Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O que têm a ver o BBB e Guimarães Rosa

‘Tenho zero de preocupação em dar um aspecto cultural ao programa. Acho que tudo é cultura. Big Brother é tão cultura quanto Guimarães Rosa’ – do jornalista e apresentador Pedro Bial, em entrevista à revista Quem deste mês

Que a Rede Globo utiliza seu poder cultural – tido pelo senso comum como algo venerável – para vender o espetáculo da vida alheia não é novidade. O que realmente precisa ser colocado em questão é: até que ponto a emissora e seus ‘mensageiros’ contribuem para a manutenção de um povo distante da cultura e da reflexão?

Exibindo um reality show que trabalha com pessoas ditas comuns, o império Global padroniza a cultura, colocando a televisão à frente de qualquer fato e, inevitavelmente, sucumbindo a informação e o papel social. Tudo é aceito pelos anônimos extraídos da massa de telespectadores que, em busca de notoriedade televisiva, ficam cinco ou seis meses juntos a desconhecidos, fechados em si mesmos e inteiramente expostos às câmeras do mundo.

‘Cultura televisiva’

A questão é que o BBB tem o ópio dos brasileiros, como afirma a psicanalista e ensaísta Maria Rita Kehl: ‘A audiência se sustenta sobre o desejo do público de presenciar escândalos, brigas e cenas de sexo reais. No entanto, os escândalos são escassos, se comparados aos longos períodos em que nada digno de nota acontece’ (KEHL, 2004, p. 144). O enorme tempo ocioso é gasto com fofocas, picuinhas e cuidados corporais, detalhes que dão ao fiel espectador a esperança da exibição de um cotidiano tão banal quanto o seu próprio, colocando assim resquícios de brilho e sentido em sua vida domesticada – ao comparar-se com os ídolos da TV. As gincanas de horrores, onde os vencedores são aqueles que suportam maior nojo e degradação, soam positivamente para o público e os participantes, já que tudo é em prol da fugaz fama.

Fora este quadro básico de nossa ‘cultura televisiva’, dizer que Guimarães Rosa – que ainda nos dias de hoje traz algo inovador à língua portuguesa e à narração da vida no sertão brasileiro – pode ser comparado em algum aspecto ao nosso ilustre reality show é, minimamente, intragável.

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Estudante de Jornalismo