembro, no mesmo dia em que o país começar oficialmente suas transmissões digitais terrestres. Ali estará se instalando também a rede de televisão publica criada pelo atual governo.


Dois testes serão capazes de revelar a quem estará servindo a nova rede. O primeiro é sua capacidade de vislumbrar os novos tempos e se adaptar a eles. Por ‘novos tempos’ deve-se entender uma época em que a televisão aberta deixa de ser massificada, torna-se prioritariamente móvel, já não é mais hegemônica em relação às outras mídias e tem que adequar seu conteúdo às plataformas existentes.


O segundo teste é naturalmente o da possibilidade de se construir uma gestão ética. O retrospecto do país está longe de ser encorajador neste quesito. Mas as perspectivas são muito boas.


Há ótimos exemplos no mundo a serem seguidos. A BBC é sempre citada – muito mais como um formato de gestão do que como um modelo de comportamento. E, no entanto, absorver modelos de comportamento nada tem de subserviência colonial.


Ainda na semana passada o diretor geral da BBC, Mark Thompson, teve que voltar a dar explicações ao Conselho sobre a desastrosa edição da chamada do programa em torno da rotina da Rainha Elizabeth II, onde o espectador é levado a concluir, erroneamente, que ela retirou-se de uma sessão de fotografias com Annie Leibovitz. Parece banalidade, mas não é. O antecessor de Thompson, Greg Dyke, teve que deixar o cargo em 2004 quando um inquérito judicial encontrou incorreções no tratamento dado pela BBC à atuação do governo durante a invasão do Iraque.


Tanto as emissoras privadas quanto os tablóides ingleses mentem e ofendem livremente – mais talvez que na maior parte do mundo civilizado – mas em se tratando da BBC ela é considerada culpada por iludir o público até mesmo ao anunciar que num programa infantil (Blue Peter) as crianças haviam escolhido o nome Socks para um gatinho, quando a votação, na verdade, dera a vitória ao nome Cookie.


O que é público tem para os ingleses a obrigação de ser bom e ser responsável. Não é pecado algum seguir esse ensinamento. O Tietê não se tornaria o Tamisa, mas o Brasil melhoraria bastante.

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Jornalista